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ERA UMA VEZ UMA CANÇÃO
Jefferson Coppola - 16.ago.2004/Folha Imagem
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O pesquisador e crítico musical José Ramos Tinhorão na biblioteca de seu apartamento, em São Paulo |
POLÊMICO E IRREVERENTE, O CRÍTICO E PESQUISADOR JOSÉ RAMOS TINHORÃO LANÇA UM ESTUDO SOBRE O PRIMEIRO COMPOSITOR POPULAR BRASILEIRO, O POETA DOMINGOS CALDAS BARBOSA, QUE FEZ A PONTE ENTRE ALTA E BAIXA CULTURAS NO SÉCULO 18
Pedro Alexandre Sanches
da Reportagem Local
José Ramos Tinhorão, 76, sempre viveu às voltas com o
trânsito entre linguagens aparentemente conflitantes.
Viajou de crítico de música a historiador, locomoveu-se entre o jornalismo ligeiro e a escrita literária, a academia e as redações, o popular e o erudito, a vida em grupo e o isolamento.
Acumulando uma longa prateleira de estante de historiografia própria, chega agora a um personagem que andava, há mais de 200 anos, em corda bamba parecida com
as que ele conhece tão bem. Seu novo livro se chama "Domingos Caldas Barbosa - O Poeta da Viola, da Modinha e
do Lundu (1740-1800)", que está saindo pela editora 34
(tel. 0/ xx/11/ 3816-6777).
Tinhorão reapresenta o mulato Caldas Barbosa como o
primeiro compositor popular brasileiro conhecido. Narra-o vivendo num carrossel de duplas tensas: filho de português livre e escrava africana; "poeta árcade chato" que,
ao empunhar uma viola, inaugurava toda uma estirpe que
atingiria apogeu no século 20; brasileiro pobre que veiculou a modinha e o lundu entre a aristocracia de Portugal e
morreu no desterro.
O Tinhorão historiador e biógrafo de Caldas Barbosa recebeu o Mais! numa tarde em que discorreu principalmente sobre atritos ancestrais entre poesia erudita e canção popular. Aproveitou para lamentar o silêncio a que a
mídia brasileira o confina, a não ser quando seja para reavivar o embate clássico -perdido por ele- com a bossa
nova e com compositores populares como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque.
Ressentido com a academia que, segundo ele, pesquisa
em seus livros, mas não cita seu nome, citou-se à farta, lendo longos trechos de seus livros. Acabou por revalidar
provocações antigas (contra Vinicius de Moraes e os tropicalistas, por exemplo), mas também formulou outras
novas (como uma inédita defesa do formato rap e a máxima de que "a canção acabou"). Com a palavra, José Ramos
Tinhorão, homem do século da canção que veio pescar
Caldas Barbosa em 1740 para arremessá-lo ao século 21.
Qual é sua motivação histórica ao eleger Domingos Caldas
Barbosa tema de um livro?
Por não haver nada sobre ele. É o primeiro compositor
brasileiro conhecido, que leva para a Europa o conhecimento de dois gêneros negro-brasileiros, a modinha e
o lundu. Havia sete informantes se alternando, repetindo que ele era filho de um português que veio para o
Brasil com uma escrava negra e tal. A não ser que algum historiador de música popular me prove o contrário, acho que a música popular urbana como nós entendemos hoje, feita pelo mero prazer de cantar e se
acompanhar por um instrumento, é um fenômeno do
século 18, iniciado por Domingos Caldas Barbosa.
Na verdade, há dois Domingos Caldas Barbosa. Um é
poeta árcade, que é um chato, assim como todos os outros árcades. O outro é o da letra, que é esnobado por
historiadores de literatura como Antonio Candido,
mas é exatamente onde ele é fantástico. O ritmo dele é o
lundu [cantarola e batuca na mesa]. Isso era revolucionário e moderno no século 18, a síncopa repetida era
inconcebível na Europa. A música que predominava
era a italiana, ária de ópera.
Como é possível um mesmo artista ostentar essa dupla face
que o sr. descreve, de bom compositor e poeta "chato"?
