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Distantes no passado, intelectuais se aproximam
DA REDAÇÃO
É muito estranho ver em um
mesmo texto as assinaturas dos filósofos Jürgen Habermas e Jacques Derrida, tais como aparecem
no manifesto político que a Folha
publica hoje. A oposição da Europa ao domínio dos Estados Unidos, a "identidade européia" e
mesmo o presente debate sobre a
Constituição da União Européia
estão na base dessa coalizão franco-alemã, desse texto assinado
pelos dois filósofos. Mas o que os
separa e o que os uniu numa co-autoria tida como "sensacional"
nos meios intelectuais europeus?
Habermas e Derrida julgam-se
politicamente à esquerda. Mas
seus críticos à esquerda consideram as idéias de Habermas hoje liberais demais e as de Derrida por
demais relativistas e desdenhosas
da razão para serem de esquerda.
"Não há nada de misterioso sobre a minha relação com Derrida.
Desde 1984, já nos encontramos
algumas vezes, em Chicago, Nova
York, Paris e Frankfurt. Não é segredo que, politicamente, estamos do mesmo lado há muitos
anos. Foi natural, portanto, que
eu escolhesse Derrida como meu
correspondente na França quando comecei a ação conjunta sobre
o tema da "identidade européia",
um assunto que se tornou especialmente quente depois da guerra no Iraque", disse Habermas à
Folha a respeito da colaboração
com seu colega francês.
Habermas explicou ainda que, a
seu convite, vários intelectuais europeus também escreveram manifestos nos jornais de seus países
-caso de pensadores como Umberto Eco, Richard Rorty, Fernando Savater e Gianni Vattimo.
Derrida, que não está bem de
saúde, segundo Habermas, acabou por assinar, em sinal de "concordância irrestrita", o texto que o
alemão propusera e que foi publicado nos jornais "Frankfurter Allgemeine" e "Libération" em 31 de
maio deste ano, no mesmo dia em
que os demais intelectuais dessa
"rede européia" publicaram artigos em seus países.
Ainda assim, a estranheza permanece. Habermas e Derrida são
os representantes maiores das
duas principais e algo opostas
correntes filosóficas européias.
Habermas é o herdeiro da tradição de pensamento crítico alemão, em especial de Karl Marx,
que foi relida e adaptada pela Escola de Frankfurt, que a temperou
com um pouco de Weber, Lukács,
Freud e Heidegger e que foi por
fim confrontada e em parte mixada com o pensamento de linhagem pragmatista e linguística dos
pensadores anglo-saxões.
O projeto intelectual de Habermas busca desenvolver a "crítica"
em dois sentidos: uma teoria social que procura encontrar a validade de suas bases -examinar as
condições em que é possível tal filosofia- e uma teoria que permita desnudar a injustiça.
As bases dessa teoria, para Habermas, estão na compreensão da
"ação comunicativa", dos pressupostos de uma "comunidade
idealmente livre" e das regras que
permitem às pessoas chegarem a
um entendimento racional.
A busca do consenso por meio
do confronto de argumentos racionais daria perspectiva de continuidade à utopia iluminista, à
idéia de razão como meio de libertação, embora um sistema político, midiático e tecnológico subordinado a interesses econômicos ainda mine as bases dessa "comunidade idealmente livre".
Derrida ficou conhecido por
conceitos como "desconstrução"
e pela crítica do "sistema logocêntrico, fonocêntrico e etnocêntrico" da cultura ocidental. Foi banalizado por meio da idéia de que
a tradição filosófica européia e as
idéias de verdade e razão seriam
estratégias da uma civilização repressiva e etnocêntrica.
O filósofo procurou fazer uma
espécie de "revisão" da história do
pensamento ocidental, das suas
idéias de verdade e das idéias de
verdade que foram marginalizadas pelo pensamento de tradição
européia. Mais: seu projeto é uma
"desconstrução" da razão: questionar a idéia de que se pode definir significados claros e estáveis
para o que se pensa, de que a verdade e a objetividade teriam significados fixos, de que há conhecimento desinteressado.
"Não há nenhum fora-do-texto" para Derrida, há apenas o trabalho da interpretação permanente, o esforço em mostrar que,
em todo texto, o seu contrário pode estar sendo dito; que a razão e a
verdade são um mito ocidental.
Em entrevista à Folha, em 1995,
Derrida disse, sobre suas posições
políticas: "Mas minhas opções
são conhecidas: são opções de esquerda. Em geral, tento falar ou
agir politicamente apenas quando
tenho algo mais agudo a dizer: algo "inoportuno". Isto é, não se juntar simplesmente à maioria, ao
que é conveniente. Trata-se de
deslocar o código político, falar
uma linguagem política que não
seja imediatamente traduzível pelo código dominante".
Porém fez questão de enfatizar:
mas não apenas "politizar de outra maneira o discurso". "As
questões políticas que procuro
elaborar dizem respeito à nacionalidade, à cidadania, ao direito
de asilo, ao direito internacional,
às instituições internacionais etc."
(CLAUDIA STRAUCH E VINICIUS TORRES FREIRE)
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