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ARTIGOS
Quênia é novo passo no "choque de civilizações"
ROBERT FISK
DO "THE INDEPENDENT"
Era inevitável. Era o pesadelo
das autoridades israelenses: um
ataque da Al Qaeda contra o Estado judaico.
A única coisa que essas autoridades não imaginaram, nem mesmo depois do atentado de Bali, é
que a Al Qaeda pudesse golpear
Israel no exterior.
É claro que havia vantagens políticas para os israelenses: a culpa
podia ser atribuída aos palestinos,
mesmo que eles não tivessem nada a ver com o atentado suicida
contra o hotel Paradise.
Como de costume, a Al Qaeda
se mostrou indiferente com relação aos mortos que não faziam
parte de seu alvo. Assim como os
quenianos foram a maioria dos
mortos no atentado da Al Qaeda
contra a embaixada americana
em Nairóbi, quatro anos atrás,
eles também formaram a maioria
das vítimas em Mombaça, na
quinta-feira.
Crianças morreram como se
elas fossem o alvo. Mas o ataque
comprovou, mais uma vez, que a
rede de Osama bin Laden possui o
que os americanos gostam de
chamar de "alcance global". Os
homens de Bin Laden são capazes
de atacar em Bali, Cingapura, Afeganistão, Kuait, sobre o oceano
Atlântico, na Arábia Saudita, no
Iêmen, em Nova York, nos arredores de Washington e num campo da Pensilvânia.
O suposto "Exército da Palestina", que teria reivindicado os ataques no Quênia, com certeza não
passa de mito, embora essa reivindicação de responsabilidade
será utilizada por Israel.
O ataque desferido por esse
"exército" foi em grande medida
um fracasso. É importante tomar
nota disso quando se calcula os
resultados do mais recente ataque
da Al Qaeda.
Nenhum dos dois mísseis atingiu o avião de carreira israelense.
Os militantes suicidas com certeza esperavam matar um número
muito maior de pessoas. A intenção era que 28 de novembro fosse
o 11 de setembro de Israel, com
uma lista de 300 ou 400 mortos.
No final, apenas três israelenses
morreram.
Se procurarmos uma assinatura, fica claro que a Al Qaeda deixou suas iniciais gravadas nas
mortes de quinta-feira. Militantes
suicidas; ataques simultâneos;
Quênia; um resort turístico. Usar
o termo "marca registrada" já virou clichê, mas o fato é que os ataques em Mombaça traziam "Al
Qaeda" gravados na testa, por assim dizer.
Dois meses atrás, altos funcionários da inteligência militar israelense expressavam seu receio
de que o próximo alvo da Al Qaeda pudesse ser Israel. Eles falavam
nos altos edifícios de Tel Aviv, em
plataformas de mísseis nucleares
no deserto de Negev -falavam
disso em voz baixa, é claro, porque o mundo não deve, supostamente, comentar a capacidade
nuclear israelense-, mas o que
temiam, com razão, é que Bin Laden fosse tentar colocar Israel no
mesmo quadro que os Estados
Unidos.
E ele o fez. Pois, seja o que for
que a Al Qaeda tenha feito na
quinta-feira passada, ela colocou
Israel bem ao lado dos Estados
Unidos.
Desde o 11 de setembro, o primeiro-ministro israelense, Ariel
Sharon, vinha dizendo que Israel
está ao lado do presidente George
W. Bush em sua "guerra ao terror". Graças à política americana
unilateral e terrivelmente parcial
no Oriente Médio, o conflito tem
dado a impressão de que Sharon e
Bush compartilham as mesmas
metas.
Agora o mundo terá de reconhecer que Sharon tem uma razão para combater a Al Qaeda.
Será que há palestinos nas fileiras das legiões de Bin Laden?
Nunca conheci nenhum -e já estive com dezenas de seus homens
no Sudão e no Afeganistão. Entretanto, pelo fato de atacar israelenses, a Al Qaeda vestiu o manto da
Intifada.