Ele ganhou a proteção do conde de Pombeiro, depois
de penar muito, tocando em casa de colegas ricos para
ganhar um jantar. Fazia umas reuniões com os intelectuais da época, inclusive Bocage, criando com eles a
Nova Arcádia. Os caras liam poesias, ele providenciava
uns salgadinhos e no fim tocava e cantava. Eram as chamadas quartas-feiras de Lereno, porque esse era o nome árcade dele. Mas, enquanto poeta árcade, ele era
bem fracotinho, aquele cara que dava para o gasto. Mas
como letrista ele não tinha que seguir as regras rígidas
que um poeta árcade era obrigado a seguir. Quando ele
fazia para cantar, não havia regra nenhuma nem música popular existia ainda enquanto música popular.
A canção era para ele um exercício de liberdade?
Sim, a liberdade. Aí ele era bom. Cito expressões que
ele usava, absolutamente coloquiais, coisas muito brasileiras: "mugangueirinha". Fazer muganga é fazer carinho, charminho, como hoje a gente diria. Já pensou,
no século 18, pegar uma palavra que só poderia ser entendida aqui no Brasil? Nunca seria admitida num poema, mas, como ele fazia aquilo para ser cantado e dentro do espírito de quem conhecia a palavra, usava tranqüilamente. É claro que não dá para comparar isso
com o cara que fez versos para serem lidos. Fica diferente, não dá para estabelecer comparação como fez
Antonio Candido; é injusto com ele.
Aquilo era para ser no máximo ouvido, agradavelmente ou não, e esquecido. Só que ele ganha dimensão
porque, se o cara cantava essas coisas no século 18... O
cara se dirige à mulher de uma forma diferente, que só
vai acontecer depois no romantismo, olha que figura
interessante.
Ele passa a ser uma figura relevante, inclusive dentro
da música popular, porque é o primeiro cara a deixar
nome como alguém que faz música e versos de uma
coisa moderna chamada música popular urbana. A
canção como se entende hoje, uma coisa de se sentar e
ficar ouvindo disco da cantora tal, é uma coisa moderna, do século 16, contemporânea do individualismo
burguês. Durante toda a Idade Média, tudo que se conhece como arte popular era coletivo. A coisa singular,
de alguém egoisticamente se fechar num quarto e ficar
cantando e se acompanhando, é do século 16.
A canção é a inauguração do individualismo na arte?
É, isso eu disse no livro "As Origens da Canção Urbana" (ed. Caminho da Música, Portugal, 1997), no Brasil
ninguém falou dele. A vida urbana se complica e começa a existir diversidade social a partir do século 16, não
são mais aquelas cidades medievais, que eram muito
simplezinhas. Lisboa, em 1552, tinha 100 mil habitantes. Um padre espanhol vai visitar Lisboa e fica muito
admirado [lê no livro]: "Há nessa rua, além doutras
coisas, edifícios admiráveis de tantos pavimentos e
com tantos inquilinos que não se conhecem uns aos
outros nem de cara nem de nome". A canção é criada
para esse tipo de pessoa.
Dada a trajetória de Caldas Barbosa, é também uma história de luta de classes?
É, tanto que ele só consegue ter nome e publicar porque, pela proteção do conde de Pombeiro, vai se apresentar para pessoas da alta nobreza e das famílias burguesas.
Ele age como um mediador de cultura entre povo e elite?
Sim, e, o que é mais interessante, levando cultura da
"gente baixa" do Brasil às classes "altas". É na verdade
o que faz qualquer músico. O que faz o [músico baiano] Elomar? Dá conhecimento de um tipo de música
que compõe baseado em saberes de cantadores com
um pé na música da Renascença. Ele transforma isso,
você vai conhecer por intermédio dele. Outra coisa era a
chulice, quer dizer, usar o coloquial. Como escrever era
uma coisa de elite, é claro que, para escrever, era preciso
dar uma certa dignidade à palavra escrita. Então não se
iam usar termos corriqueiros, que de certa forma degradariam a respeitabilidade da escrita. Quer dizer, esse
cara vem cantar isso no meio da sociedade? Isso só era
admissível em bordéis, lugares de gente da ralé.
