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Para Magnus Ranstorp, que participou nesta semana de encontro na Tríplice Fronteira, a Al Qaeda deve ser entendida como uma ideologia
Terror é eterno, diz especialista
LÉO GERCHMANN
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PUERTO IGUAZÚ
O combate ao terrorismo é eterno, e os agentes do terror jamais
deixarão de existir, podendo no
máximo se transformar e, "como
um vírus, gerar constelações infinitas", sem limites de tempo e de
espaço.
A estimativa assumidamente
pessimista foi feita para a Agência
Folha pelo diretor do CSTPV
(Centro para o Estudo de Terrorismo e Violência Política, na sigla
em inglês), Magnus Ranstorp, 39,
professor da Universidade de St.
Andrews (Reino Unido) e tido como um dos mais importantes especialistas do mundo em terror.
Ranstorp afirma que a Al Qaeda
"é uma ideologia" que pode "dominar um país, um Estado, como
ocorre com a Arábia Saudita e o
Paquistão". "Se os Estados Unidos não tivessem atacado o Afeganistão, certamente eles teriam
produzido arma suja."
A respeito do ataque dos EUA
ao Iraque e da presença americana no país, ele se diz favorável,
pois "os terroristas têm de sentir
também sua segurança ameaçada".
Confira trechos da entrevista
concedida para a Agência Folha
durante a conferência "Terrorismo Global e Tríplice Fronteira:
Mito ou Ameaça?", que ocorreu
na semana passada em Puerto
Iguazú, na Argentina.
Agência Folha - O CSTPV e a SIA
(Consultoria em Segurança e Inteligência, na sigla em inglês) resolveram organizar uma conferência na
Tríplice Fronteira, onde há suspeitas de focos terroristas. Isso tem algum significado especial?
Magnus Ranstorp - A situação da
Tríplice Fronteira, com suas fronteiras frágeis e forte presença muçulmana, é um tema do qual se
tem falado nos últimos dez anos.
Os problemas daqui são sintomáticos a respeito do que pode ocorrer em qualquer lugar. O tema terrorismo, porém, vai muito além
da Tríplice Fronteira. O mesmo
problema existe no Chile, na Venezuela e no Panamá.
Na luta contra o crime organizado ou o terrorismo, o básico é
combater o furto de documentos
de identidade. Na Europa, sabemos que o furto de identidade é
decisivo. Sempre que se pega alguém da Al Qaeda, ele tem uns 15
documentos de identidade diferentes falsificados. É um problema que sempre muda de cores.
A rede do terrorismo é como
um vírus mutante, e a Justiça é
reativa, mas precisamos é de prevenção. O grande problema é que
o público acredita que o terrorismo existe apenas quando ocorre
um atentado.
Os grupos terroristas arrecadam dinheiro de fontes diferentes. Grupos terroristas atuam em
quatro frentes: social, política, militar e terrorista. É complexo.
Agência Folha - Isso quer dizer
que falar especificamente de uma
região, como a Tríplice Fronteira, é
uma simplificação? Isso serve ao
terror?
Ranstorp - Não podemos exagerar o tema em relação a uma única
região. A Tríplice Fronteira e seus
problemas são um exemplo claro,
que serve para uma análise de outros locais no mundo. Há outros
pontos assim, trata-se de um problema global. O que é preciso é
buscar a cooperação internacional.
O dinheiro se move mais rápido
do que a polícia. A internet ajuda
a criar essa constelação infinita,
em qualquer lugar no mundo.
Não podemos jamais cair no erro
de ver isso como um problema local, porque ele é global.
Agência Folha - Um inimigo tão
difícil de delimitar pode ser derrotado algum dia?
Ranstorp - O terrorismo aparece
e desaparece a qualquer momento e em qualquer lugar. É difícil. É
como um vírus, que gera constelações infinitas. Dentro de 40
anos, poderemos não estar mais
falando em Al Qaeda ou Osama
bin Laden, mas em outras coisas
do gênero. É complicado até fazer
diferença entre os vários tipos de
arrecadação de dinheiro que esses
grupos têm. Qual vai para instituições sociais que eles controlam
e qual vai para o terrorismo? Os
Estados Unidos já não fazem mais
distinção.
Agência Folha - A cooperação entre os países pode atenuar essa onipresença do terrorismo no mundo?
Ranstorp - É fundamental a cooperação, assim como é prioritária
a identificação do financiamento.
As soberanias nacionais, nesse caso, são um obstáculo. O terrorismo não respeita barreiras nacionais. Cada país está obrigado pela
resolução 1373 das Nações Unidas
a desenvolver uma regulamentação nacional para confrontar esses problemas financeiros em todos os cantos. Mas para isso é necessária a colaboração.
Na região da Tríplice Fronteira,
por exemplo, Brasil, Argentina e
Paraguai precisam receber apoio.
