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ARGENTINA
Em vez de música e Maradona, governo busca associar imagem argentina a carne, mate e vinhos, além de fomentar cultura
Plano de Kirchner quer provar que seu país não é só tango
CLÁUDIA DIANNI
DE BUENOS AIRES
O governo argentino não quer
mais que os principais símbolos
do país no exterior sejam apenas
o tango e Maradona nem que a
Argentina seja conhecida como
um país desonesto.
O presidente Néstor Kirchner
lançou, na semana passada, o
projeto "Marca Argentina". Sob o
lema "Argentina, um país sério",
a intenção é promover internacionalmente uma gama de produtos
culturais e alimentícios que representem o país no exterior.
"Não queremos que nos conheçam somente pelo tango e pelo
Maradona", disse o secretário de
Comunicação de Kirchner, Enrique Albistur, que comanda o projeto.
Os vinhos, o mate e a carne são
os principais produtos alimentícios que o governo Kirchner quer
associar ao país. Do ponto de vista
cultural, a idéia é reforçar a tradição literária representada por escritores de peso como Jorge Luís
Borges e Júlio Cortázar, além de
divulgar o novo cinema argentino
e a Patagônia.
Em relação a habilidades e conhecimentos, a intenção é associar a Argentina à criatividade em
desenho de moda, à densa imigração européia e à ampla mão-de-obra qualificada que possui.
Segundo Albistur, o objetivo do
programa, apresentado na semana passada em uma cerimônia na
Casa Rosada, é melhorar a imagem do país para aumentar as exportações, atrair investimentos e,
ao mesmo tempo, resgatar a auto-estima dos argentinos, afetada pela crise que empobreceu o país,
que já foi um dos mais ricos entre
os países em desenvolvimento.
Em setembro do ano passado,
uma pesquisa do Centro de Estudos de Opinião Pública (Ceop) revelou o abalo na auto-estima dos
argentinos. De acordo com o levantamento, 75% dos argentinos
se consideram individualistas, e
58%, arrogantes, invejosos e espertalhões. A autodescrição como
individualistas não surgiu depois
da crise. "Somos indivíduos, e
não cidadãos", já havia dito Borges (1899-1886).
Segundo Albistur, a Argentina
já foi vendida economicamente,
agora é preciso vender, no sentido
de promover, seus valores. "A
"Marca Argentina" vai resgatar as
tradições do país, depois da descaracterização cultural promovida pela liberalização dos anos 90 e
pela distorção da personalidade
do argentino provocada pela crise, sobretudo na mídia", afirmou.
Um levantamento feito pela Secretaria de Comunicação nos
principais meios de comunicação
de um grupo de países que inclui
Estados Unidos, França, Itália,
Reino Unido, Brasil e México revelou que, depois de 2001, as notícias internacionais destacaram
principalmente casos de corrupção, a deterioração institucional, a
insegurança e a pobreza do país.
Dualidade
O documento elaborado pela
Presidência argentina e que descreve a estratégia do projeto reconhece a natureza dual e passional
do povo argentino e procura valorizar essas características.
"Um país diferente, que surpreende com sua população contraditória, mas sempre com seu
toque diferencial, passional, mescla de extremos. Eufórico e melancólico, triunfalista e pessimista", diz o texto.
Apesar de querer se livrar da pecha do país do tango e do futebol,
a tradicional dança argentina será
um dos pontos fortes da estratégia desenvolvida pelas secretarias
de Comunicação e de Turismo.
Entre os planos do governo está
a criação de centros de exibição
itinerantes para expor os produtos, as regiões e os grupos de dança da Argentina. Também está
prevista a instalação de escolas de
tango pelo mundo.
A estratégia inclui ainda a criação da Fundação Marca Argentina, que, além de cuidar da divulgação da imagem do país, vai organizar o setor privado. O projeto
também prevê que a "Marca Argentina" seja adotada como disciplina de estudo nas escolas.
Albistur não quis revelar os custos do projeto. Ele afirma que o
governo vai entrar com a elaboração da estratégia e os gastos ficarão por conta do setor privado,
com articulação do governo.
"Um país que possui cinco prêmios Nobel não pode ser conhecido por tango, futebol e sanduíche
de chorizo", disse a socióloga
Graciela Römer, especialista em
análise da opinião pública. Segundo ela, até 2000, a imagem da Argentina na América Latina era
ambígua. Por um lado, o país era
reconhecido pelo grande potencial cultural e econômico. Por outro lado, pela prepotência.
Nos países desenvolvidos, diz
Römer, a Argentina é conhecida
como um país com um enorme
potencial de recursos humanos,
mas que não tem capacidade de
colocar em prática projetos que
permitam explorá-los e convive
com constantes derrotas.
"Ainda que tarde, é importante
que o governo encare uma estratégia de reposicionamento da Argentina no exterior. No entanto
mais importantes para gerar confiança no exterior são ações e programas de governo com políticas
sustentáveis e respeito aos contratos", afirma.
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