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CRISE EM CUBA
Situação na América Latina é "insustentável e insuportável", diz Fidel; para ele, mudanças de governo podem vir sem violência
"Cuba não teria o que tem sem o socialismo"
DO "CLARÍN"
Leia a seguir a última parte da
entrevista do ditador Fidel Castro.
Pergunta - Diferentemente da
década passada, surgem em toda a
América Latina governos e propostas políticas que falam claramente
de um cansaço da região com a injustiça própria do chamado modelo neoliberal. Isso é algo que aumenta a probabilidade de confronto com quem advoga esse modelo,
especialmente Washington? Pensando nisso, como o sr. vê o futuro
da segurança das democracias latino-americanas?
Fidel Castro- Há perigo. Mas não
apenas na América Latina -é
mundial. O perigo decorre do risco de agressão ou tentativa de domínio da região. É um risco de ela
ser submetida, de que se apoderem de seus recursos, o risco de
imposição de um sistema realmente em crise. Tudo o que vem
acontecendo não passa de várias
expressões da crise da globalização neoliberal. Cuba ocupa o primeiro lugar -tem a honra de
ocupar o primeiro lugar nesse risco.
Pergunta - Os governos de nossas
repúblicas, incluindo o de Lula, no
Brasil, falam da derrota do socialismo como alternativa.
Fidel - Acho que os problemas
concretos que estão aí precisam
de uma solução concreta. Digo a
você que nosso país, Cuba, não teria o que tem hoje, especialmente
o que vai tendo em ritmo impressionante, se não fosse pelo socialismo. O aprendizado e a experiência também enriquecem. Em
dado momento, a derrocada do
campo socialista enriqueceu.
Apesar de ter sido uma tragédia e
uma infelicidade, porque nos deu
de presente, a todos nós, a superpotência hegemônica.
Pergunta - Há 30 anos, o cansaço
da injustiça do qual falávamos estava presente na América do Sul, e
tivemos governos que a expressaram, mas foram experiências que
tiveram final trágico, como Salvador Allende, no Chile, ou Héctor
Cámpora e Juan Perón, na Argentina. Por que as coisas podem se dar
de forma diferente hoje?
Fidel - Foram coisas terríveis que
aconteceram. Parecem mentira.
Mas o momento atual é diferente.
Eu diria que este é o melhor momento da América Latina, diferentemente daquele. Aquela rebelião era mais isolada. Hoje há um
protesto generalizado, que abrange todos os países da América Latina. Então existe aqui uma situação que qualifico da seguinte maneira: é insustentável e insuportável. Ela criou essas condições objetivas que explicam uma série de
acontecimentos em toda parte.
Pergunta - O sr. acredita que essas condições sejam sustentáveis
no tempo, ou será que a América
Latina corre riscos (e há exemplos,
como o da Colômbia) de ter democracias menos democráticas, ou democracias tuteladas, ou retornos
autoritários?
Fidel - É uma pergunta complexa. Mas acho que a violência não
parece ser o caminho. Tudo mudou muito, há fenômenos novos
que foram se produzindo. Na Colômbia há um problema que já é
antigo, o da violência.
Nenhum militar hoje pensa em
dar um golpe de Estado. Pode ser
que haja militares que sonham
com isso. Mas ocorreu uma mudança também nas consciências.
Os militares sabem que a situação
social é gravíssima. O que eu não
disse a você é que naquela época,
30 anos atrás, a população chegava a bem menos da metade da
atual. Havia muito menos de 250
milhões de habitantes. Hoje há
534 milhões; a população cresceu
enormemente. O emprego que
cresce não é o emprego formal,
mas o informal, no qual todos vão
buscando garantir sua sobrevivência. A mesma indústria moderna hoje já não gera muitos empregos. O senhor olha para um lugar onde antes havia 300 empregados, e hoje são 50, para produzir, por exemplo, o mosquiteiro
que usamos para tampar o tabaco. É o dobro da produção com
um sexto dos trabalhadores.
Pergunta - O que exatamente o
sr. quer dizer quando, agora, afirma que "a violência não parece ser
o caminho"?
Fidel - Digo que não vejo a violência como o grande fantasma
-vejo as massas. E as massas estão começando a fazer coisas que
antes não faziam. Posso citar um
exemplo. É de algum tempo atrás,
mas o Irã era o policial dos EUA
na região. Era o país mais poderoso da região, aquele que possuía
as armas mais modernas. Não
obstante os xiitas provocaram um
levante na sociedade e, sem armas, derrubaram o xá.
Bem, é um exemplo de algum
tempo atrás. Mas, quando houve
o caso do Sudeste Asiático, havia
outro senhor poderoso na Indonésia, munido de um grande
Exército. Ele se chamava Suharto.
Foi muito tolerado porque tinha
matado centenas de milhares de
pessoas de esquerda. E assim,
num piscar de olhos, as massas o
derrubaram.
Não quero ir muito longe, mas
também não quero ficar muito
por perto. Talvez, se vocês pensarem um pouco, verão que ocorreram mudanças neste país [Argentina] sem que tenha sido disparado um único tiro. Eu o vejo como
um exemplo, se é que não me
proíbem de pensar, e se alguém se
irritar e me disser que estou me
intrometendo em assuntos internos, responderei que estou fazendo uma análise desde o ponto de
vista histórico. Aqui e em outros
lugares. Porque também no
Equador -não é preciso ir mais
longe do que isso- um dia os indígenas entraram no palácio e determinaram a mudança de governo, e os indígenas não tinham
uma arma sequer. Aquele que
pensasse em organizar uma ação
de força para resolver os problemas, hoje, estaria realizando uma
atividade pré-histórica.
Pergunta - O sr. fala da direita e
da esquerda igualmente?
Fidel - Estou pensando agora naqueles que quiseram mudanças
porque se encontram nesta situação insustentável. Mas muitas vezes essas pessoas das classes médias exercem um papel muito importante. Quando acontecem determinadas coisas, as classes médias são perigosas, em certo sentido; elas têm conhecimento. Muitas vezes já vi que são os mais pobres que pagam o sofrimento.
Mas, quando confiscam os recursos de um homem da classe média, o problema é muito sério.
Não preciso falar disso a vocês.
Vocês conhecem esse problema.
Pergunta - Sim, é um exemplo
que podemos reconhecer...
Fidel - Esses são fenômenos novos e, além disso, são mundiais.
Não são apenas locais. Porque
também há coisas novas, há conhecimentos novos. Existe muita
falta de cultura, mas também saiu
muita gente das universidades. É
o que mais tem saído. Então elas
têm conhecimentos. É terrível
não possuir conhecimento. O saber é chave. Nós o vemos em nossa própria revolução. A nossa situação hoje é outra, porque antes
éramos um país com 30% de analfabetos. Se você incluir os analfabetos funcionais, o índice chegava
aos 90%. Hoje as massas têm tido
um meio para se informar.
Tradução de Clara Allain
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