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Chinês faz sucesso ensinando inglês entre gritos e bordões
Método, apelidado "Crazy English", já foi usado por ao menos 20 milhões de pessoas
Li Yang, 39, dá aulas para até 30 mil compatriotas ao mesmo tempo; lições duram o dia inteiro, mas resultados práticos são questionáveis
RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A QINGYUAN
Uma longa fila se organiza
para a chamada oral matinal.
Só após pronunciar corretamente algumas frases em inglês é que os alunos têm direito
a tomar o seu café da manhã.
No almoço, no jantar e antes
de dormir, o pequeno teste se
repete: professores organizam
dezenas de alunos em filas, e os
garotos precisam gritar seu texto já decorado. A fome pode esperar enquanto houver escorregões na pronúncia.
A colônia de verão "Crazy
English" (inglês louco) atraiu
600 estudantes de toda a China. Estuda-se inglês das sete da
manhã às dez da noite, com
pausa para uma soneca de uma
hora após o almoço.
A grande atração é Li Yang,
39. Mais popular professor de
inglês da China, ele criou o
"Crazy English", um método de
aprender inglês literalmente
gritando, que já vendeu 20 milhões de livros, CDs e DVDs no
país. Exagerado, ele disse à Folha que seu material já foi usado por 100 milhões de chineses.
Com suas aulinhas de inglês,
Li virou celebridade. Dá cursos
ao ar livre para grupos de 20
mil a 30 mil pessoas de uma vez
e até ministrou uma aula em
plena Muralha da China para
soldados do Exército. Ele pode
faturar o equivalente a R$ 250
mil em uma única dessas aulas
para multidões.
"Durante décadas, ouvimos
que o inglês era o idioma do capitalismo e do império, mas hoje sabemos que o inglês é o idioma das oportunidades", diz.
Até os anos 70, o russo era o segundo idioma ensinado nas escolas, graças à afinidade ideológica com a União Soviética.
Hoje, de caixas de supermercado a motoboys, é comum ver
pessoas bem simples tentando
praticar o inglês com estrangeiros. Há 400 milhões de chineses estudando inglês, mas a
maioria não consegue falar
quase nada.
"Não decepcione seu país"
É em ação que o carisma de
Li se revela. Se o padre Marcelo
Rossi abandonasse a batina para dar aulas de inglês com seu
fervor, não seria muito diferente do que é Li no palco. Até professor de cursinho no Brasil
perde.
Li pula, faz grandes gestos
com as mãos tentando explicar
as vogais do inglês.
"Chaaaaaaange, cuuuuuuuulture", exclama. Os alunos repetem as frases, que geralmente
misturam auto-ajuda com nacionalismo chinês.
"Não decepcione o seu país",
"Eu quero espalhar a cultura
chinesa pelo mundo", "Crazy
English mudou minha vida e
me deu confiança" são entoadas em inglês à exaustão.
No refeitório, nos corredores
e nos dormitórios da escola
particular alugada para o curso
intensivo, há fotos de Li espalhadas por todos os cantos. As
legendas são mantra motivacional: "Aperfeiçoar totalmente o inglês é a melhor forma de
amar o seu país" e "A maior
honra é superar dificuldades".
Fanatismo
Alunos choram e dão depoimentos no palco, relatando como o inglês mudou suas vidas, o
que reforça o clima religioso da
aula. Adolescentes mais assanhadas quebram o rigor do momento, tirando fotos de Li Yang
e dos atléticos professores australianos, que são facilmente
confundidos com surfistas.
Todos brandem suas apostilas ao alto, como os chineses faziam no passado com o Livro
Vermelho, repleto de citações
do ditador Mao Tse-Tung
(1949-1976) durante a Revolução Cultural -um dos momentos mais violentos da história
da China, quando dissidentes
eram perseguidos.
Tais rompantes são criticados no país, até pela imprensa
oficial. Após publicar uma foto
em que centenas de estudantes
se ajoelharam com a cabeça no
chão, em sinal de "gratidão" aos
professores, 270 mil comentários foram postados em seu
blog -a maioria criticava o "fanatismo religioso" inculcado
aos alunos.
Professores menos conhecidos também atacam a eficácia
do método. Argumentam que
melhorar a pronúncia e dar
confiança só funciona a quem
já tem certo nível de conhecimento do idioma. Também dizem que, para iniciantes, pode
se limitar bordões decorados
em muitos decibéis.
Uma das empresas de Li
Yang - ele tem uma equipe de
400 funcionários - foi contratada no ano passado pelo Comitê Organizador da Olimpíada
de Pequim para treinar 100 mil
voluntários. Mas ainda é raridade encontrar nas instalações
olímpicas alguém que vá além
do "welcome to Beijing".
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