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GIGANTE DESIGUAL
Distância econômica entre campo e cidade aumenta ano a ano, levando o governo a "redefinir prioridades"
China teme "latinização" da sociedade
CLÁUDIA TREVISAN
DE PEQUIM
Cao Jia Chun, 60, faz parte do
contingente de 800 milhões de
camponeses da China que está à
margem dos benefícios trazidos
pelo crescimento próximo de 9%
ao ano que o país registrou desde
o fim da década de 70. Entre Cao e
os habitantes das prósperas cidades da costa leste há um abismo
crescente, que coloca a China entre os países nos quais a desigualdade social aumentou mais rapidamente nos últimos 20 anos.
Empurrado pela pobreza de sua
vila, Cao foi para Pequim há um
ano, com o objetivo de ganhar a
vida nas ruas tocando o er hu,
clássico instrumento musical chinês. Ganha cerca de 200 yuan por
mês (R$ 68) e diz que está melhor
em Pequim do que em sua Província, Henan, ao sul da capital.
A distância entre a renda da cidade e a do campo, onde estão
63% dos chineses, cresce a cada
ano e se reflete nos números da
economia. Apesar de empregar a
maior parte da população, a agricultura contribui só com 15% do
PIB, enquanto a indústria e os serviços, atividades tipicamente urbanas, entram com 51,7% e
33,7%, respectivamente. Há pouco mais de 20 anos, em 82, o peso
da agricultura era de 33,3%.
A crescente desigualdade social
é um dos principais focos de preocupação do governo e de cientistas sociais, que temem a "latinização" da China, com a cristalização
das mesmas disparidades de renda que se vêem nos países latino-americanos, sobretudo o Brasil.
Por enquanto, os números indicam que o país caminha nessa direção. O índice Gini, usado internacionalmente para medir o grau
de desigualdade social dos países,
passou de 0,28 em 1991 para 0,43
em 2003, o que indicava um grau
de desigualdade próximo ao dos
EUA (0,48). Apesar da degradação do índice chinês, ele ainda é
bem melhor que o do Brasil, de
0,60, um dos piores do mundo.
Governada por um Partido Comunista que acaba de lançar uma
grande campanha para fortalecer
o estudo do marxismo, a China se
transformou em um dos principais mercados de produtos de luxo do mundo, graças aos ricos,
grupo pequeno, mas crescente.
Desde que se instalou na China
(1993), a Ferrari vendeu cem carros, a maior parte nos últimos
dois anos. Cada um custou US$
221,5 mil, mais do que maioria
dos chineses vai ganhar na vida. O
país é o quinto melhor mercado
da empresa, atrás de EUA, Europa, Japão e Hong Kong (sob controle chinês desde 1997).
As vendas da Armani no primeiro trimestre cresceram 17%
na China, mais que os 15% dos
EUA e os 3% de Japão e Europa. A
grife italiana abriu sua primeira
loja em Pequim em 1998 e já tem
dez pontos em toda a China. Até
2008, pretende ampliar o número
para algo entre 20 e 30 lojas.
Jacques-Franck Dossin, analista
da Goldman Sachs, estima que a
China venha a ser o mercado para
produtos de luxo que mais crescerá até 2014. Ao fim do período, o
país será o segundo mais importante do mundo para esse segmento, atrás apenas dos EUA.
Mas o número de pessoas entre
o 1,3 bilhão de chineses com acesso a esses produtos é reduzidíssimo. A consultoria Monitor Group
avalia que há apenas 28 milhões
de chineses, ou 2,1% do total, com
rendimento anual superior a US$
6.000, o que os coloca na categoria
de consumidores mais sofisticados. Dentro desse grupo, os que
têm acesso a bens de luxo constituem uma parcela minúscula.
O país está mais rico e, em 2003,
ultrapassou a barreira dos US$
1.000 de renda per capita. Porém o
aumento beneficiou sobretudo os
habitantes das grandes cidades da
costa leste, como Xangai, Pequim
e a região de Cantão. Na área rural, a renda é de US$ 300 ao ano.
Em 1990, os habitantes das cidades ganhavam em média 2,2 vezes
mais que os do campo. A distância subiu constantemente desde
então, atingiu 3,11 vezes em 2002,
segundo dados oficiais mais recentes, e já estaria em quatro vezes, na avaliação de Wang Chunguan, sociólogo da Academia
Chinesa de Ciências Sociais.
O ritmo desigual de desenvolvimento agrava a distância entre
campo e cidade a cada ano. Em
2003, a renda dos moradores do
meio urbano cresceu 9%, enquanto a dos camponeses subiu
4,3%. Segundo Wang, o crescimento da renda no campo vem
sendo inferior ao da cidade desde
1997, inclusive com queda da renda em alguns lugares do interior.
O problema do crescente abismo social está presente de forma
constante nos discursos dos governantes chineses e nos jornais
ligados ao Partido Comunista.
"As últimas estatísticas indicam
que 10% das famílias mais ricas
possuem 45% do total das propriedades nas zonas urbanas. Os
10% das famílias com mais baixa
renda possuem apenas 1,4% das
propriedades, e os restantes 80%
da população possuem 53,6% das
propriedades", diz artigo publicado em 2003 no "Diário do Povo",
porta-voz do Partido Comunista.
"A crescente distância nos níveis de renda se transformou em
um sério problema, pois a prosperidade da nação é dividida de
forma desigual. (...) É o momento
certo para que o governo redefina
as prioridades de desenvolvimento, em favor do bem-estar da população", afirmou o mesmo jornal no final do ano passado.
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