Já que trabalhou em Portugal e nunca mais voltou ao Brasil,
Caldas Barbosa é um compositor brasileiro ou português?
É um compositor brasileiro. Enquanto poeta árcade,
ele, desde o Brasil, era um europeu. Mas, enquanto
compositor, ele, desde o Brasil, era um poeta popular. É
um caso isolado.
A cisão entre canção e poesia erudita persiste até hoje?
Persiste. Pode-se dizer que Caetano Veloso é um bom
letrista, Chico Buarque é um bom poeta. Mas é assim,
"tudo bem, mas não me venha comparar com Manuel
Bandeira, João Cabral de Melo de Neto". É bom lá para
aquilo que ele faz, cantado e tal.
Seria um preconceito da academia, um sentimento de que a
poesia popular não é digna dela?
Sim, é muito bom, mas lá naquele treco, não vamos trazer para cá porque não se compara. Não se compara
realmente, no sentido de fazer avaliações. Mas posso,
em versos da música popular, ter achados comparáveis
a um achado de um poeta. Mas um é um achado dentro
da música popular, outro é um achado dentro da poética entendida como exercício de um tipo de literatura,
de poesia.
Pode dar exemplos?
Há muitos, muitos. Em Chico Buarque, por exemplo, se
encontram demais, demais. Em "Eu Te Amo", as roupas misturadas, "meu sapato ainda pisa no teu", são
achados feitos para serem cantados, mas, que são achados poéticos, são. Até sobrevivem sozinhos, quando o
cara é muito bom, sobrevivem. Mas você nota, pela
própria leitura, que não tem a estrutura de uma coisa
que foi feita para ser lida. De repente, as medidas do
verso não seguem certa regra, não cai tudo certinho.
Manuel Bandeira, quando faz letra para a modinha
do Jayme Ovalle, é letrista, mas é um letrista de primeira
categoria. Ele tem a obra dele de Manuel Bandeira e tem
os versos que fez para serem cantados, que são uma coisa muito bonita [cantarola]: "Sobre a solidão do mar a
Lua flutua/ e uma tristeza singular palpita em cada coração/ só tu não vens trazer alívio ao trovador". Pode
ser lido como poesia, e com a melodia do Jayme Ovalle
ficou muito bonito, e cabe tudo certinho. Ele foi compositor, um letrista, sendo poeta.
Muitos compositores teriam recursos para ser poetas?
Teriam recursos. Talvez não tenha ocorrido, não tenha
havido interesse. Ou talvez até tenha e a gente não saiba,
não é? Quem sabe alguns cometeram lá seus poemazinhos e estão escondidos. Um jornalista pode escrever
contos e deixar na gaveta.
O sr. tem?
Ah, eu tive essas pretensões, no início, quando comecei
em jornalismo. Cheguei a publicar algumas crônicas.
Fiz também, no dia-a-dia de jornal, coisas que têm um
pé na literatura.
O que o sr. diria sobre Orestes Barbosa?
Há caras que nasceram como poetas e depois se tornaram poetas da música popular, como ele, que surge
com um livro chamado "Penumbra Sagrada" e depois
começa a fazer verso para coisa cantada. Ele tem uns
achados espetaculares em certas letras, o danado. "Tu
pisavas nos astros distraída" é o mais conhecido, há outros típicos de poeta, que encaixam muito bem encaixados na música popular. E há outros que botam versos na música e parece poesia para ser lida, como Cartola, por exemplo, que nunca pensou em escrever livro
de poesia e tinha aquele negócio de dizer "as rosas exalam o perfume que roubam de ti". É uma coisa muito
requintada e, no entanto, sai dali.
Sobre Noel Rosa?
Noel foi o Chico Buarque da época dele, um cara de
classe média que usou muito bem, com muita consciência. Se você encontra um verso num Cartola pode
até dizer que foi sem querer, mas não pode dizer que
Noel ou Chico fizeram sem querer. A diferença do criador que faz com intuição poética e o que faz com o domínio da palavra é que em um o sucesso é o sucesso da
intuição, no outro é uma vontade de fazer para ser daquele jeito mesmo. As letras de Noel não seriam muito
legíveis sozinhas, Chico vai um pouco além.
