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AMÉRICA LATINA
O médico Oscar Elías Biscet, punido por "desrespeito" à bandeira do país, relata o drama dos dissidentes detidos
Preso cubano revela os porões da ditadura
Cristobal Herrera - 9.set.2002/Associated Press
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Fidel faz pausa durante discurso no teatro Karl Marx, em Havana |
Presos que faziam
algo considerado
mais grave eram
privados de
alimentação
e de
sono
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Enquanto o povo
morre de fome, Fidel
tem uma vida
confortável. Ele tem
vinhos caríssimos em
sua mesa
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MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Os presos cubanos -políticos
ou não- estão sujeitos a humilhações cotidianas, sendo privados de alimentação e de água potável, além de serem agredidos física e psicologicamente.
A afirmação é do cubano Oscar
Elías Biscet, 41, médico generalista, defensor dos direitos humanos
e crítico do regime de Fidel Castro. Ele passou quase três anos na
prisão por ter colocado duas bandeiras de Cuba de cabeça para
baixo durante uma entrevista. Foi
libertado em 31 de outubro.
Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha.
Folha - Qual é a situação dos "presos de consciência" e dos presos em
geral em Cuba?
Oscar Elías Biscet - A situação é
muito desagradável, chegando a
ser humilhante, pois eles foram
privados de todos os direitos fundamentais. Isso sem separar os
que cometeram um delito dos que
são presos políticos. Todos recebem o mesmo tratamento.
Os que cometeram uma indisciplina social devem ser sancionados, mas os presos políticos vão
para a cadeia por falar. Os chamados "presos de consciência" estão
detidos por exercer seu direito à
liberdade [de expressão".
Porém, além de terem sua liberdade limitada, os presos são mal
alimentados, não têm lugar para
dormir adequadamente e não bebem água potável. Não há duchas
nos banheiros nem bebedouros
nos refeitórios. A primeira coisa
que os carcereiros fazem é roubar
os prisioneiros, que, aliás, não
têm o direito de utilizar o telefone.
Folha - Há tortura física?
Biscet - Na verdade, não vi tortura física. Mas ouvi comentários de
pessoas que diziam ter sido torturadas. Quando estava detido, tive
o braço queimado com um cigarro uma vez. Ou seja, sim, sei que
que os presos são agredidos.
Todavia a principal tortura em
Cuba não é a física, como arrancar
as unhas ou machucar os olhos
dos presos, mas é a tortura psicológica, embora, é verdade, parte
dessa tortura esteja relacionada a
castigos físicos.
Lembro-me de um centro de
detenção em que estive durante
quatro meses, no qual os prisioneiros eram punidos tanto física
quanto psicologicamente, sendo
colocados com roupas leves numa sala com ar-condicionado ligado. Também deixavam os presos que cometiam atos de indisciplina sem roupas nem água.
Além disso, presos que faziam
algo considerado mais grave eram
privados de alimentação e de sono, pois os carcereiros não os deixavam dormir durante a noite.
Essa é uma das torturas físicas que
mais abalam o lado psicológico.
Mas, quando estava preso, não vi
esse tipo de tortura, apenas ouvi
falar que isso era feito. Vi algumas
agressões e muitos abusos, mas
não esse tipo de tortura.
Folha - Como os cubanos poderão
obter sua liberdade?
Biscet - Com muito trabalho.
Acabamos de criar o Clube dos
Amigos dos Direitos Humanos.
Esse clube tem por vocação reunir
as pessoas para ensinar-lhes o que
são os direitos humanos e como
conquistá-los por meio de métodos de luta não-violentos.
Quando tivermos o povo de
nosso lado, faremos o que tem sido feito na Venezuela. Pensamos
em fazer o que faz a oposição venezuelana atualmente, ou seja,
protestos pacíficos para conquistar nossos direitos. Isso não pode
ser pedido nem mendigado. É
preciso exigir os direitos dos cidadãos, é preciso conquistá-los. Poderemos fazer isso quando o povo
cubano estiver do nosso lado.
Folha - Quantas pessoas já fazem
parte desse clube?
