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EPIDEMIA
Falta de transparência do regime agrava crise provocada pela doença e pode resultar em maior abertura no futuro
Sars abala estruturas políticas da China
JOSÉ REINOSO
DO "EL PAÍS"
A Sars (síndrome respiratória
aguda grave, na sigla em inglês)
está sacudindo as estruturas políticas da China. A tradição do Estado autoritário de manter tudo em
segredo foi pelos ares. Os dirigentes comunistas chineses, que descobriram que o Estado de Direito
ajudava a funcionar a economia,
perceberam agora que a transparência para informar é imprescindível para fazer frente às emergências nacionais.
"Vim para mostrar a realidade
ao mundo. Dói meu coração. Por
favor, tenham fé no povo e no governo chinês." A frase, pronunciada pelo premiê chinês, Wen
Jinbao, há alguns dias na Tailândia, na sua primeira viagem desde
que assumiu em março, revela até
que ponto a crise provocada pela
epidemia tem sacudido a estrutura social, política e econômica e
minado a credibilidade do país.
O premiê fez a declaração diante de diversos líderes asiáticos em
resposta às acusações que se espalharam pelo mundo sobre o segredo que a China vinha mantendo sobre a Sars.
Em novembro, quando se detectou o primeiro caso da doença,
a China finalizava mais um Congresso do Partido Comunista. Hu
Jintao, designado sucessor de
Jiang Zemin, assumiria a Presidência em quatro meses. O PIB
(Produto Interno Bruto) crescia a
uma velocidade de 8% em 2002. O
futuro parecia promissor para a
nova classe dirigente. A China
voava rumo à modernidade.
Então, o coronavírus chegou.
Durante os primeiros meses, as
autoridades em Pequim recorreram à ocultação e à censura devido ao desconhecimento sobre a
nova doença. As autoridades queriam manter a estabilidade social
a qualquer custo.
Enquanto isso, a pneumonia se
alastrava, principalmente na Província de Guangdong (sul) e na
capital do país. Hong Kong, com
mais autonomia em relação ao
governo central, combatia o vírus
com mais transparência. A doença chegara à cidade em fevereiro.
Em 16 de abril, a Organização
Mundial da Saúde pôs o dedo na
ferida: "Há mais casos de Sars do
que os admitidos oficialmente".
Dias depois, Zhang Wenkang,
ministro da Saúde, e Meng Xuenong, prefeito de Pequim, foram
demitidos por incompetência em
lidar com a nascente epidemia.
A fulminante destituição dos
dois altos funcionários surpreendeu dentro e fora do país por sua
dureza. Vários dirigentes chineses
pediram desculpas. Mas a credibilidade do regime foi ferida.
A eclosão da crise põe à prova
um governo que está no poder há
pouco mais de um mês e que tem
de responder ao maior dano que
se produziu no país desde a repressão ao movimento pró-democracia da praça da Paz Celestial, em 1989. Os que conhecem a
China não se surpreenderam.
"A chave do sistema de resposta
a emergências da China sempre
foi a de ocultar a informação", escreveu o dissidente Bao Tong, que
hoje está em prisão domiciliar.
"Sempre que acontece alguma
coisa, o primeiro passo que dão o
partido e o governo é fazer o possível para mantê-la em segredo."
Por isso foram importantes as
ameaças de Wen Jinbao de "castigar severamente" quem ocultar
informações sobre a epidemia.
Segundo analistas, não fosse a
pressão internacional, a China
não teria aberto a caixa de Pandora da Sars. "Eles viram o erro que
cometeram, viram que irão pagar
com pontos a menos no crescimento do PIB. E perceberão que é
preciso mudar algumas coisas",
disse um diplomata ocidental.
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