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Baseado em entrevistas e estatísticas, "Brasil Fora de Si", do historiador José Carlos
Sebe Bom Meihy, apresenta um perfil dos brasileiros radicados em Nova York
Emigrantes na colônia penal
Wanderlan Silva - 5.set.1999/Associated Press
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Brasileiros comemoram o Sete de Setembro, em Nova York |
Gerald Thomas
especial para a Folha, de Nova York
Emigração na terra dos emigrantes
é um assunto complexo. Principalmente porque quem veio pra
cá assim o fez, muitas vezes, nesse
último século e meio, por causa de perseguições políticas em seus países nativos
ou por falta de comida ou por questões
de superpopulação e até em busca de um
sonho qualquer que lhe foi vendido ao
longo dos tempos. É mais ou menos aí
que encontramos esse autor e seus brasileiros "sofredores".
O autor de "Brasil Fora de Si" não deixa
muito claro o propósito do livro. Ou, se
deixou, fui eu que não o entendi. Mas,
em linhas gerais, o que se entende é que o
emigrante brasileiro é um grande "sofredor" e que pega pesado aqui.
Pena que o pesquisador (que teve um
ano pra fazer sua pesquisa, alojado na
Universidade Columbia) não tenha andado um pouco no Lower East Side e
aprendido um pouco sobre os lituanos
que aqui aportaram no início do século,
para saber o que era uma barra-pesada.
Ou, pra não ir muito longe no tempo,
bastasse dar um pulo ao sul de Canal
Street pra ver o que os chineses passam,
que até hoje chegam em contêineres de
navio "camuflados" (muitos deles morrem no meio da viagem, assim como
acontecia com os escravos durante a travessia), no porto de Elizabeth, Nova Jersey, ou como vivem todos os mexicanos
que escapam da Califórnia, onde são verdadeiramente caçados, e rumam para o
norte e acabam aqui em Nova York, fazendo toda sorte de serviços, esses sim,
"pesados"!
Velhos clichês
Bem, mas a proposta
evidentemente era sobre os brasileiros. O
autor escreve em tantos tons, pinta com
tantas cores, que não se pode dizer que o
livro é desinteressante de todo. Mas em
sua infeliz introdução, "Pressupostos de
uma Emigração", já recebemos uma pitada do que virá pela frente, ou seja, os
velhos clichês sobre o eterno amor e ódio
pelos EUA. E dá-lhe clichê sobre "the
American dream", que, como não poderia deixar de ser, descreve sua infância
como sendo pontuada por músicas de
Sinatra ou produtos americanos que "todos nós queríamos ter". Meu Deus, será
que ninguém consegue mais escrever
uma linha original nos dias de hoje?
Talvez não. Mas não importa. Em
questão está um livro (talvez o único de
sua espécie, será?) com estatísticas, já que
José Carlos Sebe Bom Meihy entrevistou
centenas de sofredores, lavadores de pratos, "strippers", prostitutas, garçons em
Manhattan, em Newark e outras redondezas, guiado por quem verdadeiramente "entende" da coisa. Será?
Citando Luiz Gonzaga Jr, Cazuza e outros compositores, para colocar um tom
"lírico" no livro, o autor conduz sua estatística sempre para o lado da solidão.
Mas há que perguntar sempre se esses
brasileiros que estão aqui estão aqui nesse "sofrimento" todo por questões masoquistas.
E a pergunta que me vem à cabeça: por
que, diabos, não voltam para o Brasil?
Ou será a falta de um enorme elemento
cultural que não os deixa se integrarem
ao resto da comunidade? É isso! Os brasileiros emigrantes não foram capazes de
criar uma infra-estrutura (por questões
de imaturidade cultural) como os poloneses, como os russos e tantos outros
que nada sofrem, morando aqui.
A condescendência do autor é muito
irritante. No entanto, para os que se interessam pelos números, a estatística e os
gráficos estão lá, todinhos no final. Deve
dar uma boa tese para quem se interessa,
talvez até uma boa palestra. Como livro,
fiz um esforço cão pra tentar virar as páginas e só o fiz por obrigação, por causa
dessa resenha -e nem isso estou conseguindo fazer direito. Não acho que ele tenha conseguido espelhar direito o espírito brasileiro daqueles que moram aqui.
Afinal, a escolha de quem entrevista é arbitrária. A pergunta é feita de forma subjetiva e, conseqüentemente, a resposta
que se recebe também o é.
Mas como minha amiga e excelente
autora Tereza Albues ("O Berro do Cordeiro em Nova York") era citada no índice, fui avidamente procurando a página
dela (não achei), passando por todas as
citações de mais e mais compositores,
como Edu Lobo, Chico Buarque e tantos
outros, e cheguei ao final exausto.
Enfim, aqui está. Não é uma resenha
ou crítica. Acho que alguém mais competente do que eu deveria fazê-la. Alguém especializado em "melancolia e estatística", se é que tal mescla existe na
USP ou em qualquer outra universidade.
Tal pessoa seria a mais indicada para fazer a crítica apropriada, já que "Brasil
Fora de Si" está tão fora de mim que eu
não o li, propriamente. Quer dizer, li sim,
mas as palavras melancólicas não estavam embasadas em nenhum contexto
histórico. E não colocar Nova York em
contexto histórico, quando se fala em
emigração, é como falar em feijoada sem
mencionar a couve, a farofa e a laranja fatiada que cercam o feijão preto.
Gerald Thomas é dramaturgo e diretor de teatro.
Brasil Fora de Si
384 págs., R$ 39,00
de José Carlos Sebe Bom Meihy. Ed. Parábola (r.
Clemente Pereira, 327, CEP 04216-060, São Paulo,
SP, tel. 0/xx/11/6914-4932.)
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