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OPOSIÇÃO
"Saúdo os bravos americanos", afirma advogada iraquiana
"Mundo ignora crueldades de Saddam", diz exilada
FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON
A advogada Zakia Hakki foi a
primeira mulher a ocupar, em
1959, um dos sete postos da Suprema Corte do Iraque. Foi também alta funcionária dos ministérios da Indústria e da Agricultura
no período pré-Saddam Hussein.
No início dos anos 70, quando
Saddam expandia seus negócios e
suas milícias, preparando-se para
tomar definitivamente o poder,
em 1979, Hakki juntava-se à causa
curda, o mais numeroso povo
sem um Estado. No norte do país,
lutou como guerrilheira até ser
presa pelos iraquianos, em 1975.
Sob o regime de Saddam, ""um
gângster que se autoproclamou
chefe de Estado", foi torturada e
viu boa parte da sua família ser assassinada, marido e filhos inclusive. Fugiu do Iraque em janeiro de
1996 e está exilada nos Estados
Unidos desde então.
""Saúdo esses bravos soldados
americanos que vêm nos libertar,
mas serão muitas as mortes em
Bagdá. Não há como tirar as milícias de lá sem uma luta rua a rua,
casa a casa"", diz Hakki.
Um dos trabalhos difíceis no
pós-guerra, segundo ele, será incorporar à sociedade os militares
que apoiavam o ditador: "Não poderá haver perseguições. Seria a
continuação do terror. O país precisará de conciliação."
Leia a seguir entrevista que ela
concedeu à Folha.
Folha - Após quase 30 anos de
Saddam Hussein, a
sra. acredita que a população iraquiana conseguirá constituir um
regime democrático em breve, como querem os americanos?
Zakia Hakki - O Iraque está sedento de democracia e de justiça.
O mundo não tem idéia das atrocidades cometidas por Saddam.
Muitas coisas horríveis virão a
público quando ele se for. Saddam Hussein é um ditador brutal,
um assassino sádico. Matou meu
marido, meus filhos. Liquidou a
minha família. Uma de minhas
primas chegou a fugir para a Jordânia, mas foi capturada. Teve a
cabeça cortada e pendurada em
frente à casa onde vivia. Durante
sete dias e os pais foram obrigados a olhar para aquilo.
Todos sabem dessas coisas. Não
agem por medo. Depois que estivermos livres de Saddam, teremos toda a força do mundo para
proteger a nossa liberdade.
Folha - E os que apoiam Saddam?
O que acontecerá a eles?
Hakki - Temos de reconhecer
que toda uma nova geração iraquiana, os jovens e boa parte dos
adultos de hoje, são fruto desse regime. Será um trabalho difícil, que
teremos de exercer com uma nova mídia no país, com novos sistemas e instituições. Não poderá
haver perseguições. Seria a continuação do terror. O país precisará
de conciliação.
Muitos dos que estão no exílio
sustentam que os militares que
apoiam Saddam devem ser afastados. Defendem que suas famílias recebam alguma compensação para que não sofram e para
que não sejam levados a atos de
desespero. Temos de proteger de
represálias os que cresceram sob
este regime de terror. No fundo, é
difícil atribuir culpa à maioria
dessas pessoas.
Folha - O sentimento contra os
americanos não é muito forte?
Hakki - Saddam de fato conseguiu convencer o povo iraquiano
de que os EUA são os invasores.
Temos as marcas do passado. Em
1991, muitos se levantaram contra
Saddam acreditando na ajuda
americana e foram punidos depois. Houve execuções em massa,
envenenamentos. Desta vez, os
americanos terão de ganhar a
confiança dos iraquianos novamente. Não há saída.
Folha - Conhecendo Bagdá, o que
podemos esperar de uma invasão
americana à cidade?
Hakki - Eu saúdo esses bravos
soldados americanos que vêm
nos libertar, mas serão muitas as
mortes em Bagdá. Não sou especialista militar, mas lutei em guerrilhas contra Saddam. Não há como tirar suas milícias de lá sem lutar rua a rua, casa a casa. Os americanos precisam envolver a oposição iraquiana nisso, os curdos
principalmente. Deixem que eles
entrem primeiro. Eles sabem como fazer e estão dispostos a isso.
Tanques e mísseis não vão derrotar Saddam. Será preciso uma
enorme guerra de guerrilha para
tirá-lo de lá.
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