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Repressão à lavagem é longa e difícil, diz especialista
DA REPORTAGEM LOCAL
Patrick Moulette, 45, é o secretário-executivo do Gafi, o órgão
internacional mais ativo na definição de normas legais e políticas
que permitem reprimir a lavagem
de dinheiro.
Ele diz que o combate ao terrorismo por meio de suas fontes de
recursos é algo complicado porque mexe com o sistema financeiro dos países e com hábitos da
economia informal. O trabalho é
longo e não apresentará muitos
resultados imediatos. A seguir, os
principais trechos de sua entrevista à Folha.
(JBN)
Folha - Desde o 11 de Setembro
foram congelados em fundos destinados ao terrorismo apenas US$
113 milhões. Não é muito pouco?
Patrick Moulette - Admito que as
quantias confiscadas são pequenas. Mas os terroristas não precisam de fortunas para seus atos. Os
fundos que os financiam são incomparavelmente menores que o
dinheiro lavado pelas redes internacionais de tráfico de drogas,
que mobilizam centenas de bilhões de dólares. Os US$ 113 milhões são uma cifra da qual se fala.
Nós, do Gafi, não fazemos estatísticas. Acho, mesmo assim, que já é
um passo importante.
Folha - Como avaliar hoje a impressão predominante, no final de
2001, de que bastava a vontade política dos EUA para secar as fontes
financeiras do terrorismo islâmico?
Moulette - A lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo são problemas mundiais. É
compreensível que os EUA queiram atingir rapidamente resultados. Ao lado deles estão os membros do Gafi, que, já em outubro
de 2001, adotaram em Washington medidas para conter esse financiamento.
O esforço é grande e envolve
três dezenas de países e uma quinzena de organizações, como o
FMI e a ONU. Por ser uma questão internacionalizada é preciso
que todos adotem políticas semelhantes, o que nem sempre é possível, diante da complexidade de
questões que afetam todo o sistema financeiro. Em suma, é algo
demorado, sem muitos resultados visíveis imediatos.
Folha - O sr. poderia exemplificar
essa complexidade?
Moulette - É o caso dos fundos
de origem legal e que são em seguida desviados para financiar organizações clandestinas.
Folha - São as entidades filantrópicas do mundo árabe?
Moulette - São entidades sem
fins lucrativos que atuam em
muitos países, muitas vezes de
origem religiosas, cujas finalidades são bastante nobres. Em alguns casos há um desvio de doações, em outros os próprios doadores estimulam esse desvio.
Folha - Uma lista negra de entidades não resolveria o problema?
Moulette - Não é tão simples.
Não temos critérios rígidos para
definir quem entraria ou quem ficaria de fora da lista. Preferimos
que os governos forcem essas organizações a ter transparência sobre seus gastos e fontes de contribuição.
Em outubro de 2002, o Gafi publicou documento com sugestões
de normas. Mas, como é algo
muito recente, será necessário
voltar ao assunto.
Folha - O Gafi publica uma lista de
países que não cooperam no combate à lavagem de fundos. Entre
eles, o Egito, a Indonésia e a Nigéria, países muçulmanos. Não estaria aí um dos "ralos" por onde escapa o dinheiro terrorista?
Moulette - Uma coisa precisa ficar clara: o Gafi nunca elaborou
lista com países que financiam o
terrorismo. Fizemos, isso sim,
uma lista de países que não adotaram medidas de combate à lavagem de dinheiro.
Folha - A Arábia Saudita chegou a
pedir ao Gafi normas técnicas para
interromper o "dinheiroduto"?
Moulette - Em setembro último,
uma missão técnica do Gafi esteve
na Arábia Saudita para avaliar os
mecanismos de controle impostos pelo governo e pelas instituições financeiras.
As informações estarão em relatório, e a partir dele saberemos se
os sauditas precisam de assistência técnica. Esse país tem atuado
com o Conselho de Cooperação
do Golfo, que é um dos membros
do Gafi.
Folha - Documentos mencionam
a "hawala" (transferência informal
de dinheiro, paralela à rede bancária) e a dificuldade em reprimi-lo.
Moulette - Há com relação à
"hawala" algo semelhante ao que
ocorre com as entidades sem fins
lucrativos. A "hawala" responde a
uma demanda legítima, sobretudo de trabalhadores emigrados
que enviam dinheiro a seus familiares.
O Gafi não sugeriu reprimir os
cambistas dessa rede informal.
Sugerimos que eles sejam credenciados, sejam obrigados a registrar as operações e denunciem
transações suspeitas.
Folha - Há algum país em que essa forma de enquadramento já
vem sendo aplicada?
Moulette - Sim. Os Emirados
Árabes Unidos estão tirando a
"hawala" da economia informal.
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