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A EUROPA DOS 25
Para o especialista em identidade ocidental Ralf Dahrendorf, o continente deve reconhecer que, sem os americanos, seria menos livre
Europa não pode ser anti-EUA, diz analista
ENRICO FRANCESCHINI
JEAN-PIERRE LANGELLIER
WALTER OPPENHEIMER
DO "LE MONDE"
Com ornamentos góticos, tetos
esculpidos, sofás de couro vermelho e retratos de Henrique 8º e da
batalha de Waterloo, a Câmara
dos Lordes, instituição da aristocracia britânica, pode parecer um
lugar inusitado de onde assistir ao
nascimento da Europa dos 25.
Não se o observador for Ralf Dahrendorf, sociólogo e cientista político, alemão e britânico, europeu
e atlantista, social-democrata e liberal, grande especialista na identidade ocidental.
Nascido em Hamburgo, Dahrendorf ficou conhecido em 1959
como um dos mais promissores
sociólogos europeus com a elevação ao status de clássico de sua
obra "Class and Class Conflict in
the Industrial Society" (classe e
conflitos de classes na sociedade
industrial). Ele é
autor de 30 livros,
dos quais alguns
foram publicados
no Brasil, como
"Após 1989" (Paz
e Terra), "O Conflito Social Moderno" (Edusp) e
"Reflexões sobre a
Revolução na Europa" (Jorge Zahar). Seu próximo
trabalho, intitulado "The Crisis of
Democracy" (a
crise da democracia), deve sair em
janeiro de 2005.
Residente no
Reino Unido, diretor da London
School of Economics de 1974 a 1984 e ainda deputado alemão e depois membro da
Comissão Européia, Dahrendorf
recebeu um título de nobreza em
1982 e, desde 1993, ocupa uma cadeira na Câmara dos Lordes.
De terno cinza listrado, óculos
grossos e bom humor, lorde Dahrendorf recebe seus visitantes numa sala do Parlamento de Westminster.
Ontem, a União Européia passou a ter 25 membros e ele completou 75 anos de idade. Leia a seguir trechos de sua entrevista.
Pergunta - A União Européia passou a ter 25 membros no dia em
que o sr. completou 75 anos. Como
o sr. se sente a esse respeito?
Ralf Dahrendorf- Fico muito feliz. Pela primeira vez na história o
continente está unido em sua totalidade, com algumas poucas exceções. É verdade que ainda resta
muito a fazer, que a União Européia tem muitos desafios a enfrentar. Mas estou feliz e orgulhoso de poder viver esse momento.
Pergunta - Com a queda do Muro
de Berlim, há 15 anos, o senhor tentou, em um de seus livros ["Reflexões sobre a Revolução na Europa"], imaginar o futuro da Europa
livre da divisão entre leste e oeste.
Suas esperanças se concretizaram?
Dahrendorf- No conjunto, sim.
Algumas de minhas previsões
mais otimistas chegaram a ser superadas. Em 1989, eu achava que a
Europa do leste iria atravessar um
"vale de lágrimas" antes de encontrar a democracia e unir-se ao
resto do continente. Eu temia que
a nostalgia do passado totalitário
e estatista voltasse a imperar, após
o entusiasmo inicial. Aparentemente, isso não aconteceu. E 15
anos não são nada. A integração
tem sido extremamente rápida.
Pergunta - Rápida demais?
Dahrendorf- Talvez não tenha
havido debate suficiente. Bruxelas
ditou suas regras e seus prazos, e
os países do leste tiveram de se
adaptar a eles, sem ter tempo suficiente para digerir sua transformação. A Europa ex-comunista
foi obrigada, por assim dizer, a se
democratizar, a adotar uma economia de mercado. Mas foi uma
obrigação que ela desejou.
Pergunta - Não corremos o risco
de ver duas Europas distintas? A
velha e a nova, para fazer uso dos
termos empregados pelo secretário
da Defesa americano, Donald
Rumsfeld.
Dahrendorf- É
possível. Mas
sempre houve e
sempre haverá
vários tipos de
Europa dentro do
continente: a Europa do Mediterrâneo, a Europa
do Báltico, a do
Norte e a do Sul. É
inteiramente lógico, e não há nada
de mau nisso. Seja
como for, a Europa dos 25 enriquece e completa
a União. A ampliação é uma virada histórica que
não deve parar por aí.
Pergunta - Onde pararão as fronteiras da Europa?
Dahrendorf- Não existe resposta
definitiva. Uma fronteira pode
mudar, pode evoluir. Ela depende
de diversos fatores. Por enquanto,
a União Européia tem três problemas relativos a suas fronteiras.
Para começar, a Turquia. Em seguida, a Suíça e a Noruega, em relação às quais é preciso agir com
generosidade, e não com agressividade. Em todo caso, a questão
de sua entrada na união precisa
ser tratada. Por fim, os Bálcãs: a
Romênia, a Bulgária, os países da
ex-Iugoslávia. Esse será o problema mais complexo, pois a democracia é mais frágil nessa região.
Pergunta - O sr. é favorável à entrada da Turquia, que para alguns
é mais asiático do que europeu, um
país muçulmano que entraria em
uma Europa cristã?
