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Biografia do extremista
é igual à de milhões
DA REPORTAGEM LOCAL
Um homem que em duas semanas assistiu a construção de uma
inédita "unanimidade republicana" contra sua pessoa tem ao menos o mérito da coragem e de saber apanhar com um certo desprendimento político. Jean-Marie
Le Pen, 73, beneficiou-se de uma
brecha na divisão das esquerdas e
da alta abstenção do primeiro turno para obter uma visibilidade
mundial pela qual certamente
não esperava. Mas há muitos anos
ele já trabalhava para isso.
Os 16,86% dos votos que obteve
estavam na lógica da progressão
de sua candidatura em disputas
anteriores. Em 1974, recebeu 0,7%
dos votos. Chegou a 15,1% em
1995. Catalisou o crescimento de
uma certa idéia excludente de
França que germinava junto a
uma minoria que hoje corresponde a um quinto dos franceses.
É justamente onde mora o perigo, segundo a esquerda e a direita
tradicionais. A biografia desse
bom orador de cabelos grisalhos,
casado pela segunda vez, três filhas e nove netos, é parecida com
a de milhões de franceses. Nasceu
pobre na empobrecida Bretanha,
última região do país a se industrializar e a usufruir das comodidades do século 20. Descende de
agricultores e pescadores.
Diplomou-se em direito e em
ciências políticas pela Universidade de Paris. Ganhou sua primeira
projeção como dirigente da federação amadora de rugby. Obteve
também certa notoriedade ao
coordenar brigadas estudantis
que socorreram em 1953 as vítimas de inundações na Holanda.
Le Pen participou das duas
aventuras bélicas do colonialismo
francês nos anos 50. Foi pára-quedista na Indochina (atual Vietnã),
sem combater. Chegou com o
uniforme da Legião Estrangeira
quando o Exército colonial já havia sido derrotado na decisiva batalha de Dien Bien Phu. Foi em seguida voluntário na Guerra da Argélia. Os independentistas da
Frente de Libertação Nacional, ao
fim vitoriosos, representavam para a direita francesa um feixe de
atributos pejorativos: pregavam o
socialismo, rompiam com a lógica da superioridade da civilização
do cristão europeu e ainda privariam a metrópole de uma colônia
com a qual ela estaria presente nas
duas margens do Mediterrâneo.
Aos 27 anos Le Pen se elegeu deputado pelo grupo conservador
ligado a Pierre Poujade, xenófobo
e nacionalista, partidário de um
capitalismo baseado nas pequenas empresas das quais o Estado
não "sugaria" o produto do trabalho sob a forma de impostos
"abusivos". Seria o primeiro dos
três mandatos de deputado -os
outros foram em 1948 e 1986.
Le Pen abriu sua própria empresa, uma pequena editora de
discos, que imprimia gravações
patrióticas ou de fascículos com
hinos ou discursos históricos. Ele
disse certa vez que não foi dessa
atividade que sobreviveu ou por
meio da qual comprou sua confortável casa num condomínio
em Saint-Cloud, ao lado de Paris e
de frente para o rio Sena. Viveu de
doações de simpatizantes de seu
movimento.
Le Pen rejeita a pecha de racista.
Mas é inegável que, por trás do
slogan "Os franceses em primeiro
lugar", existe um projeto discriminatório de fundo racial.
Em seus comícios, era frequente
a afirmação "Eu adoro os estrangeiros", seguida de uma pausa,
para a complementação do pensamento: "No país deles".
Uma das características da extrema direita francesa, que nasceu
de forma agressiva no século 19 e
que nunca deixou de existir no século seguinte, está na crença de
que a nação vive sob constante
ameaça. É preciso protegê-la da
globalização, das instituições européias, dos imigrantes estrangeiros, dos hambúrgueres e de modismos culturais importados.
Le Pen cresceu à custa dessa
simplificação. Curiosamente -e
são os mapas eleitorais que o demonstram-, em cima de um
eleitorado de baixa escolaridade
que no passado se orgulhava de
votar no Partido Comunista.
Autor de cinco livros, controlador de um partido que possui imprensa regional, colônia de férias
para jovens militantes e ramificação sindical na polícia, ele reiterou durante a campanha o projeto de fundar uma "Sexta República" (a França está na quinta, desde 1958), em que temas essenciais
à nacionalidade, como a expulsão
dos imigrantes, seriam decididos
em sucessivos referendos.
(JBN)
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