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FERIDAS ABERTAS
População, imprensa e políticos "progressistas" apóiam ações para julgar e punir acusados por abusos na ditadura
Argentina aplaude ação contra repressores
ELAINE COTTA
DE BUENOS AIRES
Os argentinos apóiam a ofensiva iniciada pelo governo para que
os ex-repressores acusados por
abusos dos direitos humanos no
período da chamada "guerra suja" da ditadura militar, entre 1976
e 1983, sejam julgados e punidos.
A população, a imprensa e alas
políticas classificadas como progressistas aplaudiram as recentes
medidas anunciadas pelo presidente Néstor Kirchner, que anulou um decreto que impedia a extradição de militares e, agora, cobra da Suprema Corte de Justiça a
declaração de inconstitucionalidade de duas leis de anistia assinadas pelo ex-presidente Raúl Alfonsín (1983-1989) que beneficiam ex-repressores.
As críticas partem apenas de setores ligados aos militares e à direita do país. Segundo essas pessoas, Kirchner está "desagradando" as Forças Armadas e isso pode ser um risco à estabilidade do
seu governo. Alegam ainda que a
extradição e o julgamento desses
argentinos no exterior atentam
contra a soberania nacional. Nos
próximos dias, a Espanha deve
oficializar um pedido para extraditar 46 ex-repressores, e o governo ainda aguarda solicitações da
França -que condenou um ex-repressor à prisão perpétua-, da
Itália, da Alemanha e de Israel.
Kirchner nega que exista um
"clima tenso" com as Forças Armadas e responde: "Nenhum país
do mundo constrói um futuro
deixando de lado o passado, sem
promover justiça. Nos países sérios, justiça é algo permanente.
Na Argentina, lamentavelmente,
a reconciliação nacional é baseada
na impunidade, pois as leis [de
anistia] foram sancionadas para
evitar levantes militares que
ameaçavam o governo civil com
um novo golpe", disse.
O presidente considera a possibilidade de atender aos pedidos
de extradição, mas não esconde a
sua vontade de julgar os ex-repressores dentro da Argentina.
Essa posição conta com o respaldo da população e de organizações de direitos humanos. Pesquisa recente mostra que 65% dos argentinos querem que os ex-militares sejam julgados no país. Outros 25% preferem as extradições.
Motivo: essas pessoas não acreditam que a Justiça local tenha independência suficiente para julgar
esses casos. Eles temem que a impunidade prevaleça.
Pressão
Kirchner faz bom uso político
da falta de credibilidade da Justiça
e a utiliza para pressionar os ministros da Suprema Corte a anular
as leis de anistia. Analistas dizem
que os juízes tendem a acatar o
seu desejo temendo represálias.
Em menos de dois meses de mandato, o presidente já conseguiu
destituir o presidente da Corte
-que tinha fortes ligações com o
ex-presidente Carlos Menem
(1989-1999)- e já deu andamento, por meio de sua influência na
Câmara dos Deputados, a uma investigação que pode resultar na
destituição de outro ministro,
também ligado a Menem.
População e organizações de
defesa dos direitos humanos comemoram e se dizem otimistas
com o que chamam de "renovação institucional" promovida pelo novo governo. Na primeira semana de mandato, Kirchner renovou todo o comando das Forças Armadas e trocou parte da
chefia da Polícia Federal.
Polêmica
A possibilidade de extradição de
militares e ex-militares argentinos
para serem julgados no exterior
tem sido alvo de várias polêmicas
na Argentina. Entre os 46 ex-repressores que estão na lista de extradição que será oficializada nos
próximos dias pela Espanha, pelo
menos 20 alegam que, juridicamente, não poderiam ser julgados
em tribunais no exterior.
A legislação argentina permite a
extradição de qualquer cidadão
que tenha cometido um crime e
cuja custódia seja requerida por
outras nações. A Constituição do
Brasil, diferentemente, só prevê
extradição de brasileiros em casos
de envolvimento comprovado
com tráfico de drogas.
A argumentação adotada pelos
advogados dos ex-repressores
que correm o risco de extradição
está no Código Civil argentino. O
artigo que trata de processos penais diz que nenhuma pessoa pode ser julgada duas vezes pelo
mesmo crime. E muitos dos militares que estão na lista espanhola
já sofrem processos no país. Entre
eles, estão o ex-ditador Jorge Rafael Videla e Emilio Massera. Ambos cumprem prisão domiciliar
pela acusação de roubo de bebês
de desaparecidos na ditadura.
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