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A Nobel da Paz Rigoberta Menchú diz que exclusão, marginalização e pobreza unem índios latino-americanos
Movimento crescerá, prevê líder indígena
Lou Dematteis - 21.out.2003/Reuters
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Huaoranis protestam diante do Fórum de Lago Agrio, no Equador, contra a empresa ChevronTexaco, acusada de poluir a região |
DA REDAÇÃO
A ativista guatemalteca Rigoberta Menchú Tum, 43, ganhadora do Nobel da Paz em 1992, acredita que a Bolívia seja, ao lado do
Equador, um exemplo de que a
participação política indígena está crescendo, com a possibilidade
de se espalhar para outros países.
Em entrevista à Folha por e-mail do México, onde mora e dirige a fundação que leva o seu nome, Menchú, da etnia maia-quiché, fez um balanço dos problemas e avanços da questão indígena na América Latina.
(FM)
Folha - Os índios bolivianos lideraram as manifestações que resultaram na mudança de governo. A
sra. acredita que esse sucesso tenha um impacto no movimento indígena ou trata-se de uma dinâmica de caráter local?
Rigoberta Menchú - O fenômeno
deve ser visto de duas formas. Primeiro, demonstra que os governantes não podem agir de costas
para a população e que as decisões devem passar por uma consulta. Hoje em dia, não é possível
trair o apoio popular conquistado
nas urnas, sobretudo em temas
tão importantes como o manejo
dos recursos naturais. Durante séculos, os povos indígenas temos
sido os guardiões desses recursos.
Por isso, é ilegítimo, imoral e ilegal que se decida sobre sua utilização sem consultar esses povos.
Essa crise também reflete a pujante participação política dos indígenas. Temos conquistado espaços importantes, que aos poucos estão aumentando em todo o
continente latino-americano. O
Equador é uma amostra, e agora é
a Bolívia. Acredito que essa participação se estenda para países como México, Guatemala e Chile,
entre outros.
Folha - O líder aimará Felipe Quispe disse que o movimento boliviano é um "ensaio" e propõe uma
unificação dos movimentos do
Alasca até a Patagônia. A sra. acredita que isso seja possível?
Menchú - Creio que já exista um
certo nível de unidade entre o
movimento indígena no continente, refletido em esferas e atividades internacionais importantes, como a Cúpula das Mulheres
Indígenas, realizada em dezembro passado, no México. Participaram cerca de 400 mulheres de
toda a América para debater temas como espiritualidade, economia e participação política.
É preciso deixar claro que cada
processo tem seu próprio ritmo,
que deve ser respeitado. Em algumas nações, a incursão política
dos índios é maior. Os povos indígenas compartilham uma realidade dilacerante, de exclusão, marginalização e pobreza. Isso pode
servir para articular o movimento
de uma forma melhor, para consolidar uma agenda comum.
Folha - As lideranças indígenas,
inclusive a sra., estão muito próximas da esquerda. Como a sra. avalia a política indigenista de governos de esquerda, como o de Lula?
Menchú - Em primeiro lugar,
quero deixar claro que as concepções de direita e esquerda são ocidentais e não fazem parte da cosmovisão indígena. Os povos indígenas temos sido arrastados para
essa batalha ideológica, como tem
ocorrido em muitas outras áreas.
O que exigimos é uma concepção de identidade, respeito aos
nossos direitos, acesso à educação
e à saúde e aspiração de uma vida
digna. Se para alguns isso nos faz
esquerdistas, que assim seja. Entendo que o governo Lula está levando adiante planos muito interessantes para os povos indígenas, os quais, no Brasil, têm sido
menosprezados, como no resto
da América. Mas ainda é muito
cedo para avaliar essas políticas, o
Lula tem menos de um ano no governo.
Folha - A aproximação com a esquerda acentua a questão da pobreza ou as reivindicações indígenas são mais distintas?
Menchú - Há uma série de desigualdades cujo combate une o
movimento indígena e que poderia se resumir no respeito e reconhecimento dos nossos direitos
como povos indígenas. Os povos
indígenas exigimos uma vida
mais digna, não importa em qual
país. Dentro dos grupos mais
marginalizados, os povos indígenas somos os mais afetados, o que
é inaceitável neste momento da
história. É um denominador comum em todo o continente.
Folha - Na Bolívia e, em menor
grau, no Equador e na Guatemala,
os movimentos indígenas têm como forma de pressão sua ampla
presença demográfica e diversificação entre trabalhadores urbanos, mineiros e camponeses. Nesses países, já existe uma representação significativa no Parlamento
e em governos locais. Em países como o Brasil, onde a população indígena soma 0,4% do total, isso não é
possível. Quais as alternativas?
Menchú - A participação indígena depende das realidades de cada país, onde a luta adquire matizes distintas. O que ocorreu no
Brasil, como em muitas outras
partes, é que os povos indígenas
foram e tornados invisíveis e foram espoliados de maneira infame de suas terras e de outros recursos. São os povos indígenas os
que têm de escolher suas políticas
e seu destino comum. Na medida
em que isso seja possível, a presença nas esferas do governo e em
outros Poderes aumentará.
Folha - Como a sra. avalia as diferenças entre Quispe e o líder cocaleiro Evo Morales?
Menchú - O movimento indígena não existe em razão de quem o
encabeça. Não é uma questão de
nomes, mas de um esforço coletivo por aspirações legítimas.
Folha - Quais são hoje as principais reivindicações em comum dos
índios latino-americanos?
Menchú - Queremos mudar uma
história cheia de espoliação, iniquidade e exclusão. Exigimos respeito à nossa identidade. Na
América Latina vivem cerca de 50
milhões de índios, cujas comunidades estão afetadas por problemas como danos ambientais e espólio da terra de indígenas.
Queremos paz, a livre disposição dos nossos recursos, o fim do
paternalismo estatal, educação
respeitosa de nossos saberes, participação política e acesso à saúde,
para que meninas e meninos não
continuem morrendo de doenças
curáveis.
Folha - Quais foram os principais
avanços na questão indígena desde que a sra. ganhou o Prêmio Nobel da Paz, em 1992?
Menchú - Houve alguns avanços,
mas insuficientes. De positivo, devo mencionar uma maior participação política em altos cargos públicos. No plano internacional,
houve melhorias, mas falta muito.
Na ONU, não tem sido possível
aprovar a Declaração Universal
dos Direitos dos Povos Indígenas,
por falta de vontade política. O
mesmo ocorre na Organização
dos Estados Americanos.
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