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Chefes de guerra, apoiados pelos EUA,
ameaçam estabilização, afirma ONG
DA REDAÇÃO
Em vez de instalar um governo
relativamente forte em Cabul, que
precisaria de grande apoio militar
internacional, as forças lideradas
pelos EUA preferiram deixar que
dirigentes locais tomassem conta
da cena política do Afeganistão, o
que ameaça sua estabilização.
A análise é de John Sifton, autor
do relatório "Killing You Is a Very
Easy Thing for Us: Human Rights
Abuses in Southeast Afghanistan"
(matar você é uma coisa muito fácil para nós: abusos dos direitos
humanos no sudeste do Afeganistão), da organização de defesa dos
direitos humanos Human Rights
Watch, que foi publicado na última segunda-feira.
Leia a seguir sua entrevista, por
telefone, à Folha.
(MSM)
Folha - Seu relatório diz que chefes de guerra estão criando um "clima de medo" no Afeganistão e acusa a comunidade internacional, sobretudo os EUA, de apoiá-los. Como a situação chegou a esse ponto?
John Sifton - Desde o colapso do
regime do Taleban, comandantes
militares afegãos assumiram o
controle das Forças Armadas e do
governo civil. Esses chefes de
guerra também dominam a vida
político-social da sociedade civil.
Isso ocorre em todo o Afeganistão, mesmo em parte da capital.
Vários ministérios civis são
controlados por comandantes
militares, o que ameaça a estabilização política do país. Após a queda do Taleban, o governo dos
EUA demorou demais para perceber a dimensão do problema e,
em seguida, apenas permitiu que
seus aliados locais, que ajudaram
Washington a depor o Taleban,
tomassem conta do governo civil.
Folha - Por que Washington deixou isso ocorrer?
Sifton - De certo modo, foi uma
questão de incompetência e de
falta de preparação para o pós-Taleban. Os EUA não estavam
preparados para conseguir criar
uma força internacional do tamanho necessário para realmente
controlar todo o território afegão,
desprestigiando os grupos que tinham lutado ao lado da coalizão
internacional contra o Taleban.
A Aliança do Norte ajudou os
EUA inicialmente e acabou colhendo os frutos de seus esforços.
Não há dúvida de que os americanos, que lideram a coalizão internacional que permanece no Afeganistão, ainda precisam de ajuda
militar para terminar seu trabalho. O problema é saber até que
ponto Washington permitirá que
esses agentes militares tomem
conta do aparato político do país.
Quando estão no poder, os chefes de guerra tendem a cometer
violações aos direitos humanos.
Eles têm de respeitar os direitos
humanos e não podem tentar
controlar a sociedade civil afegã,
já que isso mina o tecido político-social do país. Eles não devem intimidar inimigos políticos nem
jornalistas, pois isso é contrário
aos preceitos de um regime livre.
Folha - Quem são esses chefes de
guerra que tentam dominar a sociedade civil afegã?
Sifton - O caso mais claro é o do
ministro da Defesa, [Mohammad
Qasim] Fahim, que é o líder da organização político-militar mais
importante do Afeganistão, Shura-e Nazar. Trata-se de uma das
pessoas mais influentes do país.
Outro caso é o do ministro da
Educação, Yunis Qanuni, que era
chefe da segurança da Aliança do
Norte e se tornou o conselheiro de
segurança nacional oficioso do
presidente Hamid Karzai.
Folha - Não foi ingênuo imaginar
que seria possível mudar um quadro que é tão enraizado no país?
Sifton - É verdade que a sociedade afegã tem uma tradição de comandantes militares locais ou regionais. Todavia não creio que seja ingênuo crer em mudanças.
Inocentes foram aqueles que pensaram que seria possível mudar
esse quadro a curto prazo.
Quando um país é invadido e
seu governo é deposto, as forças
invasoras têm enormes responsabilidades e grandes oportunidades no que se refere a constituir
uma nova administração, sobretudo num país que, tradicionalmente, não é dominado por atores políticos centralizadores.
O problema é que, em vez de
instalar um governo relativamente forte em Cabul, que precisaria
de grande apoio militar internacional, as forças lideradas pelos
EUA preferiram deixar que dirigentes locais tomassem conta da
cena política. O Taleban ganhou
força na década de 90 porque a
população estava cansada do caos
criado pelos conflitos entre chefes
de guerra, muitos dos quais estão
hoje no poder, no Afeganistão.
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