São Paulo, domingo, 01 de agosto de 2004

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ARGENTINA

Em vez de música e Maradona, governo busca associar imagem argentina a carne, mate e vinhos, além de fomentar cultura

Plano de Kirchner quer provar que seu país não é só tango

CLÁUDIA DIANNI
DE BUENOS AIRES

O governo argentino não quer mais que os principais símbolos do país no exterior sejam apenas o tango e Maradona nem que a Argentina seja conhecida como um país desonesto.
O presidente Néstor Kirchner lançou, na semana passada, o projeto "Marca Argentina". Sob o lema "Argentina, um país sério", a intenção é promover internacionalmente uma gama de produtos culturais e alimentícios que representem o país no exterior.
"Não queremos que nos conheçam somente pelo tango e pelo Maradona", disse o secretário de Comunicação de Kirchner, Enrique Albistur, que comanda o projeto.
Os vinhos, o mate e a carne são os principais produtos alimentícios que o governo Kirchner quer associar ao país. Do ponto de vista cultural, a idéia é reforçar a tradição literária representada por escritores de peso como Jorge Luís Borges e Júlio Cortázar, além de divulgar o novo cinema argentino e a Patagônia.
Em relação a habilidades e conhecimentos, a intenção é associar a Argentina à criatividade em desenho de moda, à densa imigração européia e à ampla mão-de-obra qualificada que possui.
Segundo Albistur, o objetivo do programa, apresentado na semana passada em uma cerimônia na Casa Rosada, é melhorar a imagem do país para aumentar as exportações, atrair investimentos e, ao mesmo tempo, resgatar a auto-estima dos argentinos, afetada pela crise que empobreceu o país, que já foi um dos mais ricos entre os países em desenvolvimento.
Em setembro do ano passado, uma pesquisa do Centro de Estudos de Opinião Pública (Ceop) revelou o abalo na auto-estima dos argentinos. De acordo com o levantamento, 75% dos argentinos se consideram individualistas, e 58%, arrogantes, invejosos e espertalhões. A autodescrição como individualistas não surgiu depois da crise. "Somos indivíduos, e não cidadãos", já havia dito Borges (1899-1886).
Segundo Albistur, a Argentina já foi vendida economicamente, agora é preciso vender, no sentido de promover, seus valores. "A "Marca Argentina" vai resgatar as tradições do país, depois da descaracterização cultural promovida pela liberalização dos anos 90 e pela distorção da personalidade do argentino provocada pela crise, sobretudo na mídia", afirmou.
Um levantamento feito pela Secretaria de Comunicação nos principais meios de comunicação de um grupo de países que inclui Estados Unidos, França, Itália, Reino Unido, Brasil e México revelou que, depois de 2001, as notícias internacionais destacaram principalmente casos de corrupção, a deterioração institucional, a insegurança e a pobreza do país.

Dualidade
O documento elaborado pela Presidência argentina e que descreve a estratégia do projeto reconhece a natureza dual e passional do povo argentino e procura valorizar essas características.
"Um país diferente, que surpreende com sua população contraditória, mas sempre com seu toque diferencial, passional, mescla de extremos. Eufórico e melancólico, triunfalista e pessimista", diz o texto.
Apesar de querer se livrar da pecha do país do tango e do futebol, a tradicional dança argentina será um dos pontos fortes da estratégia desenvolvida pelas secretarias de Comunicação e de Turismo.
Entre os planos do governo está a criação de centros de exibição itinerantes para expor os produtos, as regiões e os grupos de dança da Argentina. Também está prevista a instalação de escolas de tango pelo mundo.
A estratégia inclui ainda a criação da Fundação Marca Argentina, que, além de cuidar da divulgação da imagem do país, vai organizar o setor privado. O projeto também prevê que a "Marca Argentina" seja adotada como disciplina de estudo nas escolas.
Albistur não quis revelar os custos do projeto. Ele afirma que o governo vai entrar com a elaboração da estratégia e os gastos ficarão por conta do setor privado, com articulação do governo.
"Um país que possui cinco prêmios Nobel não pode ser conhecido por tango, futebol e sanduíche de chorizo", disse a socióloga Graciela Römer, especialista em análise da opinião pública. Segundo ela, até 2000, a imagem da Argentina na América Latina era ambígua. Por um lado, o país era reconhecido pelo grande potencial cultural e econômico. Por outro lado, pela prepotência.
Nos países desenvolvidos, diz Römer, a Argentina é conhecida como um país com um enorme potencial de recursos humanos, mas que não tem capacidade de colocar em prática projetos que permitam explorá-los e convive com constantes derrotas.
"Ainda que tarde, é importante que o governo encare uma estratégia de reposicionamento da Argentina no exterior. No entanto mais importantes para gerar confiança no exterior são ações e programas de governo com políticas sustentáveis e respeito aos contratos", afirma.


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