|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Vítima de 2 ditaduras, Juan Gelman se diz otimista
DA REDAÇÃO
Vítima de duas ditaduras -a
argentina e a uruguaia-, o poeta
argentino Juan Gelman, 73, se diz
otimista com as últimas iniciativas para investigar e punir os abusos cometidos pelos regimes militares do Cone Sul. "Esses fatos
correspondem ao paulatino crescimento de um novo direito internacional, que insiste em penalizar
os crimes de lesa-humanidade,
qualquer que seja o lugar onde foram cometidos", diz.
Gelman, que trocou a Argentina
pelo México nos anos 1970 para
fugir da perseguição da ditadura,
teve um filho e a nora desaparecidos em 1976, em Buenos Aires. O
corpo do filho foi encontrado
tempos depois, mas sua mulher,
grávida na ocasião, desapareceu
após ser trasladada ao Uruguai.
Em 2001, Gelman localizou sua
neta, adotada por um policial em
Montevidéu, após uma campanha que mobilizou dezenas de artistas e intelectuais. A pressão levou o presidente uruguaio, Jorge
Batlle, a formar uma comissão para investigar o destino dos cerca
de 280 desaparecidos políticos
durante a ditadura. Leia a seguir
trechos da entrevista concedida
por Gelman à Folha, por e-mail:
(ROGERIO WASSERMANN)
Folha - O sr. acredita que as decisões das últimas duas semanas
conformam um movimento para
investigar e esclarecer os abusos
cometidos durante as últimas ditaduras do Cone Sul?
Juan Gelman - Sem dúvida. E
acho que esse é sobretudo o resultado de uma consciência moral da
sociedade que foi se cristalizando
ao longo dos anos transcorridos
desde que essas ditaduras acabaram. Há quem diz que isso reabre
velhas feridas. Na realidade, trata-se de feridas que nunca fecharam,
pela impunidade com que certos
governos civis encobriram e prolongaram os crimes militares.
Folha - O sr. tem esperanças de
que essas investigações possam
lhe ajudar a esclarecer as circunstâncias exatas nas quais sua neta
foi sequestrada e a encontrar os
restos mortais de sua nora?
Gelman - Confio nisso. Abri um
processo penal na corte de Montevidéu, que está em fase de instrução criminal. Como você sabe,
minha nora foi trasladada em outubro de 1976 por militares uruguaios de um centro clandestino
de detenção em Buenos Aires a
outro situado em Montevidéu. Tinha então 19 anos, estava grávida
de 8 meses e meio e a trataram como mero receptáculo de uma
criatura por nascer: foi levada ao
Uruguai para esperar que desse à
luz, assassiná-la e roubar sua filha,
que foi entregue a um casal da polícia que não podia ter filhos.
Esse crime horroroso é um sequestro de ventre, e seus autores,
fardados e tudo, são uns delinquentes comuns. Espero que o
presidente uruguaio Jorge Batlle
-que conhece o homem da polícia que assassinou a minha nora- não pense que se trata de um
crime amparado pela Lei de Caducidade (que anistiou os crimes
cometidos por militares e policiais uruguaios até 1985).
Texto Anterior: Argentina aplaude ação contra repressores Próximo Texto: Comportamento: Casados, gays de Buenos Aires festejam "igualdade" Índice
|