São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2008

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Sucesso da Olímpiada interessa ao Ocidente

China demorou para decidir se integrar a instituições internacionais, e manutenção da convivência pacífica é trunfo geral

Idéia de Deng Xiaoping de que país deveria manter discrição no cenário externo para não despertar inveja é enterrada com os Jogos

GEOFF DYER
DO "FINANCIAL TIMES"

Quando Deng Xiaoping lançou o programa chinês de reforma econômica, quase 30 anos atrás, ele tinha uma idéia simples sobre política externa: manter a discrição. "Ocultar o brilho; alimentar a obscuridade", ele recomendou -ou outros países se sentiriam ameaçados e se uniriam para bloquear a ascensão da China. Essa parte do legado de Deng foi enterrada pela Olimpíada. Com a abertura multimilionária, ficou evidente que a China decidiu que não precisa mais ocultar o seu brilho. Em um esforço por enfatizar sua condição de grande potência emergente, a China cortejou líderes mundiais para que comparecessem à cerimônia de abertura dos Jogos. Quando o francês Nicolas Sarkozy deu a entender que um boicote era possível, meses atrás, os burocratas de Pequim bloquearam as visitas de turistas chineses à França. George W. Bush foi o primeiro presidente dos EUA a assistir a uma abertura olímpica fora de seu país. Todos os presidentes e primeiros-ministros estavam presentes para render homenagem aos anfitriões chineses, mas existe outro motivo para sua viagem: eles também desejam que os Jogos sejam um sucesso e compreendem que isso pode influenciar a maneira pela qual a China conduzirá seu envolvimento com o mundo. As manifestações e as contra-manifestações deflagradas pela passagem da tocha olímpica os ensinaram a temer uma China propensa a um nacionalismo frágil, para a qual a Olimpíada pode tanto servir como bálsamo quanto agir como irritante.

Debate interno
Há anos um debate sobre política externa está em curso entre os especialistas de Pequim, sobre integrar o país de maneira mais estreita ao sistema internacional existente ou assumir um caminho mais unilateral. Os Jogos podem ter impacto importante nessa discussão. "Não existe dúvida de que a Olimpíada gerará maior nacionalismo, mas ele pode ser ou construtivo ou de uma variedade menos benéfica", disse Victor Cha, da Universidade de Georgetown. "Uma boa Olimpíada tornará o país mais orgulhoso, mas, caso os Jogos transcorram mal, isso reforçará a idéia de que o Ocidente tenta impedir que a China ascenda." Os líderes chineses desejam expor um país confiante. Uma recente pesquisa da Pew Research aponta que 80% dos chineses estão satisfeitos com a maneira pela qual as coisas estão indo no país. E, embora a Olimpíada tenha se provado um revés em termos de direitos humanos, com detenções de ativistas, sob a superfície existem sinais de uma sociedade que se torna mais ativa e exigente quanto aos seus líderes. Os diplomatas ocidentais esperam que esse senso de confiança encoraje a China a se integrar mais às instituições internacionais e alivie tensões que cercam o surgimento de novas potências. A admissão da China na Organização Mundial do Comércio, em 2001, foi um marco importante. No período pré-Olimpíada, a China resistiu a apelos ocidentais para que reduzisse conexões com os regimes do Sudão e do Zimbábue, mas o país é visto pelos diplomatas como participante construtivo nas negociações em curso com Coréia do Norte e Irã. Além disso, promoveu avanços em duas de suas relações mais importantes e potencialmente mais venenosas, com Taiwan e com o Japão. Mas existe certa dose de hesitação entre os líderes que vieram a Pequim, devido à dinâmica potencialmente explosiva que cerca uma Olimpíada promovida por um país ansioso por aprovação, mas apavorado diante da possibilidade de qualquer embaraço. Há muitas maneiras de os cuidadosos preparativos fracassarem, de problemas em função da poluição a cenas de violência causadas por protestos, passando pela possibilidade de que os atletas chineses não se saiam bem como o governo espera. A mídia estrangeira está acompanhando a situação com ceticismo, atenta a qualquer tropeço. Desde a Guerra do Ópio, no século 19, a China sofreu uma série de brutais invasões estrangeiras e seus livros de história enfatizam a idéia de uma situação de humilhação nacional que precisava ser retificada. Para muita gente na China, a Olimpíada está relacionada a essa narrativa. A atmosfera delicada de hospitalidade e suspeita que cerca os jogos foi resumida por um dos aposentados de Pequim que o governo recrutou para ajudar na Olimpíada. Hou Yuanxiang, professor aposentado, não hesitou em se pronunciar quanto à sua atitude em relação aos Jogos. "Trata-se de uma oportunidade de recebermos vocês, estrangeiros, para louvar nossos avanços e ajudar a superar nossos problemas. Temos muitos defeitos e queremos ouvir sua opinião", disse. "Mas temos de reconhecer que vocês invadiram e intimidaram demais a China. Boa parte de nossa riqueza nos foi roubada pelos norte-americanos e japoneses." Ele faz uma breve pausa e continua: "Nós chineses somos muito amistosos. Por favor, venha visitar meu apartamento".


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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