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+ música
O maestro brasileiro, nomeado regente associado da Filarmônica de Nova York,
fala da turnê da Osesp nos EUA e da "inspiração divina" de Bach e Beethoven
Repertório sem fronteiras
Arthur Nestrovski
Articulista da Folha
A notícia saiu timidamente, como se ninguém estivesse acreditando na dimensão real dos fatos.
Mas a nomeação de Roberto Minczuk para o
posto de regente associado da Filarmônica de
Nova York tem significado histórico para a música brasileira. Aos 35 anos, ele assume o segundo posto dessa
que é, por consenso, uma das melhores do mundo.
Regente associado da Orquestra Sinfônica do Estado de
São Paulo desde a renovação promovida por John
Neschling em 1997, Minczuk foi aluno-prodígio de
trompa na Juilliard School, em Nova York, onde morou
dos 13 aos 20 anos.
Assumiu depois o posto de primeira trompa da orquestra Gewandhaus, de Leipzig (Alemanha), sob a regência
de Kurt Masur, de quem se tornaria assistente, anos
mais tarde, na mesma Filarmônica de Nova York
(atualmente dirigida por Lorin Maazel).
Nesta entrevista, concedida ao Mais! em
Nova York, por ocasião do também histórico concerto da Osesp no Lincoln
Center, em 10/11, Minczuk fala de suas
atividades futuras, do seu desejo de compor, da relação entre religião e música.
Quais serão suas atribuições na Filarmônica de Nova York?
Começando em abril, vou reger uma
série de concertos da orquestra nos
distritos (Brooklyn, Bronx, Queens etc.), além dos
"concertos para a juventude", no Lincoln Center.
Depois, em julho, rejo nos parques: duas apresentações no Central Park, mais seis ou sete em outros
parques da cidade. Cada uma atrai habitualmente
entre 90 mil e 120 mil pessoas.
Vou também dividir os concertos com o maestro
Maazel no Festival de Vale (Colorado), onde a orquestra fará uma residência. E em novembro está
marcada minha estréia na série de assinaturas; serão
quatro concertos no Avery Fisher Hall.
O fato de um músico brasileiro tornar-se regente associado da Filarmônica de Nova York tem significado histórico
para o país. Mas que significado tem esse convite, intimamente, para você?
Pouco antes do convite, eu pensava comigo que havia coisas que gostaria de fazer, importantes para
meu aprendizado. Já estava com uma atividade extensa. A própria Filarmônica de Nova York eu regi
pela primeira vez num concurso em 1997; fiz depois
minha estréia em 98. Foi, aliás, o que abriu portas para o mercado internacional. A partir de então, regi
várias orquestras americanas importantes. Na Europa, regi há pouco a Sinfônica de Londres -e vou reger em Viena em 2003 (no "Musikverein"). Faço de
90 a 100 concertos por ano. Quer dizer: eu me via numa verdadeira carreira de maestro, fazendo aquilo
que sempre sonhei fazer. Mas, ao mesmo tempo,
pensava: puxa, embarquei numa jornada... Queria
tempo para estudar, estar com grandes maestros.
E a Osesp no meio disso tudo.
Lembro que, quando comecei a trabalhar com Neschling, tive a mesma sensação [vontade de aprender".
Estava regendo em Ribeirão Preto [interior de SP" e
me dizia que precisava estar com alguém que tivesse
carreira internacional e pudesse me ajudar. Quando
surgiu a oportunidade, foi fantástico. E logo em seguida veio a chance de atuar como assistente do Kurt
Masur também, aqui em Nova York.
E agora, com Maazel?
Da mesma forma, eu me dizia: preciso aprender com
aquele regente de técnica perfeita, que dominou
completamente a arte de reger, como expressão
plástica; e Maazel foi o nome que me veio à cabeça.
Ele ou Seiji Ozawa [regente da sinfônica de Boston
(1973-2001) e, atualmente, da Ópera
Estatal de Viena], gente que atingiu
esse grau de perfeição.
Mas como? O Maazel era regente em
Munique; eu, em São Paulo. Veja como são as coisas...
Em que medida a experiência religiosa é
importante para a sua experiência musical e vice-versa?
Meu pai era diretor de música na igreja. Assim que pude, comecei a ler a Bíblia, pelos 8 anos de idade. Ao mesmo tempo, comecei a estudar música. Música e fé caminham sempre
juntas para mim. A música, para mim, é uma coisa
que vem de Deus. Nos grandes compositores, o que
sinto é uma inspiração divina. Apesar de a música
também tratar da dimensão humana. Mas existe outro aspecto, algo de extraordinariamente bonito, que
transcende aquilo que se pode apalpar.
O compositor que sempre admirei acima de todos é
Bach (1685-1750). E na sua música como na sua vida
pode-se ver alguém que reconhecia que tudo era para Deus e tudo vinha de Deus. Os conflitos que teve
com a igreja não importam.
A fé não tem igreja. É uma coisa pessoal, a relação direta que cada um tem com Deus. Isso me inspirou
muito. Não só Bach, mas Beethoven, Brahms. A música, para mim, é um dos meios de relacionamento
entre Deus e o homem que Ele criou. Um dos elos
dessa relação.
O que muda agora na sua atividade com a Osesp?
A Osesp é uma orquestra do meu coração. É incrível
ver como se desenvolveu. Os planos se concretizaram: criar uma grande orquestra, ter uma grande sala, começar a gravar o repertório brasileiro, levar esse repertório para o mundo afora. Fico muito contente de fazer parte dessa história. Na prática, minha
atividade não muda em 2003. Devo reger nove concertos de assinatura e continuar regendo as gravações [para o selo Bis". Se Deus quiser, vamos concluir a série das "Bachianas Brasileiras" [de Villa-Lobos" e fazer mais um disco de danças brasileiras.
Também participo da turnê pela Europa [Suíça, Alemanha, França e outros países a confirmar].
Que sugestões concretas você daria ao novo governo, para melhorar a condição da música clássica no Brasil?
Precisa ter alguém como o Neschling no ministério!
Para desdobrar esse projeto Osesp em 50. E não só
na música, mas em teatro, dança etc. É preciso investimento semelhante ao que o governo de São Paulo
vem fazendo. E com meios de incentivo realmente
eficazes. É preciso sonhar alto e levar isto a sério, até
as últimas consequências.
O que você gostaria de fazer como músico e o que ainda
não fez?
Tantas coisas... Reger ópera. Compor -algo que faço desde pequeno e tive de interromper para me dedicar à regência. O grande desafio da música é a
composição. Como regente, muita coisa também. Só
regi uma sinfonia de Bruckner [a número 4]. Preciso
reger todas as de Mahler (só regi algumas). Gostaria
de reger música de compositores vivos. E reger uma
grande orquestra no Rio de Janeiro. Quer dizer: ver
projetos como o da Osesp se concretizando em outras partes do Brasil. No Rio, em particular, uma cidade que eu amo. Ultimamente tenho tido vontade
de tocar trompa, de novo. Ando pensando em voltar
a tocar, fazer música de câmara. Meus filhos andam
estudando música e eu gostaria de tocar com eles.
Cultivar boa música em casa.
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