São Paulo, domingo, 01 de dezembro de 2002

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Islã moderado deve desarmar a "bomba santa" dos extremistas

THOMAS L. FRIEDMAN
DO "THE NEW YORK TIMES"

A seguir, uma carta fictícia do presidente dos EUA, George W. Bush, para "líderes do mundo muçulmano".
Excelentíssimos senhores.
Enquanto vocês estão no final do Ramadã e nós chegamos à época do Dia de Ação de Graças, achei que seria um bom momento para compartilhar algumas preocupações com vocês.
Permitam que eu seja direto e franco. Cada vez mais, receio que estejamos nos dirigindo para uma guerra entre civilizações.
Como assim? Bem, vou citar apenas alguns poucos fatos que foram notícia nos últimos dias: Imam Samudra, o islâmico indonésio acusado de ter sido o mentor do atentado do mês passado em Bali, no qual morreram quase 200 turistas, teria dito, em sua confissão, que a bomba que destruiu a discoteca era uma "bomba sagrada" e que o alvo foi escolhido por ser um lugar repleto de estrangeiros -isto é, não muçulmanos.
Não há nada de sagrado numa bomba que mata 200 pessoas pelo simples fato de serem estrangeiras.
Depois, li sobre Bonnie Penner, uma jovem missionária americana que era enfermeira numa clínica pré-natal em Sidon, no Líbano, que dava atendimento a mulheres palestinas e libanesas carentes. Ela levou três tiros no rosto.
Um oficial de segurança palestino disse à agência de notícias Associated Press que "a morte foi resultado de uma reação muçulmana hostil em Sidon aos sermões ... que a clínica estava dando a jovens muçulmanas".
Vocês não sabem quanto os grupos muçulmanos na América pregam sua religião, tentando converter pessoas? Muito. Isso não é problema para nós. É assim que somos. E vocês, como são?
Não faço idéia se a clínica em que essa mulher trabalhava procurava converter muçulmanos ao cristianismo ou não, mas sei que ela era enfermeira, que cuidava de muçulmanas e que foi morta por ser quem era.
Houve o caso de Azmi Abu Hilayel, cujo filho Na'el amarrou dinamite ao corpo e explodiu um ônibus israelense que levava crianças à escola.
Azmi teria dito: "Agradeci a Deus quando ouvi que meu filho tinha morrido numa operação em nome de Deus e da pátria". Não consigo acreditar que o Deus do islã, um Deus de misericórdia e compaixão, abençoe a matança das crianças de ninguém.
Sei que soldados israelenses já mataram dezenas de crianças palestinas durante a Intifada. É vergonhoso. Mas não ouço generais, pais ou rabinos israelenses agradecendo a Deus por seus filhos terem conseguido matar crianças muçulmanas.
Que soldados atirem em crianças é errado. Os atentados suicidas são errados. Não existe Deus que abençoe nenhuma dessas coisas.
Além de tudo isso, acabamos de ver o imã de uma mesquita parisiense preso, acusado de ter ajudado o homem que estava num avião com uma bomba no sapato. E tivemos dois fuzileiros navais americanos baleados no Kuait, país que ajudamos a resgatar de Saddam Hussein, além de ver um de nossos mais importantes funcionários de assistência na Jordânia morto em frente a sua própria casa por um "crime" semelhante: ser americano num mundo muçulmano.
Agora vocês entendem por que ordenei que os jovens da maioria dos países árabes que estudam nos EUA fossem fotografados e tivessem suas impressões digitais registradas pelo Serviço de Imigração e Naturalização. Não tive escolha.
Vocês dizem que tudo isso está acontecendo porque apoiamos Israel. Sei que precisamos fazer mais para alcançarmos a paz, mas não acho que aquela enfermeira tenha recebido os tiros, nem que a bomba em Bali tenha se tornado ""sagrada", porque apoiamos Israel.
Acho que esses fatos estão ligados à ascensão no meio de vocês de uma vertente profundamente intolerante de islamismo que não é simplesmente uma reação contra Israel, mas uma resposta aos Estados falidos de vocês, à riqueza petrolífera desperdiçada, às ideologias rompidas (o nasserismo) e a gerações de autocracia e analfabetismo.
Armado e irado, esse fundamentalismo áspero parece agora intimidar por completo os setores muçulmanos moderados.
Mas os valores que ele difunde vão levar vocês à ruína e os conduzir ao conflito conosco. Como escreveu Brink Lindsey, do Instituto Cato, na "National Review", "fé nenhuma conseguirá transformar a memorização decorada de textos antigos, a repressão à discordância e à investigação crítica, a subjugação das mulheres e a deferência servil à autoridade em receita de qualquer coisa senão a decadência de uma civilização".
Os setores muçulmanos de centro, decentes mas passivos, precisam travar guerra contra esse fundamentalismo áspero.
Sim, também nós temos nossos preconceituosos intolerantes. Acabei de me distanciar publicamente dos cristãos que proferem calúnias contra o islã como um todo. Mas nossa maioria moderada e nossa imprensa também os criticam, com regularidade.
Eles não dominam nossa sociedade. Já tivemos nossa guerra civil contra a intolerância. Agora exorto vocês a terem a sua. Não venham me dizer que isso não é possível.
Vejam o exemplo dos corajosos estudantes iranianos que estão enfrentando os fundamentalistas radicais em sua própria sociedade, arriscando suas vidas para combater aqueles que querem fazer o islã e o Irã retrocederem à Idade Média. Que Deus os abençoe.
Meus amigos, a não ser que vocês travem um guerra no interior de sua própria civilização, haverá uma guerra entre sua civilização e a nossa. Estamos a apenas mais um 11 de setembro de distância disso.
Vamos, portanto, dedicar este próximo ano ao combate à intolerância interna, para que possamos preservar as relações entre nós.
Sinceramente, G.W.B.


Tradução de Clara Allain


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