Biscet - Trata-se de um trabalho
que acaba de começar, pois deixei
a prisão há um mês. Mesmo assim, há muitas células do clube
que já foram formadas, algo em
torno de seis ou sete em um mês,
o que não é pouco.
Na verdade, trabalharei bastante com essa idéia a partir de janeiro. Esse é um trabalho que leva
tempo, visto que temos de formar
vários clubes, chegando a englobar milhares de pessoas.
Tudo isso é demorado porque
as pessoas têm de ser convencidas
a aderir a nossos esforços, depois
devem ser treinadas e preparadas
para a luta. Com isso, deveremos
esperar algum tempo para observar algum resultado positivo.
Também não sei quanto tempo.
Penso que os resultados serão positivos em breve. Talvez, em pouco tempo, façamos uma nova entrevista para discutir como foi a
transição e a transformação de
Cuba num país livre.
Folha - O sr. disse que pretende
seguir o exemplo da oposição venezuelana. Há semelhança entre
Hugo Chávez e Fidel?
Biscet - Sim, claro. Quando Chávez era candidato à Presidência,
eu afirmei que ele era um comunista que levaria seu país à guerra,
como fez Fidel. E, efetivamente, a
evolução da situação venezuelana
mostrou que eu tinha razão.
Chávez é um comunista disfarçado em social-democrata. Assim, se o povo venezuelano não se
sublevar contra isso agora, o país
acabará tendo um comunismo totalitário parecido com o que existe em Cuba. Ainda bem que o
mundo mudou, e já não é possível
fazer o que Fidel fez aqui em 1959,
pois o povo tomou consciência e
sabe que o comunismo é um sistema inadequado e injusto.
Folha - Quais são as perspectivas
para os cubanos nos próximos cinco ou dez anos?
Biscet - Penso que, se tivermos
de esperar tanto tempo, estaremos todos mortos, visto que a situação é insuportável. Há uma
crise econômica, política e moral
sem precedente, que torna a situação insustentável. O povo cubano
não tem o que comer; então a
imoralidade está em todos os lados, sobretudo no governo.
Os cubanos não têm acesso nem
a programas de televisão nos
quais riqueza e prosperidade são
mostradas. Enquanto o povo
morre de fome, Fidel tem uma vida confortável. Ele diz que é pobre, mas tem vinhos caríssimos
em sua mesa. O povo, porém, não
sabe disso porque não tem acesso
a essas informações. Quando as
pessoas souberem todos os detalhes da imoralidade que reina no
governo, haverá uma revolução.
Folha - Quando isso ocorrerá?
Biscet - Não posso falar em datas, mas creio que isso não venha
a demorar, pois há muito descontentamento entre os cubanos. Hoje a população ainda está intimidada. O que as pessoas dizem em
público não tem nada a ver com o
que elas dizem em suas casas.
No sistema atual, a esfera privada e a pública tornaram-se muito
distantes por conta do medo. Mas
esse medo está acabando porque
a situação piora cotidianamente.
Muita gente já não coopera com o
governo. Com o passar do tempo,
o desgosto aumenta, fazendo com
que a força do governo diminua.
Acredito que se trate de um processo que se está acelerando.
Acho que a liberdade vá chegar
logo. Não sei quanto tempo isso
levará, porém, indubitavelmente,
não demorará cinco anos.
Folha - O que pode fazer a comunidade internacional?
Biscet - Nos anos 80, a África do
Sul do apartheid foi alvo de um
severo embargo internacional.
Esse embargo mostrou que a luta
pela liberdade ganha muito mais
força quando acompanhada de
sanções internacionais, que minam o poder dos opressores.
Muitos governos ajudam o regime de Fidel, pois lhe dão dinheiro
para manter o sistema, permitindo que seus cidadãos viajem a Cuba. Esses governos lhe dão oxigênio para manter-se no poder.
Também é por isso que a liberdade continua limitada em Cuba.
O embargo dos EUA é positivo,
porém todas as nações devem
aderir a ele para enfraquecer o regime cubano. Sem o embargo
americano, provavelmente não
estivéssemos conversando agora,
visto que Fidel teria ainda mais dinheiro para equipar seu Exército e
para manter-se no poder, calando
todas as formas de oposição.
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