Wilson Batista?
Ah, Wilson Batista é uma figuraça. Houve tanta canção
de protesto de caras ligadíssimos na preocupação de
produzir com sentido político, pessoal ligado ao Vianninha, mas a única letra realmente marxista que conheço é aquela em que Wilson Batista diz: "Você conhece o
pedreiro Valdemar?/ Não conhece? Vou lhe apresentar/ Faz tanta casa e não tem casa pra morar". Ele joga aí
exatamente o centro da contradição do mundo capitalista. O cara faz casa e não tem casa para morar, que negócio é esse?
O cara ia ler um texto sagrado, que ficava monótono, e passava a ler de forma cantada; nasce o cantochão, que é rap de padre
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Falava de "uma erva do norte", maconha, mas era
mais cronista que poeta, como é caso do gaúcho Lupicínio Rodrigues, que não temia o lugar-comum. O fato
de não temer é que o fazia original. Como poeta seria
rechaçado, mas há certas coisas dele que são típica poesia de cabaré.
A cultura tem uma gradação, o cara que não tem cultura literária consegue fazer coisas surpreendentes
com a experiência de vida. Todo freqüentador da noite,
de puteiro, de botequim, necessariamente acaba tendo
uma vivência muito rica. Conta casos e não aprendeu
isso em livro. De repente põe em música aquela experiência vital, com o vocabulário reduzido que tem, com
o contexto de sentimento poético que tem, que é necessariamente rudimentar. Mas é o que agrada; em qualquer zona e casa de puta de cidade pequena do interior
do Brasil se ouve Nelson Gonçalves. Para eles poesia é
aquilo, não adianta ir lá com João Cabral.
É obrigatório escolher entre agradar ao povo ou à elite, não
é possível conciliar? Vinicius de Moraes, por exemplo?
Não, não dá. É muito difícil. Enquanto poeta erudito,
Vinicius tem algumas coisas interessantes. Mas, enquanto o chamado poetinha de música popular, tem
coisas ridículas, "há mais peixinhos a nadar no mar do
que os beijinhos que eu darei na sua boca" (ri). Isso aí é
muito ruim. Ele dá para o gasto, porque tinha um artesanato muito bom, era um cara que sabia. Ele fez uma
série de poemas que não eram para ser musicados, mas
Paulinho Soledade musicou -"ó, minha amada que
olhos são os teus/ São cais noturnos, cheios de adeus".
Paulinho gostou e fez (cantarola), ficou lindo. Houve
uma coincidência, o outro é que teve o talento.
Quando Orestes Barbosa sai com o verso tão conhecido das "roupas comuns dependuradas" nem é de estranhar, porque ele até se lançou como poeta. Vinicius tinha até obrigação de fazer letra melhor do que outros,
porque tinha o saber fazer do poeta. O impressionante
é o inverso, é aquele cara que não tem por que fazer
uma coisa tão bonita de repente, porque não está alicerçado num conhecimento específico da arte de fazer
poesia. Brota espontaneamente, são esses momentos
de faísca. Isso tem demais na música popular. Claro, é
bagulho, bagulho, bagulho, bagulho. Mas de repente o
cara tem uma iluminação e faz coisas assim.
Como diz Alice Ruiz, numa música de Itamar Assumpção "a
cada mil lágrimas sai um milagre"?
Pois é. Conversei com Itamar uma vez, ele por exemplo
é um cara que fazia um tipo de coisa fora do padrão.
Jorge Ben tem um disco, "Os Alquimistas" [refere-se a
"A Tábua de Esmeralda", de 74], que tem coisas interessantíssimas. É aquele chacatum, aquela porcaria, o
ritmo dele é aquela coisa manjada. Mas ele estava com
leituras de coisas orientais, aquilo deu um fliperama na
cabeça dele. Inventava frases enormes de música para
poder dizer o que queria, porque não sabia dizer de outra forma, e resultou originalíssimo. A originalidade
dele é do cara que tem talento, quis fazer, mas não domina toda a técnica do fazer naquele nível.
