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Clóvis Rossi
Disparando sobre o mensageiro
Gilberto Carvalho erra o alvo ao culpar a mídia pelos problemas que o PT criou ou que o governo enfrenta
Gilberto Carvalho, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, deveria seguir seu próprio conceito e refazer sua avaliação sobre as causas da insatisfação que ele detecta com o governo.
Na instigante entrevista a Natuza Nery, publicada nesta segunda-feira, 23, Gilberto diz: "Quando você não tem um bom diagnóstico, não tem um bom remédio".
Perfeito, Gilberto. Pena que você prefira disparar sobre o mensageiro (a mídia) como causa dos problemas do PT e do governo, em vez de procurá-la no próprio partido e nos fatos que ele gera.
Comecemos com a corrupção, que, sempre segundo Gilberto Carvalho, "pegou" no partido. Culpa da mídia? Tolice.
Basta recapitular o episódio do mensalão. Trata-se de um crime confessado --e confessado pelo líder supremo do partido, um certo Luiz Inácio Lula da Silva.
Ajuda-memória a respeito:
1 - O que fez o PT, segundo Lula? Fez o que todo o mundo faz, declarou o então presidente naquela famosa entrevista a uma jornalista-fantasma em Paris. E o que todo o mundo faz? Caixa 2.
2 - O que é caixa 2? "Coisa de bandido", definição não da mídia, mas do ministro da Justiça de Lula, o respeitado Márcio Thomaz Bastos.
3 - Qual é o lugar de bandido? A cadeia. Logo, o que o Supremo fez --e a mídia registrou, como é devido-- foi seguir até o fim a lógica da cúpula do próprio governo.
Gilberto não nega "atos de corrupção" e até diz: "Doem primeiro a nós mesmos".
Deveria doer mais para que o PT iniciasse um processo de correção de desvios, em vez de ficar gritando, como o faz também o entrevistado, que não se dá o mesmo tratamento ao mensalão do PSDB nem se investigou a compra de votos para a aprovação da emenda da reeleição, no governo FHC.
Esquece que: 1) Quem denunciou o esquema de compra de votos, se não a mídia, no caso a Folha? Se não houve investigação, a culpa é das instâncias políticas, não da mídia; 2) todas as notícias sobre o mensalão do PSDB foram devidamente publicadas por esta Folha.
Por fim, o suposto bombardeio sobre o governo Dilma, que teria origem num pensamento conservador, ampliado com ajuda da mídia.
O "pensamento conservador" está muitíssimo bem representado no lulo-petismo (ou Henrique Meirelles, que tocou a política econômica nos oito anos de Lula, é um revolucionário? Ou os pastores das igrejas pentecostais que apoiam o governo são progressistas?).
Que a mídia é conservadora não se discute. Mas acreditar que a maioria das pessoas --maioria, aliás, que nem lê jornais-- forma sua opinião sobre o governo com base no que dizem os jornalistas é uma tremenda bobagem. Formam-na a partir do que sentem no seu cotidiano --tanto que, por se sentirem bem, deram a Lula índice inédito de aprovação, com ajuda da mídia que jamais escondeu os dados sobre redução da pobreza, por exemplo, ou sobre o prestígio do líder do PT.
Entendo Gilberto, de todo modo: é mais fácil --e grátis-- disparar sobre os mensageiros que corrigir problemas do partido ou do governo.