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Para filósofo Claude Lefort, direita deve "tomar consciência" e evitar aliança com extrema direita
"Perigo lepenista pode recuperar política"
Associated Press
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Peça de campanha de Le Pen, imitando uma carta de baralho |
DE PARIS
Para o filósofo Claude Lefort,
um dos principais pensadores políticos da atualidade, não está descartada a hipótese de a direita
francesa vir a "se organizar" no
futuro com a extrema direita de
Jean-Marie Le Pen. "Esperemos
que a direita tome consciência de
que ela própria está ameaçada pela extrema direita e produza uma
distância", diz.
Lefort também tem dúvidas de
que a direita fosse dar seus votos
para o socialista Lionel Jospin, caso o embate atual das eleições
francesas se desse entre ele e Le
Pen. Para conter a extrema direita, os partidos de esquerda, quase
sem hesitação, pediram aos seus
simpatizantes que votassem em
Jacques Chirac (centro-direita).
Autor de importantes obras do
pensamento político, como "Elementos de uma Crítica da Burocracia" (1971) e "A Invenção Democrática" (1981), Lefort foi discípulo do filósofo Maurice Merleau-Ponty e participou da fundação do grupo de esquerda Socialismo ou Barbárie, dedicado à crítica do totalitarismo comunista.
Na década de 50, deu aulas na
Universidade de São Paulo.
Na entrevista a seguir, feita em
seu escritório na Escola de Altos
Estudos em Ciências Sociais, da
qual é diretor de estudos emérito,
Lefort falou sobre as causas do
avanço de Le Pen na França e sobre os riscos que ele representa
para a democracia européia.
(ALCINO LEITE NETO)
Folha - Na sua opinião, o que permitiu a chegada da extrema direita
ao segundo turno das eleições?
Lefort - Ninguém esperava esse
fenômeno, foi uma enorme surpresa. Como compreender as
causas? Antes, não se pode esquecer de que Le Pen já havia feito
15% nas eleições de 1995. Ou seja,
o movimento de extrema direita
existe há muito tempo na paisagem francesa. Segundo, o sentimento de insegurança é um fato.
As agressões, os pequenos roubos
e a incivilidade se aceleraram nos
últimos anos. Faço um parênteses
para dizer que a insegurança que
reina na França é sem medida de
comparação com a que existe em
São Paulo. Mas os franceses se revolvem contra perigos que são, de
certo modo, característicos da vida nas grandes metrópoles.
A isso se ajunta a exploração
que é feita da insegurança pela pela mídia, dia após dia, alimentando as pessoas com tragédias de todo tipo. A exploração do tema pelo candidato principal, Jacques
Chirac, e também pelo candidato
socialista (Lionel Jospin), acabou
transformando a insegurança no
problema número um da política
francesa. Não resta dúvida de que
isso deu credibilidade ao discurso
de Le Pen, que há muito tempo é
feito em nome da ordem e do restabelecimento da ordem, com sua
crítica da democracia como uma
sociedade turbulenta, onde a autoridade desaparece em todos os
níveis, seja familiar ou político.
A terceira causa é que, de fato,
está se operando na França há
anos uma cisão entre a massa dos
que têm trabalho e gozam de estabilidade, embora não sejam ricos,
cerca de quatro quintos da sociedade francesa, e a outra parte das
pessoas, que são sem trabalho e
vivem na precariedade. Essa condição toca particularmente os jovens, que não podem se integrar
no processo de produção econômica e aqueles que foram expulsos dele. Chirac venceu nas últimas eleições sob o tema que ele
desenvolveu de "fratura social".
Excelente imagem: há uma fratura social. Mas não é a mesma fratura do passado, de classes, entre
o proletariado e a burguesia. É a
que existe entre os que estão socializados, graças ao seu trabalho,
e aqueles que são ligados a empregos muito mal remunerados ou
que estão desempregados. O mais
importante hoje é conseguir a
reintegração dessas pessoas que
vivem na margem da sociedade
próspera, entre elas os imigrantes.
Essa integração é social e econômica, mas também política, no
sentido de permitir que eles compartilhem valores democráticos.
Folha - Os medos advindos da
construção da União Européia podem ser também causa da escalada
do lepenismo?
