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CRISE EM CUBA
Um dos maiores líderes dissidentes afirma que a repressão foi um duro golpe e mostra a disposição de Fidel para o confronto
Riscos não vão deter a oposição, diz Payá
JEAN-MICHEL CAROIT
DO "LE MONDE", EM HAVANA
Cai a noite sobre El Cerro, um
bairro decadente de Havana situado atrás da imensa praça da
Revolução. Ofélia abre a porta da
casinha. "Não, Oswaldo ainda
não voltou", diz a mulher dele,
preocupada. A tia de Oswaldo Payá, que mora a um quarteirão de
distância, diante do parque Manilha, tampouco tem notícias sobre
o mais conhecido dos dissidentes
cubanos. A casa dela, um pouco
mais espaçosa, abriga as entrevistas coletivas de Payá. O telefone
não pára de tocar.
Acompanhado de seus dois irmãos mais novos e de amigos jovens do bairro, Oswaldo Payá enfim chega. "Nós somos reféns, vivemos em uma situação muito
perigosa. A recente onda de repressão é um atentado contra a
possibilidade de mudança pacífica, é uma busca de confronto",
explica o principal promotor do
Projeto Varela, a campanha em
favor de mudanças democráticas
por via constitucional. "Nós estamos nas mãos de Deus. Se me
prenderem, outros me substituirão", prossegue o fundador do
Movimento Cristão de Libertação, que diz encontrar em sua fé a
força de que precisa para prosseguir no combate. Na pequena e
mal iluminada sala, uma grande
imagem do Sagrado Coração de
Jesus fica ao lado de uma estátua
branca representativa dos direitos
humanos, cingida por um fio de
arame farpado.
Oswaldo Payá não esconde que
a prisão de mais de 80 oposicionistas, condenados a pesadas penas de prisão, constitui um golpe
severo para os dissidentes. "Trata-se de uma operação destinada
a destruir o Projeto Varela, particularmente nas Províncias. Das
76 pessoas condenadas, 42 são
coordenadoras do Projeto Varela.
Mas a mudança em Cuba não virá
da ação de um grupo organizado;
virá da mobilização dos cidadãos.
Eles podem deter os oposicionistas, mas a causa profunda da crise
é o antagonismo entre o povo e o
regime. O Projeto Varela continuará, como campanha de cidadania, apesar dos riscos, da perseguição e das limitações que sofre a
oposição", afirma Payá.
Em diversas ocasiões, nas últimas semanas, Fidel Castro mencionou a ameaça de intervenção
dos EUA para justificar a repressão contra a oposição. "Não queremos uma intervenção estrangeira; isso seria um grande revés
para o povo. Essa não é uma alternativa ou solução aceitável. Se alguém trabalha nesse sentido, é o
regime, porque, para nós, não
existe qualquer razão ou pretexto
que justifique uma intervenção
estrangeira", diz Payá. "O que
precisamos é de solidariedade internacional para que Cuba possa
mudar pacificamente."
O tom de sua fala, determinado,
se anima em resposta às acusações do chanceler Felipe Perez
Roque. O ministro diz que o Projeto Varela foi concebido, é dirigido e é financiado do exterior, por
exilados conhecidos, como Carlos
Alberto Montaner. "Isso é absolutamente falso; o Projeto Varela é
uma iniciativa completamente
autóctone", afirma Payá. "Redigi
pessoalmente sua proposta, em
1996. Estava em gestação desde
1990, quando propusemos o primeiro diálogo nacional. Depois
do revés sofrido com o Conselho
Cubano -uma tentativa de reagrupar os dissidentes na metade
dos anos 90-, propusemos o
projeto, cuja base é a participação
dos cidadãos, cujo objetivo é a recuperação dos nossos direitos e
cuja espinha dorsal é a reconciliação, a soberania popular e a reafirmação da identidade nacional".
Payá afirma: "O governo e o Partido Comunista cubanos negaram
os valores fundamentais de nossa
identidade nacional. Sovietizaram e descristianizaram o país".
"O Projeto Varela tem por objetivo recuperar nossa "cubanidade", para que cada cidadão possa
exercer seus direitos e participar
da reconstrução da nação, conservando o que houver de positivo e abandonando o negativo",
insiste o engenheiro, de 50 anos.
Desde 1997, Oswaldo Payá é
candidato à Assembléia Nacional.
A despeito das 500 assinaturas
que conseguiu recolher até agora,
sua candidatura foi rejeitada. Por
ocasião da visita do papa João
Paulo 2º, em janeiro de 1998, o
Projeto Varela começou a ser divulgado no exterior.
Em 2002, durante sua estadia
em Cuba, o ex-presidente norte-americano Jimmy Carter fez referência ao Projeto Varela em um
discurso na televisão cubana,
pouco depois que os promotores
da iniciativa entregaram ao governo uma petição com 11.020 assinaturas solicitando mudanças
democráticas por meio de um referendo.
Foi então que uma iniciativa dos
dissidentes foi mencionada pela
primeira vez na mídia controlada
pelo Estado. O prêmio Sakharov
de direitos humanos, concedido a
Payá em dezembro de 2002 pelo
Parlamento Europeu, e sua viagem de 48 dias à Europa e à América do Norte confirmaram sua
posição de principal figura da
oposição, ao menos no cenário
internacional.
Payá foi recebido pelo papa, pelos presidentes Vicente Fox, do
México, Vaclav Havel, da República Tcheca, e Hipolito Mejia, da
República Dominicana, pelo primeiro-ministro espanhol, José
María Aznar, e pelo secretário de
Estado americano, Colin Powell.
O ponto alto, e o mais delicado,
de sua viagem foi a visita a Miami,
em janeiro passado. "É lá que vive
1 milhão de nossos irmãos, é lá
que tantas pessoas gostam de
mim e tantas outras me detestam", afirma Payá. Recebido pela
Igreja Católica, ele se encontrou
com partidários, majoritários na
Flórida, e com seus críticos, membros de organizações anticastristas radicais que o acusam de ser
"agente de Fidel".
"A maioria dos exilados apóia o
Projeto Varela e deseja uma solução pacífica", constata ele. "Estranhamente, as manobras dos extremistas de Miami para nos dividir se assemelham aos ataques do
regime. Mas eles não são mais fortes que a Stasi ou a KGB, que não
foram capazes de impedir o colapso dos regimes do Leste Europeu. Nossa força é nossa transparência, contra a qual o sistema de
espionagem e penetração deles
não tem efeito. Renovo meu desafio: publiquem o Projeto Varela;
por que eles têm tanto medo de
que as pessoas venham a tomar
conhecimento daquela folha de
papel?"
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