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Resgate revela fosso entre Brasil e Colômbia
Bogotá vê no vizinho hesitação ao condenar Farc; Brasília crê que Uribe optou por se isolar na região e ficar com os EUA
Lula delegou a Amorim missão de cumprimentar governo colombiano pela operação; relação com Uribe é boa, mas muito superficial
DA ENVIADA ESPECIAL A BOGOTÁ
Na contramão dos Estados
Unidos, da União Européia e da
declaração da ex-refém Ingrid
Betancourt, o governo brasileiro não apóia a mobilização pelo
terceiro mandato do presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, e
a recrimina internamente, sob
o argumento de que pode ser
um precedente perigoso na
América Latina.
Conforme a Folha apurou, o
Brasil não se manifestará publicamente, mantendo a mesma estratégia de "não-ingerência em assuntos internos" usada quando o venezuelano Hugo
Chávez tentou, sem sucesso,
mudar a Constituição para obter mandatos sucessivos.
A posição brasileira pode
causar constrangimentos na
viagem que o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva programa
para os dias 18, 19 e 20 para a
Colômbia. No último dia, ele
participará, em Letícia, das comemorações pela data nacional do país, que podem se
transformar num enorme ato
público de apoio ao terceiro
mandato de Uribe.
Se Lula tem um índice alto
de aprovação, mais de 60%, o
de Uribe é recorde, mais de
80%, e com tendência a subir.
Frieza
O relacionamento dos dois
países é frio. Do lado colombiano, sempre houve a recriminação velada do Brasil, considerado demasiado cauteloso ao
condenar as Farc. Do lado brasileiro, há a acusação de que a
Colômbia elegeu os EUA não
apenas como aliado preferencial mas único, isolando-se dos
latino-americanos.
Não passou despercebida em
Bogotá a excessiva demora e
discrição do Brasil ao comemorar o êxito de Uribe pelo "xeque-mate" nas Farc, como foi
chamada a operação de resgate
de 15 reféns.
Em vez de telefonar para Uribe, Lula delegou a tarefa ao
chanceler Celso Amorim, responsável por cumprimentar o
seu colega da Colômbia, Fernando Araújo. O gesto não foi
considerado "natural".
Enquanto isso, os presidentes dos EUA, da França, da Argentina e da própria Venezuela,
além do secretário-geral da
OEA (Organização dos Estados
Americanos), fizeram fila para
telefonar para Uribe logo depois da libertação.
Lula também demorou a soltar nota sobre a imensa vitória
de Uribe, reconhecida em todo
o mundo. Além disso, ao ser divulgada, a nota foi acusada de
ser seca e formal, inadequada
para o momento.
No texto, ele se limitou a enviar um "abraço fraternal aos
reféns", manifestar esperança
na libertação dos demais e desejar "a reconciliação de todos
os colombianos e a paz na Colômbia". Nenhum aplauso ao
gol do governo Uribe.
A Folha apurou que houve
intensa discussão no gabinete
presidencial, antes da decisão
de soltar uma nota amorfa e de
trocar o telefonema de Lula pelo de Amorim para Bogotá. Havia o temor, naquele primeiro
momento, de que a versão oficial colombiana não correspondesse aos fatos e que, ao
longo dos dias, fossem surgindo "corpos despedaçados e ensangüentados". Lula, pois, "não
quis se precipitar".
A resposta veio rápida porque o Brasil se arvora de principal líder da região. Mas o país
foi o grande ausente de todos
os discursos e declarações em
Bogotá depois da operação sem
tiros e sem sangue -aliás, até
hoje mal explicada.
Uribe e o presidente da França, Nicolas Sarkozy, sequer tocaram no nome do Brasil e de
Lula ao fazer os agradecimentos de praxe pelo empenho pela
libertação dos reféns.
A própria Ingrid Betancourt
citou várias vezes a Venezuela,
o Equador e até a Argentina,
que nem sequer faz fronteira
com a Colômbia, mas cuja presidenta, Cristina Kirchner, até
chorou ao saber da libertação.
Campos opostos
Nos bastidores, a questão
sempre lembrada é que Brasil e
Colômbia estão em campos políticos opostos no continente e
têm uma relação econômico-comercial praticamente nula.
"O Brasil não está no radar da
Colômbia, nem política nem
economicamente", ouviu a Folha em Bogotá.
A afirmação é ilustrada com
números: cerca de 35% das exportações colombianas são para os EUA, 17%, para a Venezuela e só de 2% a 4% para o Brasil. Um volume irrisório,
que mostra a distância entre os
dois países.
Há também o vínculo histórico do PT com as esquerdas, a
simpatia por Chávez e o constrangimento ao falar das Farc.
Uribe está do outro lado, o da
"direita", alinhado incondicionalmente (e à custa de US$ 5,5
bilhões do Plano Colômbia)
com os EUA. As relações pessoais entre o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e Uribe são
boas, mas sem profundidade.
Uribe é acusado em setores
políticos e diplomáticos brasileiros de só procurar Lula para
pedir socorro, e um socorro
bem específico: para neutralizar Chávez ou pedir-lhe moderação nas rotineiras disputas
entre ambos. O Brasil, assim,
estaria por trás dos sucessivos
recuos de Chávez, tanto nas
manifestações de simpatia pelas Farc quanto na ameaça de
guerra quando a Colômbia violou território equatoriano para
estourar um campo do grupo
guerrilheiro.
(ELIANE CANTANHÊDE)
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