|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Guerra deixa estudantes árabes nos EUA com medo
"Já fui chamada de terrorista. As pessoas sussurram e depois correm", diz a palestina Laila El-haddad, 25, mestre em políticas públicas na Universidade Harvard
"Temos razões para tomar esta guerra de uma maneira muito pessoal", afirma Yasmine El-Shamayleh, 22, que estuda neurociência na Universidade da Pensilvânia
DE NOVA YORK
Eles são jovens, bem encaminhados em universidades americanas de renome, mas têm medo
da guerra. Estudantes árabes e
muçulmanos nos
EUA dizem temer
pelo preconceito
que enfrentam no
país e também por
suas famílias no
Oriente Médio.
"Depois do 11 de
setembro, ninguém tinha idéia
do que poderia
acontecer", conta
o paquistanês Salman Alan, 20, estudante de economia na Universidade Berkeley, na
Califórnia. "Agora
nós sabemos."
Membro de uma associação de
alunos muçulmanos, ele relata
que a entidade recebe e-mails
ameaçadores e que colegas são
ameaçados fisicamente. "As pessoas são ignorantes", afirma.
A muçulmana Ammena Nadeen, 21, estudante de filosofia da
da Universidade do Texas, diz que
que seus amigos estão muito assustados. "Todo
mundo ficou suspeito, isso é desinformação."
"Já fui chamada
de terrorista. As
pessoas sussurram e depois correm", afirma a palestina Laila El-haddad, 25, mestre em políticas
públicas na Universidade Harvard. "Tenho um
pouco mais de
medo quando ando em público.
Uma amiga muçulmana me disse
que está percebendo os mesmos
olhares arregalados que ela via depois do 11 de setembro, olhares de
desgosto e ódio", diz.
Tammer Riad, 21, aluno de economia na Universidade Yale, acha
que as coisas vão piorar. "O sentimento antiárabe vai aumentar
com o curso da guerra, especialmente depois, quando os "libertadores" descobrirem que eles não
são mais bem-vindos no Iraque",
diz ele, que vem de uma família
egípcia, mas é cidadão americano.
Além da ameaça física, árabes e
muçulmanos nos EUA dizem
sentir medo por seus familiares.
"Meu pai é médico na Jordânia
e conta que não há ninguém em
sua clínica, todos estão grudados
na TV. A economia está tão fraca
que ele não pode nem pagar a passagem para vir à minha formatura
-isso se o deixarem entrar. Ele
mal pode bancar o fim do meu estudo", diz Yasmine El-Shamayleh, 22, que estuda neurociência
na Universidade da Pensilvânia.
Ela ataca duramente a posição
americana. "Como você vê, temos
razões para tomar esta guerra de
uma maneira muito pessoal. Mas
esperamos que os americanos
também a tomem da mesma maneira, porque são os dólares dos
impostos deles que estão matando civis iraquianos inocentes em
vez de melhorar a educação e a
saúde do país", afirma.
Originada da faixa de Gaza, Laila El-haddad acompanhou bem
de perto a primeira Guerra do
Golfo, em 1991: morava na Arábia
Saudita, que serviu à época de base para ataques americanos.
"Sinto que, na primeira guerra,
a opinião pública árabe estava
muito dividida. Alguns países
apoiavam Saddam. Outros, particularmente a Arábia Saudita, estavam do lado dos EUA. Desta
vez, percebo uma divisão menor,
ao menos publicamente. A maioria da população árabe e de seus
governantes é contra a guerra,
mas não é a favor de Saddam",
diz. "Também percebo que os
protestos no Oriente Médio estão
muito mais fortes."
O sentimento "contra Saddam/
contra a guerra" domina o tom
dos relatos ouvidos pela Folha entre os alunos.
"Os estudantes árabes estão
muito preocupados com os civis
iraquianos, que a TV americana
não mostra muito", diz o judeu
Ari Ariel, 32, da Universidade Columbia, em Nova
York.
Mas há uma
grande parcela deles que não gosta
nem mesmo de
conversar sobre
seus problemas
nos EUA, como
aponta Yasmine
El-Shamayleh, da
Pensilvânia. "Notamos que alguns,
senão a maioria,
dos estudantes
árabes gostaria de
deixar o assunto
de lado. Para alguns, ele é muito doloroso, para
outros, pessoal demais. Outros
ainda estão apenas com medo de
serem identificados como árabes", diz.
A falta dessa massa crítica em
bloco dos principais interessados
na guerra pode prejudicar o debate sobre o tema nas universidades
americanas.
Para o professor Morris Fiorina,
que faz pesquisas
sobre participação política na
Universidade
Berkeley, na Califórnia, o meio
acadêmico está
muito mais anêmico agora do
que nos ano 60, a
despeito dos milhares de pessoas
que as manifestações pacifistas
põem nas ruas.
"Em qualquer
momento, sempre vai haver uma
parcela que se manifesta. Só que
essa parcela era muito maior nos
anos 60. O nível de preocupação
agora é muito menor", diz ele.
(ROBERTO DIAS)
Texto Anterior: Oposição: "Mundo ignora crueldades de Saddam", diz exilada Próximo Texto: Artigos: O medo que devora a alma Índice
|