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CIDADANIA GLOBAL
Richard Falk propõe um novo Parlamento para tornar mais democrático o sistema político mundial
Jurista quer criação de assembléia dos povos
Associated Press - 3.ago.2001
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Manifestantes em Frankfurt protestam contra a deportação de estrangeiros ilegais com faixa que diz: "Esmaguem as fronteiras" |
DA REDAÇÃO
O professor de direito internacional da Universidade de Princeton Richard Falk, 71, é um dos
maiores especialistas do mundo
em direitos humanos. Já escreveu
mais de 20 livros e é consultor da
ONU sobre o assunto.
Em 1994, no ensaio "The Making of Global Citizenship" (a
construção da cidadania global),
ele identificou cinco tipos de cidadãos globais -o homem de negócios transnacional, o cidadão
supranacional, o reformador e o
administrador globais e o ativista
internacional - e
cunhou os termos "globalização
de cima para baixo" e "globalização de baixo para cima".
Na semana passada, Falk falou à
Folha, por telefone, de sua casa
em Princeton (Nova Jersey), sobre o que ocorreu com os cidadãos globais nos últimos oito
anos, especialmente após 11 de setembro. Ele também explicou o
que seria a "assembléia global dos
povos" que propõe.
Leia, a seguir, os principais trechos.
(MARIA BRANT)
Folha - Em 1994, o sr. escreveu
um texto classificando os cidadãos
globais em cinco categorias. Elas
permanecem? O que mudou?
Falk - Essas categorias continuam a refletir diferentes tendências na vida internacional, mas o
impacto de 11 de setembro empurrou os ativistas, por exemplo,
para o pano de fundo político. A
situação fundamental não mudou, mas a atmosfera geopolítica
é diferente. A agenda da segurança é mais importante do que era
nos anos 90, e a reação dos EUA a
11 de setembro enfatizou preocupações diferentes com a cidadania. Isso criou um "revival" de nacionalismos muito tradicionais e
patriotismos territoriais que representavam o tipo de cidadania
ligada ao Estado nacional. Mas há
uma tendência oposta derivada
do entendimento de que o terrorismo mina a importância de
fronteiras nacionais. E que, portanto, uma reação adequada a ele
tem de ser coletiva.
Folha - A cientista política britânica Mary Kaldor diz que se a sociedade civil não assumir uma posição
contrária ao terrorismo, vai perder
importância. O que o sr. acha?
Falk - Essencialmente, concordo. Tanto o terrorismo como a
reação exagerada dos EUA pedem um movimento unificado de
resistência dentro da sociedade
civil. Mas tem de ser um movimento que não enfatize tanto
quanto os anteriores questões
ambientais e econômicas específicas, que olhem de forma mais geral para a necessidade de se criar
um sistema mundial democrático, justo e sustentável. Poderíamos chamá-lo de um movimento
pós-moderno da sociedade civil.
Folha - O sr. defende a idéia de
uma assembléia global dos povos.
O que seria essa instituição?
Falk - A idéia básica é encontrar
alguma representação institucional para os povos do mundo que
não dependa de governos atuando em nome do povo. Mas não há
uma fórmula. Parte do processo
democrático seria dar à assembléia sua forma e estrutura.
Folha - Sobre o que legislaria?
Falk - Ela começaria de forma
bastante modesta, como um órgão para formar consensos, sem
nenhuma autoridade legislativa.
Gradualmente, passaria a assumir
um papel legislativo mais tradicional, conforme aumentasse sua
influência e estabelecesse seu
prestígio e reputação. A experiência européia é útil: o Parlamento
Europeu foi por muitos anos tratado como algo quase inútil, mas,
por meio de sua persistência e da
percepção de que era importante
equilibrar a integração econômica com a integração política, ele
adquiriu algum poder real para
moldar as políticas européias.
Folha - Ela seria ligada à ONU?
Falk - O ideal seria tê-la dentro
da estrutura da ONU. Mas se os
Estados poderosos resistissem a
essa iniciativa -o que é provável
em um futuro próximo-, acho
que ela poderia, ao menos no começo, ser instituída como uma
presença institucional independente. Ela poderia ser criada por
um tratado de Estados-membros
fundadores que estabeleceriam
um mínimo de, digamos, 30 Estados ratificando o tratado para que
ela passasse a existir. Um pouco
como o TPI (Tribunal Penal Internacional), que foi estabelecido
por um tratado que passou a existir quando 60 países o ratificaram.
