São Paulo, domingo, 01 de dezembro de 2002

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Fosso entre os mais ricos e os mais pobres atinge níveis históricos nos EUA: para uns, a culpa é da remuneração exagerada dos altos executivos; para outros, o problema são os imigrantes

Pobreza americana

Susan Ragan - 31.jan.2001/Reuters
Marlene, 59, que se tornou sem-teto após uma cirurgia, pede esmola numa rua da cidade de San Francisco, na Costa Oeste dos EUA


SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

Nos EUA pós-exuberância irracional, pobres estão mais pobres, ricos estão mais ricos, e a distância entre eles está maior. A conclusão, de dois estudos divulgados nos últimos meses, da comissão de Orçamento do Congresso e do Fisco, vem dominando o debate sobre responsabilidade social no país de maioria republicana que saiu das urnas em novembro.
Segundo o primeiro levantamento, elaborado pelo departamento que analisa o Orçamento no Legislativo do país, o salário médio anual líquido dos 20% mais pobres baixou de US$ 10,9 mil para US$ 10,8 mil entre 1979 e 1997, enquanto a remuneração da fatia 1% mais rica foi de US$ 263,7 mil para US$ 677,9 mil, ou um aumento de 157%.
Enquanto isso, segundo conclusão do Serviço do Imposto de Renda, nos cinco anos concluídos em 1999 (que são os dados mais recentes disponíveis), os norte-americanos com mais de US$ 1 milhão de renda anual pagaram em média 27,9% de imposto, contra 31,4% em 1995.
De acordo com o mesmo levantamento, os dez executivos mais bem pagos do país receberam US$ 3,5 milhões por ano cada um em 1981, total que explodiu para US$ 154 milhões no ano retrasado (um aumento de 4.200%).
"A desigualdade na distribuição de renda entre os lares aumentou substancialmente nos EUA", foi a conclusão oficial da comissão de Orçamento do Congresso. É a mesma de Robert Greenstein, diretor do Center on Budget and Policy Priorities: "A diferença entre os pobres e os ricos e entre estes e a classe média é a maior já registrada na história do país".
Os estudos mereceram um polêmico artigo do economista liberal Paul Krugman, professor na Universidade de Princeton e colunista do diário "The New York Times", que assinou reportagem de capa na revista dominical do jornal em que culpava os republicanos, suscitando a fúria destes, que reagiram principalmente pela tribuna não-oficial do partido, os programas de entrevista da emissora Fox News.
No texto, Krugman atribui os recentes índices de concentração de renda à cultura de remuneração exagerada dos executivos de grandes corporações que tomou os EUA. Isso, diz ele, acabou com a classe média do país e resultou na onda de escândalos contábeis que chacoalha Wall Street desde dezembro do ano passado.
Reforça a tese dizendo que George W. Bush encabeça a primeira administração pró-executivos da história do país. Mas os executivos e seus incríveis benefícios não são os únicos bodes expiatórios. Há quem atribua o aumento da pobreza ao boom de imigrantes desqualificados.
Deborah Reed, do Instituto de Políticas Públicas da Califórnia, defende essa tese. Em estudo divulgado no começo do mês, analisando o aumento da distância entre pobres e ricos, ela apurou que o índice de pobreza entre não-americanos pulou de 14,7% para 21,3% na última década.
No mesmo período, enquanto triplicava o número de imigrantes ativos no país, despencava o salário mínimo pago a eles, 26% menos em dez anos. Ou seja, há mais estrangeiros desqualificados ganhando menos nos EUA hoje. Por isso, há mais pobres do que antes, embora não sejam necessariamente pobres norte-americanos.
O problema não está só na renda. Há também mais trabalhadores recebendo seguro-desemprego e menos pessoas com direito a seguro-saúde. Estas somam 41 milhões, das quais 1,4 milhão perdeu o direito no último ano, segundo o Escritório do Censo.
Ao menos 16% das famílias não têm seguro-saúde, concluiu igualmente estudo da ONG Centro para Estudo de Mudança no Sistema de Saúde. "Isso mostra que confiar apenas no crescimento econômico para resolver os problemas sociais não é suficiente", disse Paul Ginsburg, diretor da ONG.
O outro problema é politicamente mais delicado. Três dias depois do Natal, 1 milhão de trabalhadores perderão o direito ao cheque quinzenal pago pelo governo para recém-desempregados. O auxílio vale por 26 semanas e foi prorrogado em março último por mais 13 semanas, em conturbada sessão no Congresso vencida pelos democratas.
Acontece que, na semana passada, os republicanos se recusaram a aprovar nova emenda, que prorrogava o benefício pela segunda vez. "Os republicanos estão virando as costas para os trabalhadores enquanto aprovam isenções para a indústria farmacêutica e de seguro", disse John Sweeney, do AFL-CIO, a principal central sindical americana.


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