São Paulo, domingo, 04 de julho de 2004

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VENEZUELA

"Amores de Barrio Adentro" conta a história do romance entre uma estudante chavista e um jornalista indeciso

Novela é a nova arma de Chávez para vencer plebiscito

Divulgação
Cena da novela "Amores de Barrio Adentro", arma chavista para vencer o plebiscito de agosto


FABIANO MAISONNAVE
DA REDAÇÃO

Lucinda Nuñez, uma bela estudante de sociologia e militante chavista, está apaixonada pelo jornalista Alfonso Villanova, mas o namoro enfrenta um grave problema: o rapaz é um despolitizado, um "ni-ni" (ni una cosa ni otra, na gíria venezuelana).
As diferenças políticas, razoavelmente administráveis em tempos de paz -ressalte-se que o namorado não é da oposição-, se transformam em dilemas shakespeareanos em meio às greves, aos golpes de Estado e às mortes nas ruas da convulsionada Venezuela do presidente Hugo Chávez.
Os dilemas de Lucinda e Alfonso estão no centro da recém-lançada minissérie "Amores de Barrio Adentro". A superprodução, transmitida pela TV estatal VTV, é mais uma das armas da campanha de Chávez para vencer o plebiscito convocado pela oposição que pode tirá-lo do poder no dia 15 de agosto -faltam somente cinco semanas.
"A minissérie propõe, por meio dos recursos da telenovela, uma exploração profunda da atual circunstância histórica em que vive a Venezuela", explicou à Folha a produtora Tahiri Diaz.
Segundo ela, a história se passa em dois bairros de Caracas -um pobre e chavista e outro de ricos "esquálidos", como Chávez pejorativamente rotula os oposicionistas- e envolve diversas histórias paralelas, exigindo um núcleo de 40 atores. O orçamento não foi divulgado pela VTV.
Assim como na brasileira "Celebridade", também há convidados interpretando a si próprios. No primeiro capítulo, tiveram pontas o deputado Tarek William Saab e a líder chavista Lina Ron.
Até agora, Chávez não fez nenhuma aparição na trama. Questionado pela Folha sobre uma eventual pontinha presidencial, o presidente da VTV, Vladimir Villegas, desconversa: "Não sei".
A propaganda oficial está até no título. "Barrio Adentro" é o nome de um programa social de Chávez que instalou cerca de 10 mil médicos cubanos nas regiões mais pobres do país, sob duras críticas da oposição.
Apesar da polarização política do país, Villegas, que já foi embaixador no Brasil, diz que a história não se divide entre o bem e o mal: "Não há personagens bons ou maus, são personagens que vivem em suas próprias circunstâncias. Os que nós chamamos de "esquálidos" serão bons para uns e maus para outros", disse à Folha. (Tanto no espanhol quanto no português, "esquálido" significa sórdido, asqueroso, macilento.)
Villegas, no entanto, nega o óbvio vínculo com a campanha eleitoral. "Estamos trabalhando há muito tempo. Quando o plebiscito foi confirmado, já havia dez capítulos", disse.

Audiência
Atualmente, a minissérie é exibida uma vez por semana e está chegando ao terceiro capítulo -a meta é acelerar e exibir até três episódios a cada sete dias. Ainda não há previsão de quantos capítulos a minissérie terá.
Segundo o governo, a minissérie já se converteu numa campeã de audiência: o segundo capítulo, na última quarta-feira, teve uma audiência média de 24 pontos, um a mais do que a líder Venevisión, de propriedade do empresário Gustavo Cisneros, arquiinimigo de Chávez.
"Até a oposição está vendo", arrisca Villegas. "Esperamos inclusive que um político da oposição apareça." Quem? "Não, é uma surpresa", desconversa de novo.
Como de praxe, a oposição diz o contrário. "O canal do Estado tem uma audiência que não chega a 4% do país. O governo vive mentindo", disse o deputado oposicionista Julio Montoya, um ex-aliado de Chávez.
"Parte do motivo pelo qual a população quer revogar o mandato de Chávez é pelos abusos na utilização de todos os níveis do Estado venezuelano. Ele usa a VTV como se fosse seu canal privado", acusa o deputado do MAS (Movimento ao Socialismo).
Mas a intensa campanha oposicionista das TVs privadas não justifica a minissérie? "A única coisa que Chávez tem feito é agredir os meios de comunicação venezuelanos. E, obviamente, a agressão teve como resposta uma mobilização democrática de todos os meios", responde Montoya.
O deputado também critica Barrio Adentro -não a novela, que diz nunca ter visto, mas o uso de médicos cubanos: "É um instrumento de ideologização e não usa os 8.000 médicos venezuelanos desempregados no país".


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