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COMPORTAMENTO
Primeiro casal beneficiário de lei que permite união formal, César e Marcelo agora lutam por legislação federal
Casados, gays de Buenos Aires festejam "igualdade"
DE BUENOS AIRES
César e Marcelo se conheceram
há seis anos quando militavam
numa parada gay de Buenos Aires. "Marcelo estava pendurando
uma faixa num poste e me encantei com esse gesto de dedicação ao
movimento", disse César. "Mentira! Ele gostou dos meus braços.
Na época, fazia musculação e, para ajudar, estava sem camisa", rebate Marcelo, mostrando os braços, hoje magros, antes de dar um
beijo carinhoso no rosto do companheiro. Eles receberam a Folha
na casa simples, mas decorada
com bom gosto, onde moram, no
bairro da Boca, em Buenos Aires,
e onde também funciona a CHA
(Comunidade Homossexual Argentina), das quais são militantes
e fundadores.
No dia 18 de julho, o professor
universitário César Cigliutti, 46, e
o estudante Marcelo Suntheim,
35, se tornaram o primeiro casal
gay a concretizar uma união civil
da América Latina. O casamento
foi em Buenos Aires e teve direito
a festa, traje de gala e champanhe.
"Comemoramos a conquista por
igualdade. Foi uma luta de anos e
me emociono cada vez que falo
sobre isso", disse César, recostando-se no sofá vermelho.
A lei que permitiu a união foi
sancionada em maio pela prefeitura de Buenos Aires. Entre os benefícios da lei estão o acesso do
casal ao seguro social, solicitação
de empréstimos e direito à licença
em caso de doença ou falecimento. Além disso, é garantido ao
cônjuge o direito de acompanhar
o parceiro, por exemplo, em uma
sala de tratamento intensivo e tomar decisões com os médicos, o
que antes era proibido.
"Em três meses, começaremos o
trabalho para que a lei se torne nacional. Vamos apresentar o projeto na Câmara dos Deputados e
começar tudo de novo até que a
lei passe a valer em todo o país",
disse César. Projetos semelhantes
ao já foram apresentados nas Províncias de Rio Negro, Santa Fé e
Mendoza. Na América Latina,
países como Brasil, México e Uruguai também estudam a aprovação de leis que permitam a união
civil entre homossexuais.
"Hoje temos mais segurança.
Nos sentimos integrados e mais
respeitados como cidadãos. Parece que quando a lei te reconhece,
o comportamento, a cultura das
pessoas muda. Elas passam a ter
de nos aceitar, não digo entender,
mas não podem mais nos agredir
com violência ou palavras", diz
Marcelo. "Antes, vivíamos uma
incerteza. Não podíamos compartilhar o plano de saúde, ser um
dependente do outro num clube
de recreação. E os casais que constróem uma vida juntos e quando
um morre, a família -que em
muitos casos os tratou com preconceito- entra na Justiça e consegue ficar com todos os bens,
deixando o outro, companheiro
da vida inteira, na miséria? É para
acabar com essas injustiças que
nunca desistimos de lutar."
Vida em família
"Nossas famílias nos aceitam
bem. Creio que meus pais, quando souberam que era gay -há
cinco anos- devem ter se questionado: onde erramos? Mas isso
já passou. Eles adoram o César e
eu também me entendo bem com
a sua família", diz Marcelo.
"Aqui em casa, somos democráticos. Se um cozinha, o outro
lava", diz. "César gosta de passar
roupa." A reação é imediata: "Não
gosto, não! É que não consigo ver
uma pilha de roupa para passar e
deixar. Marcelo é capaz de deixar
acumular roupa suja ou para passar por duas, três semanas", reclama César, sem perder o bom humor que é característico nos dois.
"Sempre tive um jeito meio mariquinhas. Na escola, os amigos
faziam brincadeiras, mas como
sempre tive uma relação boa com
as pessoas, não foi nada que me
deixasse traumas", diz César.
"Eu, como cresci numa cidade
pequena, cheguei a namorar meninas para conter a pressão da família e dos amigos. Mas nunca
gostei de mulheres", diz Marcelo.
"Achava que era o único gay da cidade. Só soube que existia alguém
parecido comigo quando vi nos
jornais a notícia da morte de Fred
Mercury", diz. "Só fui conhecer
outros gays quando mudei para
Buenos Aires."
Para ambos, o fruto mais importante da união formal é o direito à justiça. "Aqui, como em
outros países, a violência contra
gays ainda é grande. Há casos em
que pessoas são espancadas na
rua ou assassinadas porque não
adotam um comportamento sexual que foi determinado o correto por alguém, não se sabe quando. Ter um respaldo da lei nos dá
a garantia de que, aos poucos, o
preconceito diminuirá. As pessoas serão obrigadas a respeitar o
nosso estilo de vida", afirmam.
(ELAINE COTTA)
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