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INTEGRAÇÃO
Aprendizado não é unilateral, segundo Chissano, que participou de reunião com Fernando Henrique Cardoso
Experiência brasileira ajuda Moçambique, diz presidente
PAULO DANIEL FARAH
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Entre Brasil e Moçambique, há
uma identidade cultural muito
maior do que com Portugal, e Maputo vem aprendendo com o país
a desenvolver sua agricultura e a
combater a Aids. A afirmação é
do presidente Joaquim Chissano,
62, para quem o aprendizado não
é unilateral. Negros brasileiros
quiseram saber da experiência de
Moçambique porque "achavam
que deveriam participar mais do
poder, da economia".
Folha - O que une o Brasil a Moçambique além da língua?
Chissano - Temos uma identidade cultural muito maior do que
com Portugal. Temos no Brasil
muita presença africana. A própria natureza é semelhante. Se eu
quiser falar da agricultura, não
preciso de grandes adaptações. O
Brasil produz caju, e eu estou
aprendendo a produzir caju com
as experiências brasileiras. Essas
semelhanças climáticas, da natureza, dos solos e das pessoas são
muito importantes. Já tive uma
reunião com negros brasileiros
em Salvador e eles queriam saber
da experiência de Moçambique,
da revolução, porque os negros
aqui achavam que deveriam participar mais do poder, da economia etc. Falei com pessoas que tinham todas as características para ser moçambicanas.
Houve um tempo em que se
sentia uma certa tensão aqui e
acolá. Hoje não está tudo completo, mas se avança para um maior
sentido de irmandade. Dizia-se
"Aqui não há nenhum branco
que não tenha sangue negro",
mas o comportamento não correspondia a isso. Hoje eu me sinto
melhor no Brasil que antes.
Folha - O sr. é a favor de ações
afirmativas em universidades?
Chissano - Sou contra processos
que exacerbam a diferença.
Folha - Que tipo de cooperação há
entre os dois países?
Joaquim Chissano - Começamos
lentamente, mas já temos um número de estudantes que começa a
significar algo no Brasil. Temos
estagiários, sobretudo na área
agrícola, que começam a fazer diferença na produção em nosso
país. E temos um apoio considerável na capacitação institucional.
Vamos expandir a cooperação, na
área da investigação, da informática. Na área da saúde, sobretudo
no combate à Aids, estamos a colher experiências do Brasil.
Folha - A Aids é um dos principais
problemas da África, onde se concentram 70% dos casos mundiais.
O que Moçambique está fazendo
como prevenção e tratamento?
Chissano - Criamos um conselho
nacional que coordena o trabalho
e compreende elementos do governo e da sociedade civil. Os vários setores do governo assumem
compromissos muito concretos, e
o empresariado nacional e estrangeiro participa do programa. O
acento tônico é posto na prevenção. Há ainda a parte curativa, da
mitigação dos efeitos da doença.
Folha - Falta o Brasil perdoar 5%
da dívida externa moçambicana.
Há algum sinal nesse sentido?
Chissano - Creio que haja problemas técnicos. É preciso ter capacidade para poder perdoar e é
preciso que os brasileiros queiram isso. Esses 5% representam
muito pouco em relação à dívida
que o Brasil tem. Capacitar Moçambique trará benefícios mútuos. Há um retorno indireto que
pode vir com o perdão da dívida.
Hoje, há muito investidor que
vem a Moçambique para grandes
investimentos e que provém de
países que já perdoaram a dívida e
que certamente vão ter retorno.
Folha - O FMI elogiou Moçambique no último dia 9 pela recuperação econômica após as cheias de
2000/2001 (as piores dos últimos
50 anos), e a previsão de crescimento do PIB é de 9%. A que o sr.
atribui esse desempenho? O sr.
vem de um partido originalmente
de linha marxista. Pode-se conciliar uma economia de mercado com
uma ênfase no social?
Chissano - Não tenho uma fórmula que possa vender ou emprestar. O fato de nós termos nos
empenhado nessa linha socialista
ou marxista em tentar resolver os
problemas sociais nos ajuda a ver
que é necessário primeiro fazer
crescer a economia para termos
os meios com que viabilizar um
programa. Como partido socialista, o bem-estar do povo é o mais
importante, mas precisamos criar
os meios. Isso só pode ser feito
através do crescimento econômico. Temos conseguido manter
um certo equilíbrio. Temos muito
desemprego, mas estamos a fazer
esforços para criar programas de
investimento capazes de absorver
os desempregados. Assim, estamos a desenvolver o turismo. A
atividade açucareira estava paralisada e nós tivemos uma grande
negociação com o FMI e o Banco
Mundial para revitalizarmos a indústria açucareira.
Folha - A desnutrição é um problema grave em Moçambique, que
afeta 54% da população, segundo
a ONU. E o país (com outros da África subsaariana) ocupa a 170ª posição no Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) da ONU. O que está
sendo feito para combater a fome?
Chissano - Incentivamos uma
produção diversificada e tentamos levar ao conhecimento do
camponês as formas de utilização
dos produtos que tem para sua
alimentação. Há muitos produtos
que existem e cuja utilização,
quando malfeita, provoca desnutrição. Temos um atraso na pecuária por causa das várias calamidades, da guerra etc. Hoje estamos a repovoar o país com o gado, com a piscicultura. Iniciamos
uma experiência-piloto na Província de Manica. Começamos há
pouco tempo e há uma população
que produz o seu próprio peixe
sem depender do rio ou do mar.
Isso melhora a qualidade de seus
alimentos. E estamos a produzir
mais cereais. Temos auto-suficiência quase total em milho, exceto com a seca, que afeta mais de
600 mil pessoas. E temos um programa para aumentar a produção
de arroz e em pouco tempo chegarmos à auto-suficiência.
Folha - O que o sr. pensa dos
transgênicos?
Chissano - Promulgamos uma
lei que proíbe a importação desses produtos geneticamente manipulados por causa da controvérsia. Aguardamos aquilo que os
cientistas vão nos dizer, se sim ou
não. Os EUA estão quase certos
de que não há perigo, mas o Brasil
está a fazer as suas experiências.
Estamos a acompanhar e estamos
dispostos a alterar a lei para permitir a importação, mas neste
momento nós não estamos a aceitar esses produtos no nosso país.
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