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ENTREVISTA
Para o filósofo alemão, a atual ideologia do fim das ideologias deixa a extrema direita à vontade para crescer
Vazio político ajuda radicais, diz Habermas
ALEXIS LACROIX
DO "LE FIGARO"
O filósofo e sociólogo alemão
Jürgen Habermas intervém pouco no debate político. Mas, agora
que os países europeus assistem
ao crescimento inesperado do voto de protesto, esse pensador da
democracia alemã e do federalismo europeu não pode mais deixar de expressar seus temores.
Entretanto, em lugar do ""antifascismo para ser visto por todos", Habermas faz o discurso da
verdade. Lembra que o mal conhecido como ""populismo"
-que, como qualquer outra mercadoria, é capaz de se renovar-
deve seus êxitos eleitorais à suposta modernidade das formações que o adotam.
Nascido em 1929, Habermas é
um dos principais representantes
da chamada Escola de Frankfurt.
Escreveu, entre outros livros,
"Mudança Estrutural na Esfera
Pública" e "Direito e Democracia" (Tempo Brasileiro). Leia a seguir trechos de sua entrevista ao
jornal francês ""Le Figaro".
Pergunta - O Partido da Liberdade austríaco, o Partido do Povo Dinamarquês, o Partido do Progresso, na Noruega, a Lista Pim Fortuyn, na Holanda, e o Vlaams Blok,
na Bélgica -essas formações populistas são comparáveis ?
Jürgen Habermas - Desde um
ponto de vista abstrato, sempre é
possível encontrar afinidades. É
fato que todos esses movimentos
decorrem de um estado de espírito comum, que parece ser quase
onipresente entre as populações
européias: a tendência a reagir
com xenofobia, com a alergia ao
outro e com o etnocentrismo às
ameaças sofridas à segurança física, à propriedade e ao ambiente
cultural imediato.
Pergunta - Podemos observar diferenças nítidas entre a extrema
direita de um país e de outro?
Habermas - Se nos ativermos a
essas respostas e às formas de expressão política que elas assumem em toda a Europa, chamarão a atenção as diferenças de "fisionomia" entre os estilos nacionais de cada um dos partidos de
inspiração populista. A tentativa
de classificar as mentalidades de
[Jean-Marie" Le Pen, Pim Fortuyn
e [Jörg" Haider segundo suas gerações, de acordo com a percepção cultural dos adolescentes, se
revela muito interessante.
Le Pen representa praticamente
o bom vovô interiorano; Haider
ostenta uma aparência mais contemporânea, livre de grande parte
do legado ultrapassado de seu colega francês, e Pim Fortuyn, um
homossexual intelectualmente
brilhante, representou um modelo rigorosamente pós-moderno
de provocador.
Pergunta - A força da extrema direita seria, então, a capacidade de
adaptação ao mundo como ele é?
Habermas - A comparação entre
Le Pen, Haider e Pim Fortuyn nos
permite fazer essa descoberta: o
populismo de extrema direita não
tem mais, obrigatoriamente, o
odor proletário do século 19. Ele
pode igualmente bem dobrar-se à
lei da modernização comercial,
seguindo o exemplo de um bem
de consumo qualquer.
Pergunta - Voltemos ao primeiro
turno da eleição presidencial na
França. Como se explica o avanço
do candidato da Frente Nacional?
Habermas - O chamado êxito
eleitoral de Jean-Marie Le Pen no
último 21 de abril consistiu em
grande medida na grande repercussão simbólica de um avanço
estatístico que, na realidade, foi
modesto, tendo se devido essencialmente à baixa participação
dos eleitores de esquerda e à fragmentação desses votos.
O efeito simbólico desse avanço
tornou-se maior pelo fato de ter
privado a grande maioria desses
eleitores de uma alternativa no segundo turno, o que traumatizou a
esquerda profundamente. No segundo turno, pelo menos, ela foi
às ruas em peso. Foi uma iniciativa salutar, especialmente com relação à opinião internacional.
Pergunta - Então o voto em Le
Pen no primeiro turno teria representado a exasperação de parte do
eleitorado que se sentia abandonada?
Habermas - A hipótese que o sr.
menciona, segundo a qual a classe
política teria deixado a população
de lado, me parece elitista, sentimentalista e, na maior parte do
tempo, hipócrita.
Pergunta - Por que hipócrita?