Lefort - Sim. A França está em
via de conhecer uma verdadeira
mutação advinda de sua inclusão
na Europa. Existe já uma burocracia européia em Bruxelas que toma uma série de medidas, desde
coisas aparentemente insignificantes até outras que antes diziam
respeito ao direito nacional. A
partir dessa progressiva subordinação, desenvolve-se um começo
de inquietude e de angústia diante
da perda da identidade nacional e
do crescimento de um poder longínquo, de uma supraburocracia
que decidiria os destinos.
Só esse fenômeno pode explicar
que, em certas regiões rurais, onde não há nenhum sinal de degradação ou de insegurança nem de
ameaça econômica ou social, tenhamos visto uma formidável votação para Le Pen. As pessoas que
habitam essas regiões temem antes de tudo esse desconhecido que
é o desenvolvimento da Europa.
Por fim, na França não há talvez
um dia em que não haja uma greve em algum lugar. Quando, no
fim do ano passado, eu soube que
os policiais estavam em greve,
pensei: esse Estado está realmente
ameaçado. Não quero manter nenhum propósito reacionário, mas
isso é um sintoma e também uma
outra explicação para o sucesso
de Le Pen. Quando o camponês vê
os policiais em greve, o seu respeito pela autoridade do Estado é
consideravelmente diminuído.
Folha - Quais os efeitos do avanço
de Le Pen para o sistema político?
Lefort - É difícil prever o que se
passará com as eleições legislativas, que são muito importantes.
Mas não estou certo se teremos
uma debacle política. Creio, ao
contrário, que, diante do perigo
que é o lepenismo, pode-se esperar que haja uma certa reestruturação do sistema político, da vida
política. Tudo isso talvez dê mais
clareza aos antagonismos entre
direita e esquerda. Poderemos ver
como a direita, caso ganhe as legislativas, afrontará o problema
que o lepenismo coloca. Até o
momento, o partido de Chirac, o
RPR (Reunião pela República),
tomou a iniciativa de explorar em
seu benefício o perigo lepenista,
neutralizando as forças centristas
de François Bayrou e Alain Madelin (outros candidatos de centro-direita no primeiro turno). Esse
jogo de ambições prosseguirá,
mas se pode esperar também que,
face ao lepenismo, venha a ser desenhado um comportamento político diferente. Eu lhe digo uma
coisa: no conjunto, a esquerda vai
votar em Chirac, contra Le Pen,
mas não estou certo que, caso o
duelo fosse entre Jospin e Le Pen,
a direita no seu conjunto votaria
em Jospin. Não tenho confiança
de que isso fosse ocorrer.
Folha - O sr. quer dizer que a direita poderia no futuro se unir à extrema direita?
Lefort - Não é impossível que a
direita procure se organizar com a
extrema direita. Esperemos, ao
contrário, que a direita tome
consciência de que ela própria está ameaçada pela extrema direita
e realmente faça um corte, produza uma distância.
Folha - O sr. acha que uma nova
forma de fascismo está sendo engendrada na França e na Europa?
Lefort - É difícil empregar a palavra fascismo, que está tão determinada historicamente. O nazi-fascismo sempre começou com
ações violentas, militarizadas,
com milícias armadas que aterrorizavam, ao mesmo tempo que
tentavam convencer. Ora, até o
instante, não há nada disso na
França. O movimento fascista
também se beneficiou de uma situação econômica de crise grave e
do apoio dado pelos dirigentes de
empresa, do grande capital. Na
França, essa perspectiva parece
impossível, pois o capitalismo do
país embarcou na globalização,
no liberalismo econômico. Mas
tudo dependerá mais uma vez da
capacidade da democracia de dar
respostas. Na década de 30, no começo do nazismo, quando o centro-esquerda se afundou no
Reichstag e os socialistas viram o
seu apoio ser consideravelmente
enfraquecido, as pessoas adotaram o nazismo (ou, antes, o fascismo) como um ato de protesto.
Uma vez a dinâmica colocada em
movimento, eles se tornaram os
brutos que sabemos. Não podemos, por isso, deixar de ficarmos
profundamente inquietos, pois
mais uma vez o protesto pode se
transformar em comportamento
violento. Essas pessoas que hoje
manifestam o seu protesto dando
o voto a Le Pen, se não se souber
responder às dificuldades que elas
encontram na vida, no futuro podem se transformar em verdadeiros fascistas. É terrível.
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