Folha - Mas os Estados concordariam em ratificar uma instituição
que governaria sobre eles?
Falk - Há muitos governos que
sentem que é importante estender
o governo da lei e da democracia
para um cenário global. E uma
instituição como essa não seria
necessariamente muito ameaçadora a muitos governos. Na verdade, daria a eles mais uma forma
de expressarem suas insatisfações
sobre a forma pela qual o mundo
é organizado. Também acho que
muitos governos prefeririam que
expressões de oposição às políticas globais ocorressem dentro de
uma estrutura mais ordenada e,
portanto, não se importariam
com a existência dessa assembléia
como uma forma de expressar e
satisfazer essa pressão por um sistema mundial mais democrático.
Ela seria ameaçadora principalmente para os atores geopolíticos
do sistema. Os EUA e a China, por
exemplo, não aceitariam essa iniciativa de bom grado.
Folha - E qual seria o poder real
de uma instituição internacional
não reconhecida pelos EUA?
Falk - É preciso testar essa resistência dos EUA. Não é algo que
continuará indefinidamente.
Acho que é provável que ocorra
uma reação dentro dos EUA a esse unilateralismo associado ao governo Bush. É claro que ter o
apoio dos EUA ajudaria, mas não
acho que nesse momento seja necessariamente fatal ter sua oposição. Em outras palavras, concretizar uma iniciativa como essa é
melhor do que nada. Isso permitiria às pessoas aqui nos EUA que
gostariam de ver um sistema
mundial mais democrático fazerem pressão sobre seu próprio governo para que fosse mais participante nesse processo.
Folha - Com que tipo de questões
essa assembléia lidaria?
Falk - Certamente lidaria com
essas questões. A agenda seria definida pelos participantes. Naturalmente, questões como os direitos humanos, o ambiente, o perdão da dívida, as barreiras comerciais, o FMI, o Banco Mundial, estariam no centro das atividades
de uma instituição como essa.
Folha - Como o sr. relaciona a simultânea ascensão da direita e os
altos níveis de abstenção eleitoral
na Europa e o crescente interesse
por política e ativismo globais?
Falk - Em momentos de transformações básicas no sistema
mundial, há reações contraditórias. Um conjunto de reações tenta reviver as formas mais rígidas
do velho sistema e outro tenta gerar a base para um novo sistema.
Folha - O sr. concorda com a afirmação de que há uma perda de fé e
de esperança na política nacional?
Falk - Sim, definitivamente. O
velho sistema não está funcionando para um grande número de
pessoas. Uma minoria tenta encontrar um novo sistema, e outra
tenta voltar ao velho sistema. Mas
a maioria está desencantada e não
participa. Isso certamente é verdadeiro nos EUA, onde houve um
fracasso da democracia representativa e os dois partidos políticos
são incapazes de dar escolhas políticas aos cidadãos.
Folha - O sr. inventou em 1994 os
termos "globalização de cima para
baixo" e "globalização de baixo para cima". Desde então, os esforços
da "globalização de baixo para cima" produziram resultados?
Falk - Mais uma vez, o 11 de setembro foi muito importante,
pois até certo ponto interrompeu
esses esforços e um crescente movimento que combatia a injustiça
produzida pela globalização.
Folha - Mas e até 11 de setembro,
houve progresso?
Falk - É difícil dizer, porque era
difícil distinguir entre ajustes
reais no sistema e esforços de relações públicas para convencer as
pessoas de que os que operavam
dentro da estrutura da "globalização de cima para baixo" estavam
agindo de forma responsável. É
muito difícil avaliar, mas acho
que era um movimento crescente
que estava se tornando mais consciente de si, mais unificado, que
estava enfatizando objetivos reais
de reforma global. E acho que havia um número crescente de pessoas no mundo corporativo e financeiro e político que viam como algo necessário elaborar algum tipo de acomodação.
Folha - Como o sr. vê o futuro desses movimentos?
Falk - É difícil prever o futuro
agora. O que discutimos antes, sobre movimentos da sociedade civil se tornarem mais unificados e
focalizados na democracia é provavelmente uma tendência positiva. Mas se isso se traduz em resultados políticos na presente atmosfera global não está nem um
pouco claro para mim. Estamos
em um momento em que é preciso esperar e ver se surgirá um novo período de ativismo político e a
criatividade para achar formas de
exercer influência efetiva.
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