Dahrendorf- Sim. A Turquia
quer fazer parte da Europa. Ela
certamente é mais voltada à Europa do que à Ásia. Concretamente,
ela já faz parte da Europa, com
seus milhões de emigrantes espalhados pelo continente e a parte
turca de Chipre. A questão crucial
é o Estado de Direito, a separação
nítida entre o Estado e o islã.
Pergunta - Se a Turquia pode entrar na UE, por que não a Ucrânia?
Dahrendorf- A Ucrânia são dois
países em um só. É difícil distinguir o oeste da Ucrânia do leste da
Polônia. Eventualmente, eu seria
a favor da entrada da Ucrânia.
Mas estamos falando de um futuro ainda distante e de avanços
consideráveis que a Ucrânia tem
de fazer para chegar lá.
Pergunta - E a Rússia?
Dahrendorf- É uma pergunta
distante demais no tempo para
ser realista. Moscou não me parece estar com muita pressa para solicitar sua entrada na UE.
Pergunta - No Ocidente, as direitas levantam o espectro de uma invasão de imigrantes vindos dos novos países da UE. Isso o preocupa?
Dahrendorf- É inevitável que
chegue uma onda de trabalhadores do leste. Mas não será nada
comparável às grandes migrações
do passado, como a da Europa em
direção aos EUA. Será uma migração temporária, determinada
a retornar a seu país de origem.
Pergunta - O que o sr. acha da decisão de se fixarem limites à entrada dos trabalhadores dos dez países novos nos outros países da UE?
Dahrendorf- É uma medida profundamente injusta, que, felizmente, não durará para sempre.
Pergunta - Que identidade tem
hoje a Europa dos 25?
Dahrendorf- Não existe resposta
fácil para essa pergunta. A União
Européia poderia representar um
modelo de cooperação entre países caracterizados pelo Estado de
Direito e a economia de mercado,
essa seria uma definição importante. O maior perigo é que a Europa acabe por se definir como
um bloco que se opõe aos EUA.
Essa seria uma idéia negativa, funesta. A Europa precisa compreender que os EUA são seus
parceiros, seus aliados, um país
irmão com o qual ela forma o
mundo livre. E que, sem os EUA,
ela certamente seria menos livre.
Pergunta - Mesmo sem a América
de George W. Bush, que invadiu o
Iraque com base em mentiras?
Dahrendorf- A discussão sobre a
Guerra do Iraque é tão grande nos
EUA quanto na Europa. É um erro reduzir os EUA a seu presidente ou a seu governo atual. Dito isso, continuo a ser favorável à intervenção no Iraque, por razões
pessoais. Saddam Hussein possuiu armas de destruição em massa no passado e já as utilizou. Talvez ele não as tivesse mais em
2003. Mas se, em vez de fechar os
olhos, os aliados optassem por intervir contra Hitler em 1938, teria
sido possível evitar o Holocausto.
Pergunta - Voltemos à identidade da Europa. A Constituição poderá lhe fornecer uma?
Dahrendorf- Não vejo a Constituição como um documento particularmente criador e rejeito a
idéia de que a Europa dos 25 só
possa funcionar com uma Constituição. Seja como for, não estou
entre aqueles, no Reino Unido,
que vêem na Carta européia uma
redução da soberania nacional.
Pergunta - O premiê britânico,
Tony Blair, decidiu promover um
referendo sobre a Constituição européia. Até agora, as pesquisas de
opinião indicam que a maioria dos
britânicos rejeitaria a Carta.
Dahrendorf- Isso não me surpreende. A propaganda e a informação equivocadas lhes deram
uma idéia totalmente falsa da
Constituição européia.
Michael Howard, o líder dos
conservadores, diz, por exemplo,
que, se a Constituição for adotada, será o "presidente dos Estados
Unidos da Europa" que será convidado à Casa Branca, e não o premiê britânico. Infelizmente, o número de pessoas no Reino Unido
que crê em tais bobagens é grande. O debate provocado por um
referendo poderia lançar luz sobre o tema.
Pergunta - O sr. não via o euro
com muito entusiasmo.
Dahrendorf- Não, mas tampouco era totalmente contra ele. Continuo a achar que Blair deixou
passar uma grande oportunidade.
Ele deveria ter proposto um referendo sobre o euro em sua eleição, em 1997, aproveitando a onda de entusiasmo, confiança e renovação com sua vitória. Hoje a
situação é muito mais difícil.
Pergunta - O referendo sobre a
Constituição vai coincidir com o trigésimo aniversário do referendo
de 1975, sobre a entrada do Reino
Unido no Mercado Comum Europeu. É possível que o Reino Unido
ainda não esteja decidido a integrar a Europa plenamente?
Dahrendorf- Ainda há diferenças profundas entre o país e a Europa continental. Há diferenças
institucionais. Basta pensar na
Câmara dos Lordes, onde ocupo
uma cadeira. Também são diferenças de mentalidade.
Não é por acaso que os ingleses
chamam o oceano Atlântico de "o
laguinho". Muitos deles se sentem
mais próximos dos EUA do que
da Europa, da qual, entretanto,
estão separados apenas pelo canal
da Mancha. É verdade que as diferenças estão diminuindo aos poucos, e é provável que as gerações
jovens as sintam menos. Por enquanto, porém, continuamos a
ser diferentes.
Tradução de Clara Allain .
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