São Paulo, domingo, 23 de junho de 2002 |
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UM CRÍTICO EM MUTAÇÃO
por Luiz Costa Lima
A questão aparece tanto em artigo de agosto de 1941 -"o maior embaraço estaria provavelmente em determinar com exatidão e poucas palavras o que não é o intrínseco"- quanto, no auge de sua leitura dos "new critics", em dezembro de 1948: "Se houvesse do que estranhar na melhor crítica moderna da Inglaterra e dos Estados Unidos seria [...] menos o formalismo exclusivo do que a presença imoderada de pontos de vista históricos, biográficos, psicológicos, sociológicos e até econômicos". Quanto à poesia que então se publica, o vemos, em artigo de novembro de 1948, submeter a poesia de Bueno de Rivera a uma análise técnica, hoje impraticável em página de jornal, e concluir por sua limitação; e a destacar, em junho de 1951, a obra dos estreantes Décio Pignatari e Haroldo de Campos. Mas, entre os poetas que então comenta, João Cabral de Melo Neto é o que mais lhe intriga. Dedicar-lhe três artigos seguidos (em 3, 10 e 17 de agosto de 1952) mostra a surpresa que lhe causava... Sem que tenha de todo vencido os enganos, Sérgio Buarque chega a comover quando reconhece, em 3 agosto de 1952: "Confesso bastante envergonhado que meus primeiros contatos com sua obra e, depois, o crescente interesse que ela pôde inspirar-me nem sempre me deixaram totalmente livre de hesitações e suspeitas". As apreciações de Cabral por Sérgio Buarque registram a ruptura introduzida pelo poeta. Sérgio Buarque sabe reconhecer o quanto o novo poeta dá inflexão bastante diversa ao automatismo psíquico dos surrealistas; quanto seu louvor do dinâmico e da palavra asperamente crítica se distancia da bela harmonia renascentista; quanto sua dicção se afasta não só do modernismo mas de toda a nossa tradição; nada disso contudo o impede de advertir, com razão, que toda aquela profunda repulsa da tradição poderá servir de "ponto de partida de uma nova convenção". Desvendar o poema A plasticidade de juízo que o crítico manifesta é correlata à auto-imposição que se fizera de pensar a linguagem poética. Para alguém educado sob o libertarismo anárquico modernista, o "formalismo" de 45 poderia provocar ou repulsa ou curiosidade. Para Sérgio Buarque, a opção nem sequer se põe. A curiosidade que cultiva o leva ao entusiasmo com que se refere a Auerbach e à leitura conflitiva do "new criticism". À procura, em suma, de entender melhor seu objeto. E, embora tivesse razão em reagir ao cordão sanitário que os "new critics" armaram em torno do poema, a posição a que chega não é satisfatória. "Através de alguns daqueles estudos", diz em artigo de maio de 1951, "[...] a ciência poderá, cada vez mais, aproximar-se da compreensão do mistério da poesia, embora sem a esperança de desvendá-lo em sua plenitude". Em um misto de cavalheirismo e discreta reserva, Sérgio Buarque mostra sua boa vontade, reconhecendo que os "new critics" avançaram no que se propuseram, sem contudo atingir seu alvo. Mas algo aí não bate bem: o alvo, como o próprio Sérgio Buarque o percebia, não fora bem calculado. Independentemente dos limites dos "new critics", não há pleno desvendamento da poesia porque a poesia não é uma coisa -e isso se ainda se admitir que as coisas têm uma estrutura última. A mesma frustrada reflexão se repete adiante. Em artigo de agosto de 1951, onde argumenta que, diante de certas análises, é difícil distinguir o que pertence ao objeto e o que "o crítico nela(s) introduziu de modo mais ou menos caprichoso". O engano resultava de que o autor supunha que a crítica ou é impressionista ou objetiva. Em suma, uma certa concepção "objetivista" de ciência dificultava seu avanço. Mas nisso o embaraço não era apenas seu. Ou apenas da década de 1950. Ele tende mesmo a permanecer enquanto se confundir ciência com técnica aplicada. Luiz Costa Lima é ensaísta, crítico e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), autor de "Vida e Mímesis" (ed. 34) e "Mímesis - Desafio ao Pensamento" (Civilização Brasileira), entre outros. Escreve regularmente na seção "Brasil 503 d.C.". Texto Anterior: Gilberto & Dérgio Próximo Texto: Acervo da Unicamp esconde obra inédita Índice |
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