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ESTRANHOS NO PARAÍSO
Dizendo que "risco é pequeno", aliciadores anunciam em jornal e prometem "pacote" que inclui suborno
"Entrada" nos EUA custa US$ 8.500 em Goiás
ADRIANA CHAVES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM GOIÂNIA
Casos de deportações em massa
e prisões e morte de brasileiros na
fronteira do México com os EUA
não inibiram a ação de agenciadores em Goiás, Estado com um
dos maiores contingentes de brasileiros deportados pelos americanos nos últimos anos.
Os agenciadores continuam organizando a viagem aos EUA de
pessoas sem visto oficial e chegam
a anunciar seus serviços nos jornais. A Polícia Federal afirma não
ter como coibir a ação deles porque o crime de entrada ilegal
ocorre fora do país, já no México.
Em geral, os anúncios nos classificados dos jornais têm menos
de cinco linhas e apenas um telefone celular de contato. São cifrados. Falam em "viagem ao exterior", por exemplo, nunca em
"emigração" para os EUA.
Por telefone, os agenciadores
prometem assessoria completa e
os melhores preços para quem
deseja ir para o exterior. Dizem
que detalhes só são fornecidos
após contato pessoal.
A Agência Folha procurou um
desses serviços para saber como
funciona o esquema de travessia
ilegal para os EUA. Foram feitos
dois contatos telefônicos e foi
marcado um encontro pessoal.
A repórter usou nome falso e se
apresentou como simples interessada no "esquema", dizendo ter
tido o visto oficial negado pelo
Consulado dos EUA três vezes.
Logo no início da conversa, o
agenciador Agnaldo (nome fictício) informou que o pacote completo para entrar em território
americano ficaria em US$ 8.500.
O valor inclui "pedágios" pagos
à polícia mexicana. "Metade do
dinheiro é paga no Brasil, e o resto, depois de atravessar a fronteira."
A viagem toda leva pelo menos
quatro dias. Além do trajeto propriamente dito, há paradas em
hotéis ou casas no meio do caminho para descansar e esperar trocas de fiscalização.
Por cerca de US$ 1.000 a menos,
o interessado pode fazer parte do
trajeto a pé, mas os riscos, de
acordo com o agenciador, são
maiores. "A diferença é pequena,
e a pessoa tem de andar mais de
meia hora por um lugar que é
quase um deserto."
Segundo Agnaldo, o interessado parte de Goiânia para a Cidade
do México em vôo comercial. De
lá, segue para Santillo num vôo
fretado, com no máximo dez passageiros. Ao chegar à cidade mexicana perto da fronteira com os
EUA, Agnaldo disse que a pessoa
que acompanha o grupo desde o
Brasil é substituída, e o percurso
tem continuidade de carro.
Já quase na fronteira, segundo
ele, o grupo é dividido. Dois
"coiotes" (pessoas que transportam ilegalmente imigrantes), um
argentino e um americano, se revezam para passar pela fronteira,
via Texas. Cada um leva duas pessoas por vez, de carro, e passa por
uma ponte -provavelmente sobre o Rio Grande, mas ele não disse o nome do rio.
Depois, há um trecho em que,
segundo ele, é preciso passar a pé
por um rio. "A pessoa só precisa
andar uns cinco minutos para
atravessar um rio, mas a água não
chega nem ao joelho. Tem risco?
Tem, mas é pequeno", disse ele.
O destino, a partir daí, é Houston, no sudeste do Texas, já a cerca de 500 km do México.
Para o agenciador, a passagem
pelo Texas é "mais garantida".
"Perigoso é ir pelo deserto [Arizona]. Eu fazia essa travessia antes,
mas é muito arriscada. Aquilo
que a gente viu pela TV no começo do ano (...), aquelas pessoas
que foram presas e deportadas
passaram por lá."
Mesmo que a pessoa seja detida,
de acordo com Agnaldo, a deportação é feita automaticamente
dentro de poucos dias. O
agenciador
contou que já
foi preso no
Arizona, logo
que começou a
organizar esse
tipo de travessia ilegal, e outras duas vezes
no Texas.
"A prisão no
Texas não é como no Arizona. É um galpão amplo, tem até quadra de tênis. É
praticamente um hotel. Tem três
refeições, e as pessoas podem andar livremente lá dentro. Só não
podem sair", afirmou.
Agnaldo aconselha as mulheres,
se forem presas, a dizer que estão
grávidas. Segundo ele, os policiais
soltam mulheres nessa condição.
A procura é tão grande, segundo Agnaldo, que os grupos são
formados com intervalos médios
de apenas dez dias. Uma turma
sairia nos próximos dias.
Além da travessia pelo México,
o agenciador oferece o passaporte
europeu "verdadeiro", que
não requer visto, como opção
para quem deseja viver nos
EUA. Ele afirma conseguir
retirar o documento com autoridades espanholas, sem dizer quais, em
quatro dias.
Agnaldo
também se encarrega da documentação que
comprova a ascendência européia, mesmo para quem não tem.
A operação custa US$ 8.000, e o
embarque para os EUA é feito por
Buenos Aires. A passagem para a
Argentina não está incluída.
Os EUA não são o único destino
dos goianos. Países como Espanha, Portugal, Reino Unido e Bélgica também encabeçam a lista
dos preferidos.
"Tem muita gente me procurando para ir para a Europa, principalmente mulheres. Mas, nesse
caso, é mais para prostituição",
disse Agnaldo.
Como não há necessidade de
visto, os gastos são basicamente
com a passagem, a indicação de
lugares para trabalhar e a orientações para passar pelo Departamento da Imigração.
São necessários, no mínimo,
2.000, além do eventual custo do
passaporte europeu.
O agenciador contou ter intermediado a negociação de duas
goianas dispostas a se prostituir
na Europa com uma agência espanhola. Nesse caso, a agência arca com as despesas, e as mulheres
são forçadas a trabalhar para ela,
como forma de pagar a dívida.
"Eu nunca tinha feito isso antes,
mas, como elas me procuraram,
entrei em contato com uma agência na Espanha e arrumei para
elas viajarem. As brasileiras são
muito procuradas nesses países.
Além de mais bonitas que as européias, são mais carinhosas."
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