Se um militante suicida palestino pode matar 11 israelenses em
Jerusalém, e um esquadrão suicida da Al Qaeda pode matar três israelenses em Mombaça, qual é a
diferença?
No futuro, qualquer investida
israelense na Cisjordânia e na faixa de Gaza ocupadas poderá ser
descrita como parte da caçada aos
homens de Bin Laden.
Um ataque aéreo israelense, não
importa quantas crianças venha a
matar, poderá ser retratado como
não sendo diferente dos ataques
americanos contra os povoados
afegãos.
Não pensemos por um instante
sequer que essa idéia não tenha
passado pela cabeça da Al Qaeda.
Numa organização para a qual a
idéia de "danos colaterais" -termo que já soa obsceno o suficiente quando dito por nós- não
quer dizer nada, a reintensificação do poder de fogo israelense é
inevitável. Quando mais os árabes
se derem conta da brutalidade da
vingança exercida por seus inimigos, mais poderoso será o alcance
da Al Qaeda.
O ataque da quinta-feira -mínimo, em termos de baixas israelenses, quando comparado ao número de mortos em atentados
suicidas palestinos recentes-
não muda isso.
Os líderes israelenses vão competir entre eles pelo direito de revidar. A administração Bush, depois de 11 de setembro, não vai recomendar moderação.
Então, o que tudo isso nos diz
sobre Bin Laden?
Mostra que seus homens, mais
uma vez, podem atacar seus inimigos quando e onde quiserem.
Mombaça e um hotel de propriedade israelense deveriam ter
sido considerados sob óbvio risco
de segurança -aliás, a coragem
dos turistas israelenses é espantosa.
Foi apenas um pouco ao norte,
seguindo por essa mesma costa
-em Mogadício- que os combatentes de Bin Laden enfrentaram os americanos pela primeira
vez, como ele próprio me contou
em 1997.
O atentado contra a embaixada
americana em Nairóbi, quatro
anos atrás, juntamente com o ataque à embaixada americana em
Dar-es-Salam, já deveria ter comprovado a força que a Al Qaeda
tem na África.
E o "texto" do ataque continua.
A Al Qaeda atacou um resort turístico em Bali. Ela atacou a cidade
turística de Mombaça. Ela tentou
afundar o navio americano USS
Cole, em Aden, com o pequeno
barco de um militante suicida.
Em outubro, ela tentou afundar o
petroleiro francês Limburg com
um método idêntico. Ela destruiu
duas embaixadas americanas na
África com bombas. Atacou duas
torres do World Trade Center. Na
quinta-feira, fez o atentado contra
o hotel de Mombaça ser acompanhado de uma tentativa de ataque
com mísseis contra um avião de
turistas israelenses.
Qual será o próximo alvo? Bem,
já ouvimos a lista de alvos de Bin
Laden: primeiro o Reino Unido,
depois a França, a Itália e o Canadá.
Que ninguém imagine por um
instante sequer que os estrategistas da Al Qaeda não analisaram os
alvos disponíveis. Eles já olharam
tudo, como fizeram os homens da
GIA argelina, mais de quatro anos
atrás, quando planejaram arremeter um avião sequestrado da
Air France contra a torre Eiffel.
Podemos estar certos de que
eles já analisaram a barreira do
Tâmisa, o Eurostar e todos os outros símbolos vulneráveis de nossa sociedade. Sim, já o fizeram
porque querem que a Europa forme uma aliança com os Estados
Unidos e Israel.
O patético "choque de civilizações" previsto no livro homônimo de Samuel Huntington é tão
importante para os seguidores de
Bin Laden quanto é para os fundamentalistas cristãos americanos de direita que fazem a afirmação revoltante de que o profeta
Muhammad era pedófilo.
O que aconteceu na quinta-feira
foi mais um passo nessa direção.
Tradução de Clara Allain
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