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análise
Crise expõe hipocrisia do Ocidente
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O conflito que se desenha
no sul do Cáucaso dará mais
uma chance para o mundo
tomar o pulso da hipocrisia
do Ocidente. Pelos últimos
quatro anos, EUA e Europa
bajularam a pequena Geórgia, com esperanças de fincar
ali a bandeira da aliança militar ocidental e, de quebra,
salvaguardar um corredor
estratégico de escoamento
de gás da Ásia Central.
Assim, Mikhail Saakashvili
foi vendido mundo afora como um sopro de democracia
num mar de ditaduras clientes de Moscou. Ocorre que,
como na Ucrânia, do movimento que levou à maior democratização do país restou
apenas uma lembrança.
Mas tudo isso é quase lateral. A Rússia não abandona
seus interesses na Ásia Central desde os czares, e existe
uma verdadeira paranóia,
não desprovida de senso estratégico, por parte do establishment militar russo sobre as intenções da Otan.
A questão econômica é
central, pois o até hoje sonhado gasoduto Nabucco,
que os europeus querem
construir ligando a Turquia à
Áustria, se conecta aos Estados do mar Cáspio através da
Geórgia. Com o Nabucco,
projeto de viabilidade duvidosa, a União Européia queria livrar-se da dependência
do gás russo.
Aí entra a Otan. Saakashvili fez o pedido formal de entrada na aliança com a esperança de proteger-se contra
o Kremlin, mas em Bruxelas
a idéia era mais ampla: com
um aliado no Cáucaso, a
Otan poderia projetar influência numa região dominada pelos russos.
A partir da chegada de Saakashvili ao poder em 2004, o
Kremlin atuou para desestabilizar seu governo, com a
justificativa popularíssima
de defesa das minorias russas na Geórgia. Desde 2007, a
Rússia fortaleceu sua posição na Abkházia, a outra região separatista do país. Há
hoje lá um efetivo militar
muito mais robusto que o da
Ossétia, e com isso Saakashvili foi obrigado a negociar
com os rebeldes locais, fragilizando-se internamente.
Assim, a escalada do conflito por parte da Geórgia, se
foi isso mesmo, sugere um
grito de Saakashvili a seus
aliados ocidentais. Ele sabe
ser impossível ganhar uma
guerra contra Moscou ou rebeldes por ela apoiados. Atacando a região separatista
mais fraca, onde só havia cerca de mil soldados russos hoje, jogou para trazer o conflito a um novo patamar, saindo das escaramuças locais ignoradas pelo Ocidente.
A cena de tanques russos
cruzando fronteiras arrepia
várias espinhas. Não faltará
quem peça uma intervenção
semelhante à que a Otan praticou em Kosovo. Mas em
1999 a Rússia estava de joelhos, e a Sérvia é encravada
na Europa. Agora, reerguidos
sobre hidrocarbonetos e
uma sólida autocracia, os
russos não vão deixar baratas
as baixas infligidas.
Vai ser um exercício interessante ver as democracias
ocidentais fazendo malabarismos para tentar acomodar
Vladimir Putin e Dmitri
Medvedev. Claro, há o risco
de uma "marcha da insensatez" levar a escalada a algo
impensável, um choque Rússia-Otan. Mas é bem mais
provável que vejamos um espetáculo de hipocrisia, com a
Geórgia pagando a conta.
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