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AMÉRICA LATINA
Relatório sobre o violento conflito interno não gera medidas
Toledo ignora conclusões sobre "guerra suja" peruana
FRANCESC RELEA
DO "EL PAÍS", EM BUENOS AIRES
Justiça, ressarcimento e punição, solicitava o relatório final da
Comissão da Verdade e Reconciliação (CVR) peruana, apresentado em 28 de agosto de 2003, para
as graves violações dos direitos
humanos cometidas durante a
guerra interna que ensangüentou
o país durante duas décadas
(1980-2000). Um ano se passou, e
pouco ou nada foi feito pelas instituições do Estado quanto às três
solicitações.
É isso que afirmam os representantes da Procuradoria de Defesa
Pública e de organizações humanitárias. "Nenhuma das recomendações da Comissão da Verdade foi incorporada ao Orçamento do Estado. O pouco que foi
feito até agora é completamente
insuficiente", afirma Cecilia Blondet, investigadora do Instituto de
Estudos Peruanos e ex-ministra
da Mulher no governo de Alejandro Toledo.
Blondet participou há alguns
dias de um seminário sobre a
adoção das medidas recomendadas pela CVR em programas regionais, realizado em Ayacucho, e
comprovou a desconfiança e o
ressentimento em numerosos setores daquele Departamento andino, uma das zonas de maior
violência política no confronto
entre os rebeldes do Sendero Luminoso, grupo terrorista maoísta,
e o Exército peruano.
A ex-ministra enfatiza que a difusão do relatório da Comissão da
Verdade foi "insuficiente e mal
conduzida", e por isso muitos o
desconhecem completamente.
Além disso, os avanços nas três
grandes linhas de trabalho propostas pela CVR -reparações às
vítimas, fortalecimento das instituições nas zonas mais castigadas
pela guerra e melhora da educação- foram praticamente nulos.
"Não se trata apenas de reparações econômicas; é preciso, além
disso, gestos simbólicos de atenção a imensos grupos de excluídos. É preciso recordar que 75%
das vítimas estão em Ayacucho",
afirma Blondet.
69 mil mortos
Em 15 de novembro de 2003,
chegaram à Procuradoria de Defesa Pública da cidade de Lima
567 caixas repletas de papéis, livros e revistas. Era a documentação completa compilada durante
20 meses pela Comissão da Verdade sobre as violações de direitos humanos. Estima-se que o número de mortos e desaparecidos
durante a guerra interna ultrapasse 69 mil pessoas, número muito
superior ao das perdas humanas
na guerra de independência e na
guerra contra o Chile, os dois
maiores conflitos em que o Peru
se viu envolvido.
Algumas das conclusões da
CVR são controversas, como a
que atribui ao Sendero Luminoso
a responsabilidade por mais mortes (54%) do que o total de 37%
atribuído aos agentes do Estado.
O relatório demonstra que o
número de vítimas de ambas as
partes é praticamente o mesmo.
No entanto, se forem levadas em
conta as torturas, as violações sexuais e os desaparecidos, as Forças Armadas são responsáveis
por mais atrocidades.
O governo criou no ano passado uma comissão de alto nível para acompanhar a implementação
das medidas recomendadas pela
CVR -mas ela se limita a receber
pessoas para ouvir palestras e
pouco mais faz. A paralisia do Estado contrasta com as iniciativas
de diversas organizações da sociedade civil. "É a energia de uma sociedade mobilizada que desafia o
Estado a cumprir o seu dever",
afirma Susana Villarán, educadora do Instituto de Defesa Legal.
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