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Teoria está mais jovem do que nunca
PRECEITOS CENTRAIS DO DARWINISMO TORNARAM-SE O EIXO DE TODA A PESQUISA BIOMÉDICA MODERNA
MARCELO NÓBREGA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Diz-se que, ao ouvir
sobre a teoria de
Darwin, uma senhora da sociedade
vitoriana resumiu
assim seu desconforto: "Vamos
torcer para que o Sr. Darwin
esteja errado. Mas, se estiver
certo, vamos torcer para que
essas idéias não se espalhem
muito".
Darwin, mais do que ninguém, entendia as implicações
desalentadoras de sua teoria
para a noção de que os humanos ocupam uma posição especial na natureza. "É como confessar um crime" dizia.
Foram necessários 70 anos
para provar que Darwin estivera certo desde o início.Vários
remendos foram necessários à
teoria evolutiva original. O
mais importante deles foi o reconhecimento de outras forças
evolutivas além da seleção natural. No que é conhecido como "deriva genética", é amplamente aceito que várias características genéticas podem se
disseminar em uma população
puramente ao acaso, sem que a
seleção natural precise ficar
"escrutinando dia e noite cada
variação", como escreveu Darwin na "Origem das Espécies".
Curiosamente, há um recente clamor, especialmente nas
ciências sociais, de que uma
mudança radical nas nossas
idéias sobre hereditariedade e
evolução se faz mister, frente a
supostas descobertas bombásticas na biologia molecular que
traem os preceitos "genocêntricos" do darwinismo.
Entre estas, a descrição de
que certos traços podem ser
herdados de uma geração para
outra sem correspondente variação no DNA -fenômeno
chamado de "epigenética"-,
ou que modificações ou surgimento de certos traços às vezes
precedem variação genética
nessas populações, violando o
preceito de que evolução se dá
exclusivamente em variações
genéticas preexistentes, randômicas. Acredita-se, por exemplo, que variações genéticas
que tornaram humanos adultos tolerantes à lactose podem
ter aparecido somente depois
de estes terem instituído o consumo de leite, há cerca de 10
mil anos.
Se esses são os melhores argumentos justificando tal revolução conceitual, a cruzada é
quixotesca, e o exército, maltrapilho. Esses novos mecanismos e conceitos vêm simplesmente agregar-se a um sem número de outras descobertas,
que se tornaram possíveis nas
últimas quatro décadas com o
advento da biologia molecular.
O verdadeiro testemunho da
herança de Charles Darwin pode ser aferido ao andar-se pelos
corredores de qualquer departamento de biologia moderno.
Rapidamente se verá que o anseio da senhora inglesa de abafar as idéias sobre evolução não
se concretizou. Os preceitos
centrais de teoria evolutiva tornaram-se o eixo de virtualmente toda a pesquisa biomédica.
Graças às teorias de genética
e evolução de populações, uma
nova forma de medicina, chamada farmacogenética ou "medicina individualizada", tem
rapidamente se desenvolvido
nos últimos anos. Hoje já é possível analisar diferenças genéticas entre pessoas e usar essa
informação para escolher que
remédios serão mais eficazes e
terão menos efeitos colaterais
para cada paciente em uma série de doenças.
Evolução e seleção natural
são o motivo pelo qual ainda
não existe uma cura para a Aids
e pelo qual estamos perdendo a
guerra contra bactérias resistentes a antibióticos. Mas são
também os conceitos que têm
nos permitido procurar novas
formas de combater essas
doenças -por exemplo, tentando entender o que na genética faz com que algumas pessoas que são verdadeiras cartilhas ambulantes de fatores de
risco nunca adoecem. Desvendados esses mecanismos, novas estratégias terapêuticas poderão ser desenvolvidas.
A procura das causas genéticas de doenças é hoje pesquisada usando os genomas de múltiplas espécies e procurando
trechos de DNA que foram
mantidos intactos durante longos períodos evolutivos.
O entendimento de como as
proteínas -os produtos dos genes- interagem em redes complexas para desenvolver uma
função biológica é também amplamente sustentado pela teoria evolutiva. São novos rearranjos e interações entre proteínas que promovem o aparecimento de "novidades" evolutivas em espécies. Assim, uma
esponja-do-mar já tem a maioria dos genes que são responsáveis pela organização do plano
corporal humano. Os genes que
são usados para formar dentes
em peixes foram recrutados
para funções diferentes quando nossos ancestrais saíram da
água. Esses mesmos genes hoje
coordenam a formação de estruturas aparentemente distintas como pele, glândulas
mamárias e penas em aves.
Tentar descrever qualquer
fenômeno biológico fora da esfera conceitual de evolução de
Darwin equivale a conceber
personagens sem um enredo
que os contextualize e una.
MARCELO NÓBREGA é professor-assistente
do Departamento de Genética Humana da Universidade de Chicago, EUA
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