O cara que tem um grande nível não faria exatamente
daquele jeito. Cruzam-se essas duas coisas conflitantes
e resulta originalíssimo.
Sobre Gilberto Gil?
Os baianos são impressionantes, são semi-analfabetos
inteligentíssimos. Apanham as coisas no ar com uma
grande facilidade, captam e conseguem coisas impressionantes. Já viu Gilberto Gil falando? Esses discursadores do povo, como têm pouca cultura, são pernósticos. Você ouve, aquilo é bonito. Mas, se pára para pensar depois, você diz: "Mas o que ele falou?". Não falou
nada de importante.
Mas de repente o cara produz um treco que é uma das
coisas mais originais de toda a música popular brasileira, que é "Domingo no Parque" (67). Na parte da melodia, a novidade é que parte do ritmo monocórdio de
um berimbau de capoeira. O cara parte de algo tão rudimentar quanto um ritmo de uma corda só e constrói
uma história fantástica, conta uma história resultando
num todo de letra e música completamente fora de padrão. Aquilo não é samba, não é canção propriamente
dita, não é uma canção sentimental. É uma história
contada-cantada, mas admirável pela originalidade. E,
ao mesmo tempo em que faz isso, é compositor jamaicano, essas baboseiras.
Não é exagero seu tratar Gil e Caetano, que são homens cultos, como "semi-analfabetos"?
Não. É cultura de almanaque. Acho que nenhum deles
leu nenhum livro do princípio ao fim. Leram gibi. Pela
obra de Caetano dá impressão que o cara leu muito,
mas não acredito. Não, é divinatório mesmo.
E o Chico Buarque autor de literatura?
Prefiro como compositor. A melodia, mesmo sendo
convencional, casa muito bem com o verso dele. "Estorvo" [Cia. das Letras] é muito ruim. Aqueles negócios
de cara fazendo surfe em ônibus, negra arregalando o
olho, tudo lembra recurso de cinema americano, em
que todo negro arregala o olho.
A oposição estanque de academia de um lado e canção popular do outro é irrevogável?
Até que hoje não são tão inimigos, não. Já se admite, José Miguel Wisnik é um cara da academia [professor de
literatura brasileira na USP] que faz sua música. O tipo
de música que ele faz não tem mais penetração, ainda
está fazendo uma coisa que acabou. A canção acabou.
Acabou? Por quê?
Acabou, é inconcebível. Charles Aznavour está velhinho, é o último representante de um tipo de coisa. Ele
senta num banquinho e toca e canta. Isso acabou. Hoje
é tudo coletivo, com recursos eletro-eletrônicos. Acabou essa canção que nasce contemporânea do individualismo burguês, feita para você cantar e outras pessoas ouvirem se sentindo representadas na letra.
Seria uma volta do coletivo em oposição ao individualismo?
A morte da canção seria positiva?
De certa forma é. O que substitui a canção solo? O rap,
que também é solo, mas não se vale mais de melodia.
Costumo dizer que o rap é a grande novidade, porque
restaura a música da palavra. O cantochão da igreja era
um rap. Como nasce a música da igreja? O cara ia ler
um texto sagrado, ficava monótono, ele passava a ler de
uma forma cantada. Nasce o cantochão, que é embolada de padre, é rap de padre. O rap não precisa de melodia, porque eles tiram a melodia da palavra. É uma fala
cantada. O interesse do rap é que ele volta exatamente
ao início, a palavra passa a ser mais importante que a
melodia.
Há poesia no rap?
Quando o cara é bom, há. A maior parte desses raps é
bronca de otário de periferia, reclamação. Mas, se o cara quiser, pode fazer. Se bem que aí a preocupação não
é tanto essa, até aí é original. Eles não querem fazer uma
frase bonita, mas contar uma história. O que é importante é que seja contada com muito ritmo [cantarola
um rap]. O ritmo e a possível musicalidade vêm do
próprio encadeamento das palavras numa narrativa.
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