São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002 |
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Cristovão Tezza
Era o último amistoso da seleção antes da Copa
de 82; era o Maracanã numa tarde magnífica
de domingo. Brasil e Alemanha Oriental. Duas da
tarde e eu já fazia parte de uma multidão semovente e animada, subindo rampas de concreto de um lado a outro até perder as referências. Súbito o
mundo se abriu azul -e longe, embaixo, aquele
campo verde brilhante, pequeno à distância, exato como uma mesa de botões, atraente como um brinquedo. Fui sendo arrastado em direção a algum espaço na arquibancada e ao me acomodar percebi que estava no centro de toda a torcida vascaína do mundo que, a cada nome de jogador que ressoava pelos alto-falantes, trocava insultos e ovações ritmadas com a torcida do Flamengo, um
vermelho e negro ondulante adiante. O jogo começou. Num momento um vendedor equilibrando-se à minha frente levou com os passos dele a
ponta do meu cadarço; baixei a cabeça para amarrar o cordão do sapato e no primeiro nó houve
um princípio de terremoto e milhões de pessoas
se ergueram ao mesmo tempo num desvario ululante -tentei também ficar em pé e, quando consegui, vi sobre as cabeças, lá longe, jogadores
amarelinhos se abraçando, pulando uns sobre os
outros, e de relance percebi um alemãozinho tímido buscando a pequena bola no fundo da rede.
Reflexo condicionado, busquei em vão alguma tela em busca do gol perdido, para voltar os segundos que avançavam impiedosos. Inútil; a partida
terminou um a zero. Meu gol inesquecível restou
vazio na memória. Cristovão Tezza é escritor e professor do departamento de linguística da Universidade Federal do Paraná. É autor de, entre outros, "Breve Espaço entre Cor e Sombra" e "Ensaio da Paixão" (Rocco). Texto Anterior: Washington Olivetto Próximo Texto: Ugo Giorgetti Índice |
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