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A nova geração
Crítico aponta as obras centrais do autor de "Dialética da Malandragem" e quatro de seus herdeiros
JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Talvez a geração de críticos que se encontra
ao redor dos 40-45
anos tenha condições
de criar uma forma
nova de relação na vida intelectual brasileira.
Ora, não é verdade que a confiança narcísica nas próprias
escolhas levou uma parte considerável das gerações anteriores a encenar um aborrecido
jogo de soma zero?
A conseqüência mais séria
dessa atitude se revelou na dificuldade de ampliação do horizonte de leitura, pois o repertório de autores discutidos permaneceu praticamente inalterado. Por isso mesmo, esse tipo
de exercício crítico se definiu
pela vocação da epigonia.
Não surpreende, pois, que
em tal cenário o diálogo entre
tendências contrárias reduzisse o outro ao monótono papel
de adversário.
Novas perspectivas
Mas, nas últimas décadas, a
historicização do conceito de
literatura e a renovação do entendimento da própria idéia de
teoria estimularam um modo
alternativo de compreender o
exercício crítico, sobretudo de
esforços que não espelham
nossas idiossincrasias.
Tornou-se assim possível reconhecer a contribuição de autores de diferentes perspectivas. Limito-me, por questões
de espaço, a breves comentários sobre alguns autores de
minha geração.
Evando Nascimento vem desenvolvendo uma reflexão de
alta voltagem acerca das relações entre literatura, filosofia,
artes plásticas e cinema.
Poucos pensadores estão tão
bem preparados para produzir
tensões produtivas a partir do
atrito entre formações discursivas diversas. Em "Derrida e a
Literatura" [ed. UFF], assim
como em outros livros, articula
uma forma própria de pensar o
local da literatura no mundo
contemporâneo.
"Os Leitores de Machado de
Assis" [ed. Nankin], de Hélio
Guimarães, é uma das mais importantes monografias escritas
nos últimos anos.
Sintomaticamente, o livro
reúne criativamente tendências rivais. De um lado, estuda
as figurações do leitor no texto
machadiano; de outro, investiga as condições históricas do
leitor empírico de Machado.
Trata-se de livro que descortina um novo método.
Marcos Antonio de Moraes
destaca-se como a mais completa vocação de pesquisador
de minha geração.
Seu trabalho com a correspondência de Mário de Andrade representa uma contribuição teórica e metodológica incontornável. Em "Orgulho de
Jamais Aconselhar - A Epistolografia de Mário de Andrade"
[Edusp], acrescentou ao paciente comércio com o arquivo
a necessária reflexão acerca do
próprio gênero epistolar.
A pesquisa de Pedro Meira
Monteiro concilia, com rara felicidade, erudição fina e capacidade de renovar os textos e temas com os quais lida.
Se, em "A Queda do Aventureiro" [Unicamp], a reconstrução do diálogo de Sérgio Buarque de Holanda com Max Weber já evidenciava esse traço,
em "Um Moralista nos Trópicos" [Boitempo], Meira Monteiro produziu um dos mais sutis e completos estudos de trocas e transferências culturais,
radiografando o (des)encontro
do Visconde Cairu com as máximas de La Rochefoucauld.
Livros centrais
Quanto às obras fundamentais de Antonio Candido, destaco dois livros e dois ensaios.
Em "Introdução ao Método
Crítico de Sílvio Romero"
(1945), ao estudar o polêmico
crítico oitocentista, Candido
propôs uma inovadora análise
da assimilação de teorias importadas, ou seja, das condições
de produção de um pensamento autônomo nos chamados
países periféricos.
De igual modo, principiou a
desenvolver o projeto de elaboração conceitual da idéia de
"sistema literário".
O conceito foi plenamente
desenvolvido em "Formação da
Literatura Brasileira" (1959):
uma autêntica análise combinatória, com base na consideração das inúmeras possibilidades de relacionamento entre
os termos "autor", "público" e
"obra" -e nada impede que novos termos se imponham, tornando a equação mais complexa. "Formação" é a mais relevante história literária escrita
sob o influxo do modernismo.
Nesse sentido, pouco importa se a narrativa conclui na época da consolidação romântica
do triângulo "autor-obra-público". O elemento decisivo é a
oscilação entre o próprio e o
alheio, a necessidade de afirmar-se a partir do comércio
com o outro.
Em "Passagem do Dois ao
Três" (1974, incluído em "Textos de Intervenção"), Candido
desenvolveu uma aguda reflexão acerca do espinhoso tema
das relações entre literatura e
sociedade.
Ora, se os métodos de extração formal realmente produzem um conhecimento valioso
sobre a estruturação do texto
literário, não conseguem explicar por que esta e não aquela
outra estrutura foi articulada.
Logo, o entendimento da
transformação do dado externo
em fatura interna ao texto representa uma relevante contribuição, perfeitamente desenvolvida em "Dialética da Malandragem" (1978), seu ensaio
mais celebrado.
JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA é ensaísta e
professor universitário, autor de "Exercícios
Críticos" (ed. Argos), entre outros livros.
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