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+ cultura
O designer que criou a nova tipografia do Judiciário sul-africano, a partir de grafites em presídio de vítimas do apartheid, faz palestra sexta-feira em SP
O guru do design sul-africano
Juliana Monachesi
free-lance para a Folha
Depois de 25 anos "vendendo a alma ao diabo"
(com design gráfico comercial) e tendo passeado pelas margens do mundo da arte, em
seu país e no exterior, Garth Walker tem o seguinte a dizer: "A África do Sul é o último "Oeste selvagem" não descoberto do globo. Eu acredito firmemente
que somos a nação mais talentosa e criativa na Terra". A
afirmação (inclusive aquela acerca de vender a alma) foi
feita em uma publicação de arte contemporânea sul-africana, "Artthrob".
Por ocasião de sua vinda a São Paulo, onde participa
da Icograda Design Week [sexta, às 9h], conferência paralela à 7ª Bienal de Design Gráfico ADG Brasil -que se
inaugura na próxima terça no Memorial da América
Latina e vai até 25/5-, Garth Walker falou ao Mais! sobre seu mais recente trabalho: a criação de caracteres
gráficos para o "Constitution Hill", nova sede da Corte
Constitucional de seu país, que foi inaugurada em março em homenagem aos
dez anos de democracia na África do Sul
pós-apartheid.
Diretor de criação da companhia
Orange Juice Design e editor da "I-Jusi",
revista "cult" que passeia nas margens
entre arte e design, Walker foi descrito
pela curadora e crítica especializada em
arte sul-africana Virginia MacKenny como o "internacionalmente renomado
guru do design e da cultura africana".
O que o sr. levou em consideração quando foi convidado
a criar fontes para a nova Corte Constitucional?
A encomenda para o design de uma fonte para ser
usada na comunicação visual e sinalização interna
da Corte e do complexo arquitetônico como um todo foi aberta. Fundamentalmente, os arquitetos deixaram a interpretação para mim. Eu fui a Johannesburgo para pesquisar todo o terreno do "Constitution Hill" [que abrigou por mais de um século o
principal presídio do país, onde ficaram encarcerados de Mahatma Gandhi a Nelson Mandela] e ver o
que havia lá. Como eu descobri, prisões desenvolvem pouco sua sinalização interna! Além de algum
grafite nas paredes das celas e alguns símbolos pintados a mão por guardas, havia muito pouco. O local
(que é enorme e quase no centro de Johannesburgo)
é uma combinação de um número de prédios de carceragem e edifícios administrativos do presídio.
Passei dois dias fotografando todo os detalhes de
sinal gráfico que pude encontrar. De grafite a quadros de aviso, de ícones em banheiros a números em
portas de cela, gravei tudo o que vi. A fonte foi então
desenhada usando as formas de letra que considerei
adequadas para a "personalidade" da tipologia que
queria criar. O restante do projeto de sinalização
usou as características da fonte e as interpretou para
os sinais necessários em todo o edifício (saídas de
emergência, banheiros e assim por diante). O resultado é uma fonte totalmente única, que é uma coleção da história tipográfica das prisões reais e do próprio "Constitution Hill". Na minha apresentação em
São Paulo, vou mostrar as fotografias.
A documentação da iconografia sul-africana tem um papel importante em seu processo criativo. O que o sr. encontrou de mais interessante em suas pesquisas?
Sul-africanos comuns (principalmente negros) estão fazendo um "trabalho" muito melhor como designers gráficos do que nós profissionais. Na minha
opinião, o design local, feito pelos pequenos comerciantes, é fantástico. Tem charme, sagacidade e relevância para seu público. Quantas vezes o "design-Primeiro-Mundo" pode fazer tal reivindicação? Esse
estilo se desenvolveu nos dez breves anos de democracia: de cartazes feitos a mão para
sinalizar salões de beleza, açougues
ou sapateiros, à sofisticada "linguagem visual" corrente -que incorpora esportes locais e estrelas midiáticas.
Em termos de tipografia, a tendência
é usar fontes de "efeitos especiais",
que incorporam estilos e scripts decorativos. Nada de helvética zen!
A "Icograda Design Week" tem como tema principal "o trabalho e os meios com
os quais os designers gráficos de todo o mundo encaminham, prestam serviço e interagem com ideologias e desafios sociais". O sr. poderia explicar como o design gráfico pode ser (ou é) político?
Na minha opinião, muito pouco do design gráfico
global é "político", "social" ou provocador. Designers estão muito mais interessados em fama e fortuna do que em alimentar pessoas. A Europa tem uma
longa tradição de design de pôster (para mudança
social) que infelizmente não é o caso aqui na África
do Sul (um legado dos anos de apartheid, quando
quaisquer pôsteres "não-governamentais" eram ilegais). Temos baixos níveis de alfabetização e uma
necessidade terrível de elevação social, portanto o
design poderia desempenhar um papel significativo.
De modo geral, penso que os designers estão interessados apenas no que está ocorrendo em Londres,
Paris e Nova York (o trabalho de nomes famosos),
em detrimento do que podem fazer para mudar o
mundo. E também não imagino ver isso mudando...
Dois números da revista "I-Jusi" foram dedicados à "nova tipografia sul-africana". Trata-se de algo consolidado
ou o sr. se refere a essas improvisações populares?
Não existe nada como uma "fonte tipicamente africana". O resto do mundo parece ter uma fantasia sobre "caracteres africanos", quando na realidade a
África ama o design de fontes das culturas "muito
eurocêntricas". Africanos usam letras heráldicas, góticas, sombreadas e decorativas apenas. Nós não
usamos a "escola suíça" de helvética sem serifa e semelhantes. Em termos simples, os africanos usam
qualquer tipo de letra de que venham a gostar. Se é
relevante (ou não) para o debate gráfico internacional, não é uma questão, conseqüentemente nós temos um estilo de letra que celebra a escrita decorativa (e que é muito mais bonito também!).
No ano passado, quando esteve no Brasil como curador
de um segmento da 5ª edição da Bienal de Arquitetura, o
arquiteto sul-africano Henning Rasmuss afirmou que Johannesburgo tinha se transformado, em muito poucos
anos, de cidade da segregação racial em uma cidade de
segregação social. Como foi que o regime do apartheid
ecoou em sua cidade natal, Durban, nesse sentido?
Durban é, de longe, a cidade mais cosmopolita da
África do Sul -temos uma grande população nativa, brancos, negros e, naturalmente, os zulus (maior
tribo indígena da África do Sul). Temos menos segregação social que Johannesburgo (Durban tem
muito menos dinheiro!). Eu penso que a segregação,
no futuro, vai se tornar econômica (e não racial, apesar de a população de baixa renda ser predominantemente negra). Como uma cidade, Durban é muito
criativa (em música, dança, arte e cultura), portanto
nós capitaneamos o país no que se refere a isso.
Johannesburgo é como Nova York. Muito dinheiro, mas nenhuma alma. Durban foi historicamente
menos influenciada pelo apartheid por ter sido sempre muito cosmopolita. Nos tempos coloniais, muita
gente vivendo em Durban se misturava livremente
com outras raças (o apartheid, claro, existia por lei
etc.). É o motivo por que escolhi permanecer aqui.
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