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DOCUMENTÁRIOS DA PRUDÊNCIA
O diretor iraniano Nasser Saffarian, que terá filme exibido em mostra em SP, fala da influência do "neo-realismo" de Abbas Kiarostami sobre sua geração
Alessandra Meleiro
especial para a Folha
Assim como mensagens islâmicas fazem parte do
cinema "oficial" iraniano, pedidos de reformas e
de mudanças, resultados de um forte movimento político que existe hoje no Irã, estão presentes
nos filmes de jovens cineastas. O diretor iraniano Nasser
Saffarian, 26, integrante da ONG "Iranian Independents", estréia no Brasil com o documentário "Forough
Farrokhzad".
O filme enfoca vida e obra da primeira escritora feminista da literatura iraniana, Forough Farrokhzad (1935-1967). Críticas a sociedade patriarcal, luta pela expressão
dos sentimentos femininos e um forte ativismo político
marcam a obra da poeta.
Os dois episódios que compõe o documentário de Saffarian foram censurados pelas autoridades do Ministério da Cultura e Orientação Islâmica no Irã e poderão ser
vistos na mostra "Documentários Iranianos Independentes", que irá ocorrer de terça a domingo no Centro
Cultural Banco do Brasil (tel. 0/xx/11/3113-3651), em São
Paulo.
Sua formação em literatura lhe permitiu conhecer profundamente a "shaer-e nou" (a nova poesia iraniana) de Ahmad Shamlu, Sohrab Sepehri, Forough Farrokhzad e Mehdi Ajavan-Saless. Por que você escolheu como tema de seu
documentário a obra de Farrokhzad?
Tenho uma grande afinidade com o universo de Forough Farrokhzad. Além de ser uma das mais importantes poetas contemporâneas, toda a sua obra está
tecida por uma vontade de ruptura que a aproxima
ideológica e esteticamente de meus valores. Procurei
responder a perguntas sobre como era sua vida pessoal e sobre como ela tratava a opressão masculina no
Irã em sua obra poética, cinematográfica, no teatro e
em suas pinturas. Fizemos um filme baseado nas falas de artistas e escritores iranianos e estrangeiros que
a conheceram como, por exemplo, Bertolucci.
Para a geração de Abbas Kiarostami a poesia era um elemento central, um dos motivos da renovação intelectual
do país e inclusive uma das mais poderosas e emblemáticas armas diante da ditadura do xá Reza Pahlevi. E para os
jovens diretores de hoje no Irã?
Acho que não podemos diferenciar tão claramente a
velha da nova geração de cineastas, a não ser pelo fato
de que hoje o cinema é a manifestação artística e cultural mais apreciada pelos jovens. Todos têm uma ótima percepção das necessidades políticas e sociais de
seu tempo, embora a nova geração pareça ser mais
prudente ao expressar suas idéias, o que faz com que
não seja tão criativa no sentido de apontar soluções alternativas aos atuais problemas sociais.
O Ministério da Cultura apóia financeiramente apenas os
projetos adequados a seus objetivos, isto é, filmes que sigam a orientação islâmica. Como os produtores independentes que têm seus roteiros interditados conseguem verba para seus projetos?
Muitos dos filmes que revelam aspectos sensíveis sobre a política do governo ou sobre o islã não são financiados nem pelo setor público nem pelo privado, mas
sim pelos próprios diretores ou por fundações estrangeiras. Para conseguir o aporte financeiro para "Forough Farrokhzad", leiloei minha biblioteca particular e pedi um empréstimo. Fazer curtas-metragens e
documentários no Irã é muito difícil, pois o espaço de
exibição na rede de TV Irib (Islamic Republic of Iran
Broadcasting), que controla todos os canais de TV no
Irã, é limitado e os donos de salas de cinema não os
acham rentáveis.
O que você diz sobre a afirmação de que o naturalismo na
concepção da imagem, marca do novo cinema iraniano, é
menos uma questão estética e mais uma questão econômica e tecnológica?
A utilização de equipamentos digitais fez com que superássemos dois grandes obstáculos: tempo e dinheiro. Isso permitiu que realizássemos filmes de baixo
orçamento, com pequenas equipes e melhor adaptação dos diretores às condições locais, por exemplo, às
condições de luz.
Você acabou de descrever o estilo de representação do
neo-realismo italiano, que foi realmente influente nas
obras de vários diretores iranianos. Essa nova geração de
cineastas também sofreu tal influência?
A nova geração de cineastas não conhece Rossellini,
De Sica ou Visconti, mas foi influenciada pelo "neo-realismo" de Abbas Kiarostami, Mohsen Makhmalbaf ou Bahman Ghobadi. Alguns tentam seguir os
mesmos caminhos trilhados por eles, produzindo
imitações que, com raras exceções, são bem recebidas
pelo público. No entanto há jovens diretores como
Mazdak Sepanloo e Reza Bahraminezhad que, embora filmem em locações e recorram a não-atores, tentam estabelecer seu próprio estilo.
Alessandra Meleiro é doutora em cinema e políticas culturais e curadora da mostra "Documentários Iranianos Independentes".
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