Habermas - Porque aqueles que
recorrem a essa hipótese são pessoas que querem justificar o fato
de terem tratado de forma puramente burocrática e rotineira a
amargura das camadas mais marginalizadas do eleitorado, em vez
de arregaçar as mangas para criar
as condições econômicas e sociais
que tornariam supérfluas as atitudes defensivas e regressivas.
Pergunta - Os temores ligados à
globalização não são uma causa
determinante do voto a favor da
extrema direita?
Habermas - Não apenas eles. O
que faz falta neste momento é
uma perspectiva global. Uma
perspectiva a partir da qual a política possa ser vivida como maneira de modelar a evolução global.
Na ausência dela, as pessoas se
sentem implacavelmente expostas a essas grandes transformações.
Retorno por um instante à sua
idéia de um eleitorado ""abandonado", de uma população que foi
""abandonada". É uma fórmula
que, na realidade, pode ser correta -desde que não queira dizer o
seguinte: que hoje em dia os políticos sentem que administram
nada mais do que uma empresa
prestadora de serviços, especializada nesta ou naquela função, ao
lado da economia, da educação,
dos transportes ou da saúde.
Assim, aceito que se fale de ""um
eleitorado que foi abandonado",
desde que seja para designar a atitude de uma classe política que se
retira da política e deixa de levar
em conta a possibilidade que a democracia oferece à sociedade de
agir sobre ela mesma, através do
viés de um voluntarismo forjado
no espaço público.
Pergunta - O ""mainstream" federalista, que reúne a maior parte da
esquerda e da direita, não criou entraves ao voluntarismo e não desmoralizou a ação política?
Habermas - O que faz falta ao
"mainstream" europeísta é a capacidade de dar à Europa fundamentos conquistadores necessários.
A tentativa de Lionel Jospin era
justa em seu princípio, mesmo
que seu promotor não tenha se
engajado de maneira digna de
crédito para levá-la adiante. O ex-premiê francês tinha a Europa como o projeto político de um certo
modelo social capaz de opor uma
resistência global ao neoliberalismo. Acontece que Jospin era pusilânime demais.
Em todo caso, é importante lutar por uma visão de futuro européia. Desde 1989, todos os partidos políticos acreditam na ideologia do fim das ideologias. Entretanto, ao liquidar os programas
políticos que enxergavam um
pouco além do presente imediato,
ao destacar e ao ""promover" essa
liquidação pelo recurso a expressões como Terceira Via ou ""novo
centro", criou-se um vazio que está sendo rapidamente preenchido
pelos ressentimentos da extrema
direita, sem freio nem restrições.
Pergunta - O voto nas formações
populistas não representa uma reivindicação social combativa (como
acontecia, no passado, com o voto
no Partido Comunista) -é muito
mais um voto pela ""última chance"...
Habermas - O populismo de direita é a expressão de uma forma
específica de desesperança. Basta
que uma única necessidade política da população seja frustrada para que a decepção se difunda.
Acontece que esta, por sua vez,
leva ao desespero, a partir do momento em que um grupo humano
se sente desconectado da instância ou entidade política através
das quais lhe é possível influir de
maneira consciente e voluntária
sobre as condições objetivas da
existência.
Uma política auto-referencial e
""preocupada" com ela mesma asfixia a centelha imaginativa e utopista dos cidadãos, e, na ausência
desta, as reformas são atropeladas
pela inércia e a rotina.
Pergunta - A constelação política
""pós-nacional" à qual o sr. se refere na Europa pode barrar a onda
populista?
Habermas - Eu falava há pouco
do fatalismo que tomou conta da
política, por boas razões. O poder
de decisão dos Estados-nações está diminuindo. Mesmo assim,
ainda pode ser reconquistado, em
escala européia.
Pergunta - O que é preciso fazer?
Habermas - Simplesmente seguir o caminho de Tony Blair
[premiê britânico" e do que ele está preparando em conjunto com
o primeiro-ministro espanhol, José María Aznar: não aprofundar a
coesão democrática da União Européia, mas estreitar a rede de ligações horizontais entre os governos nacionais.
Se a França e a Alemanha não
saírem de sua paralisia, a Europa
corre o risco de ver acontecer com
ela o que aconteceu com o velho
Sacro Império Romano Germânico à véspera de sua explosão: virar
uma ""máquina" monstruosa.
Tradução de Clara Allain
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