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São Paulo, domingo, 11 de maio de 2003

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EPIDEMIA

Falta de transparência do regime agrava crise provocada pela doença e pode resultar em maior abertura no futuro

Sars abala estruturas políticas da China

JOSÉ REINOSO
DO "EL PAÍS"

A Sars (síndrome respiratória aguda grave, na sigla em inglês) está sacudindo as estruturas políticas da China. A tradição do Estado autoritário de manter tudo em segredo foi pelos ares. Os dirigentes comunistas chineses, que descobriram que o Estado de Direito ajudava a funcionar a economia, perceberam agora que a transparência para informar é imprescindível para fazer frente às emergências nacionais.
"Vim para mostrar a realidade ao mundo. Dói meu coração. Por favor, tenham fé no povo e no governo chinês." A frase, pronunciada pelo premiê chinês, Wen Jinbao, há alguns dias na Tailândia, na sua primeira viagem desde que assumiu em março, revela até que ponto a crise provocada pela epidemia tem sacudido a estrutura social, política e econômica e minado a credibilidade do país.
O premiê fez a declaração diante de diversos líderes asiáticos em resposta às acusações que se espalharam pelo mundo sobre o segredo que a China vinha mantendo sobre a Sars.
Em novembro, quando se detectou o primeiro caso da doença, a China finalizava mais um Congresso do Partido Comunista. Hu Jintao, designado sucessor de Jiang Zemin, assumiria a Presidência em quatro meses. O PIB (Produto Interno Bruto) crescia a uma velocidade de 8% em 2002. O futuro parecia promissor para a nova classe dirigente. A China voava rumo à modernidade.
Então, o coronavírus chegou. Durante os primeiros meses, as autoridades em Pequim recorreram à ocultação e à censura devido ao desconhecimento sobre a nova doença. As autoridades queriam manter a estabilidade social a qualquer custo.
Enquanto isso, a pneumonia se alastrava, principalmente na Província de Guangdong (sul) e na capital do país. Hong Kong, com mais autonomia em relação ao governo central, combatia o vírus com mais transparência. A doença chegara à cidade em fevereiro.
Em 16 de abril, a Organização Mundial da Saúde pôs o dedo na ferida: "Há mais casos de Sars do que os admitidos oficialmente".
Dias depois, Zhang Wenkang, ministro da Saúde, e Meng Xuenong, prefeito de Pequim, foram demitidos por incompetência em lidar com a nascente epidemia.
A fulminante destituição dos dois altos funcionários surpreendeu dentro e fora do país por sua dureza. Vários dirigentes chineses pediram desculpas. Mas a credibilidade do regime foi ferida.
A eclosão da crise põe à prova um governo que está no poder há pouco mais de um mês e que tem de responder ao maior dano que se produziu no país desde a repressão ao movimento pró-democracia da praça da Paz Celestial, em 1989. Os que conhecem a China não se surpreenderam.
"A chave do sistema de resposta a emergências da China sempre foi a de ocultar a informação", escreveu o dissidente Bao Tong, que hoje está em prisão domiciliar. "Sempre que acontece alguma coisa, o primeiro passo que dão o partido e o governo é fazer o possível para mantê-la em segredo."
Por isso foram importantes as ameaças de Wen Jinbao de "castigar severamente" quem ocultar informações sobre a epidemia.
Segundo analistas, não fosse a pressão internacional, a China não teria aberto a caixa de Pandora da Sars. "Eles viram o erro que cometeram, viram que irão pagar com pontos a menos no crescimento do PIB. E perceberão que é preciso mudar algumas coisas", disse um diplomata ocidental.


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