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Fernando Monteiro
O gol para não esquecer -que me perdoem a rainha Elizabeth e Pelé- é aquele (o segundo) de Maradona, contra a Inglaterra, na Copa de 1986: uma
arremetida fatal, perna e fôlego pra-que-te-quero, e
Wanda se aproximando para dizer "eu vou querer a..."
enquanto o imortal Diego jovem acabava de receber a
redonda.
"Peraí, deixa eu ver esse lance."
E Maradona dribla os dois primeiros, dá uma volta de
Mané Garrincha em torno da dupla de ingleses trocando as pernas sólidas, sem bailado, sem a graça da Fonteyn conterrânea, enquanto don Diego sai pela direita, um bólide lançado pelos canhões dos velhos circos de
homem-bala.
"Desliga isso, me ouve."
"Olha o cara, Wanda..." -eu começava a ver o gol se
formando de velocidade, tango e desassombro. Olhei
para ela: estava com o vestido branco, aquele do presente de Natal, enquanto Maradona era um presente para
os olhos desviados só por um instante: ninguém poderia perder de vê-lo na corrida bem para o meio das feras,
apostando contra si mesmo, driblando o primeiro, driblando o segundo... Você olha para uma certeza, colhe
mais do que uma esperança rompendo pelo centro,
avançando sem impedimento possível (eu imaginando
o que Victor Hugo Morales devia estar gritando naquele momento), embora Wanda ignorasse as pernas curtas com a frase iniciada:
"Eu quero a separa...".
"Deixa Maradona fazer o gol." O craque azul, a bola
acima da grama, o joelho acima da barra do vestido
branco, o goleiro inglês ainda avança, coitado, são os
metros derradeiros, gol mais do que legal, vai embora,
Maradona!
"Eu é que vou embora."
O goleiro é abatido, a barra é um portal, um arco, uma
tela de cristal, uma rede de aquário que vai tremer como
eu tremo: o lance é o mais belo e eu nunca vou esquecer
o tempo que levou num dia 23 de dezembro para encontrar aquele vestido de renda, numa loja do shopping, cheia de mulheres falando e provando roupas.
"Você ouviu? Eu vou..."
"GOOOOOOOOOOOOL!!!!!! Dois para a Argentinaaaaa; um para a Inglaterra!"
"Você viu isso, Wanda? Esse gol? Que coisa mais linda, esse gol!"
Ela começa a esboçar uma espécie de sorriso, o gol está na minha alma e nos meus ouvidos, e eu me recosto
(suado por procuração). Que jogada...
E a minha alegria é a minha completa, inteira inocência: "Quer sair, amor, pra comemorar esse golaço?".
Fernando Monteiro é poeta e romancista, autor de "O Grau Graumann" e "A Múmia do Rosto Dourado do Rio de Janeiro" (ambos pela
editora Globo).
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