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IMAGEM DOS EUA
Política unilateralista do presidente faz crescer manifestações públicas contra os EUA no país e no mundo
Bush acirra antiamericanismo no Brasil
MARIA BRANT
DA REDAÇÃO
Porto Alegre, 23 de janeiro: manifestantes na marcha de abertura
do 3º Fórum Social Mundial gritam: "Morram, morram, ianques
assassinos". No dia seguinte, a
platéia vibra quando, em uma
conferência na capital gaúcha, o
escritor paquistanês Tariq Ali
aventa a possibilidade de os árabes de todo o mundo iniciarem
uma Intifada mundial contra o
mundo ocidental, representado
pelos EUA.
São Paulo, 15 de fevereiro: manifestantes queimam a bandeira
dos EUA e cantam "Bush é bom
companheiro, ninguém pode negar, senão ele manda matar". Três
dias depois, um muro diante do
Consulado dos EUA em São Paulo é pichado com os dizeres: "Nada de guerra no Iraque".
De acordo com uma reportagem publicada no jornal "The
Washington Post", embaixadas
americanas no mundo inteiro teriam enviado relatórios ao governo alertando para um crescimento do antiamericanismo no mundo. Em muitos lugares, segundo o
diário, o presidente dos EUA,
George W. Bush, estaria sendo
visto como uma ameaça maior à
estabilidade mundial que o ditador iraquiano, Saddam Hussein.
Na semana anterior, o "The
New York Times" publicara texto
com relatos de agressões e hostilidades sofridas por americanos
morando em países como Egito,
Indonésia, Paquistão e até Alemanha. Segundo o jornal, "conforme
a possibilidade de uma guerra
cresce, aumenta o antiamericanismo nos jornais, ruas e cafés de
cidades estrangeiras".
O Brasil não consta da lista do
"New York Times", mas, segundo
acadêmicos brasileiros e cidadãos
americanos morando no Brasil
ouvidos pela Folha, também aqui
o sentimento de oposição aos
EUA -após um auge nos anos 60
e 70 e um recuo nos anos 90 e, depois, após o 11 de Setembro- teria sofrido um recrudescimento
nos últimos meses. A principal
causa seria o estilo de governo
unilateralista e polarizador de governo de Bush, que, desde que assumiu a Presidência, em 2001, toma para si a tarefa de dividir o
mundo entre o bem e o mal.
Segundo o especialista em história das idéias Jorge Grespan, 43,
professor de história da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da USP, a atual onda de
antiamericanismo tem raízes
mais antigas do que a atual política externa do governo Bush, mas
foi acirrada por ela.
"Nos anos 90, grande parte da
população não sentia motivos para ter raiva dos americanos. Os
anos Clinton (presidente de 1993
a 2001) foram caracterizados por
uma expansão econômica em que
havia uma integração mais tranquila entre os países", afirma.
O fim dos anos 90, diz Grespan,
viu o surgimento dos grupos antiglobalização. "As crises econômicas asiática, russa e brasileira -a
qual veio acompanhada da desvalorização do Real- destruíram o
sonho da globalização. Isso, aliado à atitude belicosa e arrogante
de Bush, provocou um aumento
do sentimento antiamericano."
Emir Sader, 59, coordenador do
Laboratório de Políticas Públicas
da UERJ e membro do Conselho
Internacional do Fórum Social
Mundial, afirma: "O grande responsável por essa polarização foi
Bush, ele ajudou a politizar o movimento de oposição aos EUA".
Mas, apesar de terem sentido
"um pouquinho" de aumento na
oposição ao governo americano
no Brasil, afirma Patrick del Vecchio, 53, diretor-interino de Assuntos Políticos da Embaixada
dos EUA no país, as missões diplomáticas americanas não sentiram necessidade de reforçar sua
segurança nos últimos meses.
"Sempre houve no Brasil um
movimento contra as políticas
americanas", afirma. "Mas, quase
sem exceção, não há violência."
É preciso ressaltar que, por parte de todos os entrevistados, há
resistência em usar o termo antiamericanismo, já que ele pode significar desde uma oposição conceitual às políticas do governo até
um ódio generalizado contra tudo
o que vem dos EUA e que não leva
em conta o fato de que, também
entre americanos, há aqueles que
vêem com um olhar crítico as atitudes de Washington.
Segundo Sader, por exemplo, o
que move as manifestações não é
o antimericanismo, mas o "antiimperialismo". "Não há antiamericanismo, mas uma oposição
à política imperial dos EUA", afirma. "Ninguém é contra a cultura
americana ou contra os movimentos sociais americanos."
Grespan atenta para outra distinção. "Há dois tipos de produto
cultural americano. Há a Coca-Cola e o McDonald's, por exemplo, que são rejeitados como o lixo cultural dos EUA, mas também há o jazz e os filmes independentes, percebidos como a alta
cultura americana, à qual não se
impõem restrições."
Sader, que foi o mediador do
debate em que Tariq Ali falou durante o 3º Fórum Social Mundial,
rebate a afirmação de que muitos
dos presentes nas manifestações
contra a guerra não pareciam fazer questão de distinguir entre as
posições do governo dos EUA e os
americanos que se opõem a ela
enfatizando outro momento do
evento, em que a pacifista americana Medea Benjamin foi aplaudida de pé pela platéia.
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