São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2004

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MISSÃO NO CARIBE

Grupo armado vem invadindo postos policiais no Haiti

Ex-militares são questão política, diz comandante

FABIANO MAISONNAVE
DA REDAÇÃO

Em operação há dois meses, a Minustah (Missão da ONU de Estabilização no Haiti) vem atravessando um difícil teste nos últimos dias, quando ex-militares, estimados em até 4.000 homens, promoveram uma série de invasões a prédios públicos em pelo menos quatro cidades, num claro desafio ao governo provisório.
Nesta entrevista por telefone à Folha, o comandante da Minustah, o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, 56, que passou a semana passada no Brasil após três meses seguidos no Haiti, fez a seguinte análise da situação do país:

 

Folha - Como está a situação no Haiti após a ação dos ex-militares?
General Augusto Heleno Pereira -
Isso já vinha acontecendo e não consideramos uma crise. Tanto é que não houve tiros, não houve mortes. É um movimento de ex-militares que estão brigando por pensões, salários atrasados, mas, em nenhum momento, manifestaram a intenção de enfrentar as tropas da ONU. É uma crise muito mais política do que militar.

Folha - Mas é um grupo armado, uniformizado, que assumiu o controle da segurança pública em pelo menos uma cidade, Petit-Goave.
General Heleno -
Em nenhum momento tomaram uma cidade, eles não têm efetivo para isso. Petit-Goave é uma cidade pequenininha, onde não tem tropa nossa. E eles, há muito tempo, em algumas localidades, com o apoio da população, administram a segurança como se fosse uma coisa legal. E eles não são legais porque as Forças Armadas foram extintas em 1994, porém participaram da queda do ex-presidente Jean-Bertrand Aristide [em fevereiro]. Mas, nos lugares onde há tropas, já cortamos as atribuições deles.
É um problema político sério porque são numerosos e têm apoio da população. Não interessa para nós ter um confronto com eles, até porque não são bandidos. O governo tem de oferecer alguma coisa concreta para então dizer: "Os que não quiserem atender à sugestão do governo, a partir de agora são totalmente ilegais e estão passíveis até de serem presos". Isso ainda não aconteceu.

Folha - É possível que a missão de paz intervenha em Petit-Goave?
General Heleno -
É possível. O problema é o seguinte: tem de pesar o aspecto político com o militar. É fácil intervir, poder para isso a gente tem. Mas qual é o objetivo? É buscar uma solução pacífica. Somos uma missão de paz.

Folha - Quando começar o desarmamento, haverá resistência?
General Heleno -
Eu sempre coloco que o problema do desarmamento não é só militar. Isso tem de ser tratado em conjunto com o governo do Haiti. Na situação que está hoje, fica muito difícil convencer alguém de abrir mão de sua arma de defesa pessoal. Todo o processo de desarmamento vai ter de ser feito com um programa de reconstrução do país. Querer cobrar da Minustah, que está há apenas dois meses em operação, é muita impaciência.

Folha - O Brasil reclama do atraso na chegada do restante das tropas da ONU. É um problema sério?
General Heleno -
Não é um problema sério. Agora, se há uma previsão de que eram necessários 6.700 homens para todo o país, e eu tenho hoje 2.900 [dos quais 1.200 brasileiros], é óbvio que eu estou com menos de 50% do efetivo. Há regiões onde não estamos presentes, e é exatamente ali que os ex-militares têm chances de atuar. A melhor hipótese é que, no final de outubro, eu esteja com o meu efetivo completo.


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