O que quero deixar claro é que todos os governos estão obrigados a
tomar todos os passos para contra-atacar o terrorismo e seu financiamento.
Agência Folha - Essa necessidade
de união para combater um inimigo comum que não é um Estado definido e age em todo o mundo configura a Terceira Guerra, uma guerra mundial pós-moderna?
Ranstorp - É, sim, diferente de
uma guerra normal. A Al Qaeda
estudou a doutrina norte-americana, Che [Guevara], [Carlos]
Mariguella... É uma nova geração
de guerra, que tenta trabalhar
dentro da sociedade adversária,
aparecendo e desaparecendo.
Quem mostrou esse caminho primeiro foi o Hizbollah, e a Al Qaeda o imitou. A Al Qaeda deve ser
entendida como uma ideologia.
De nada adianta capturar Osama bin Laden. Desenvolveu-se
uma vanguarda muçulmana que
precisava criar células para a formação de um Estado islâmico. Essa vanguarda se coloca em locais
onde haja populações muçulmanas atacadas.
Agência Folha - Esse não é o caso
do Iraque?
Ranstorp - O caso do Iraque é
complexo. Esses grupos extremistas, que prejudicam a imagem do
islamismo, estão em guerra contra nós, e nem tudo vem dirigido
de cima para baixo. É como o corpo humano, a parte mais importante são, na verdade, os órgãos
por todo o mundo. Há pessoas recrutadas em mesquitas no Ocidente. A Al Qaeda é uma ideologia que se transforma em diferentes aspectos, que pode dominar
um país, um Estado, como ocorre
com a Arábia Saudita e o Paquistão. Se os Estados Unidos não tivessem atacado o Afeganistão,
certamente eles teriam produzido
arma suja.
Agência Folha - Mas, no caso da
Arábia Saudita e do Paquistão, são
países aliados dos EUA...
Ranstorp - Suas escolas clericais
exportam ideologia. No Paquistão, há extremismo e sérios problemas sociais. Em dez ou 15
anos, poderemos ter novos regimes. A questão não é saber se,
mas quando as células terroristas
usarão armas químicas, não tanto
para matar, mas para paralisar
economias e sociedades. Esse
problema não terminará com a
captura de Bin Laden.
Agência Folha - A guerra dos EUA
contra o Iraque foi um acerto?
Ranstorp - Sei que há questionamentos sobre isso na América Latina, que a ONU não participou
dessa atuação. Mas temos tido
mais de dez anos de sanções que
não fizeram mal à ditadura, mas
ao povo. Talvez as armas químicas ainda sejam encontradas. Há
evidências de que a Al Qaeda teve
contatos com o regime iraquiano
de Saddam Hussein. O que temos
no Iraque agora são muitos autores que trabalham de modo organizado, que tentam atacar os EUA
para criar uma nova guerra do
Vietnã. O pesadelo maior que os
Estados Unidos podem ter é uma
insurreição xiita no sul do Iraque.
Não podemos deixar que eles (os
grupos terroristas) deixem de
sentir sua segurança ameaçada.
Fizemos muito, mas há muito a
ser feito.
Agência Folha - Diante da necessidade de cooperação, qual o papel
dos organismos multilaterais? O
comprometimento com o combate
ao terror entrou na pauta de países
que buscam crédito? Entrou na
agenda econômica mundial?
Ranstorp - Na verdade, é uma
pergunta a ser feita para o Bird
[Banco Mundial]. Mas há, sim,
entidades que colocam países em
listas negras para contrair empréstimos. Alguns países têm enfrentado problemas. Por outro lado, muitos países tiram vantagem
ao usar o 11 de Setembro em benefício próprio. Obtêm ajuda financeira e segurança. É um ambiente
geopolítico global.
Agência Folha - Como Brasil, Argentina e Paraguai podem trabalhar juntos para conter a lavagem
de dinheiro e outros crimes que
ocorrem na Tríplice Fronteira?
Ranstorp - Devemos encontrar
novas formas de forças-tarefas regionais, trabalhar regionalmente
para combater o extremismo, o
tráfico de drogas e outros crimes.
É importante criar instituições regionais. Trabalhamos, atualmente, sob formas muito tradicionais.
Uma força-tarefa na Tríplice
Fronteira, com oficiais de polícia
dos três lados para trabalhar e
aprender uns com os outros, seria
interessante. O que ocorre é que
os oficiais de inteligência costumam guardar as informações para si, para seus países. Os EUA,
nesse contexto, estão se isolando.
Na Europa, as pessoas transitam livremente entre os países,
mas as polícias também. É um
bom exemplo. Na Europa, temos
o que chamamos de "ordem de
prisão européia". Se alguém comete um crime financeiro, por
exemplo, pode haver prisão promovida por um país em outro.
Trata-se de interesses únicos, de
direito comum a todos.
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