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MULHERES DO ISLÃ
Em livro, Irshad Manji exalta poder feminino nas sociedades islâmicas; obra rendeu ameaças de morte à autora
"Mudança deve partir das muçulmanas"
DA REDAÇÃO
O islã precisa mudar, e a mudança deve partir das mulheres.
Essa questão delicada ganha uma
defesa apaixonada e contundente
na voz da jornalista muçulmana
Irshad Manji, cujo último livro,
"The Trouble with Islam" (o problema com o islã) rendeu à autora
o primeiro lugar em vendas em
seu país, o Canadá, e agradecimentos calorosos de muçulmanas no mundo todo. Mas também
rendeu ameaças de morte.
Manji, 35, diz que não tem medo e que é a coragem de vir à tona
e apontar o que acha errado que
despertou o ódio de alguns de
seus correligionários. "Pensar por
si só é um direito concedido por
Deus a todos, independentemente da religião ou do sexo", diz.
A escritora, cuja família veio de
Uganda, está acostumada a falar
demais e a ouvir o que não quer.
Aos 14 anos, foi expulsa da escola
religiosa pelo excesso de perguntas que fazia aos professores. "Hoje as mulheres vêm me dizer que
eu as estou ajudando a encontrar
sua própria voz", conta, comemorando os primeiros sinais de mudança. "Talvez essas mulheres
que você esteja encontrando no
Brasil sejam um exemplo de como as muçulmanas estão deixando de apenas seguir os homens
em sua vida."
Numa pausa entre as viagens
para lançar o livro na Europa,
Manji falou com a Folha, por telefone. Eis os principais trechos.
(LUCIANA COELHO)
Folha - Como vai a repercussão?
Irshad Manji - Recebi uma série
de ameaças de morte, de cartas e
e-mails de ódio. Mas isso era previsível. O que me surpreendeu foi
o tanto de apoio e amor que estou
recebendo de muçulmanos pelo
mundo, não só do Ocidente, sobretudo de mulheres e jovens.
Eles me agradecem por trazer à
tona coisas que eles só se permitiam pensar com seus botões.
Folha - Por que a sra. acha que o
seu livro causou tanta comoção?
Manji -Eu perguntei ao Salman
Rushdie [autor de "Os Versos Satânicos"] por que ele apoiou um
livro que poderia trazer para mim
os mesmos tipos de problema que
ele teve. Ele disse: "Um livro é
mais importante que uma vida".
Eu ri e fiquei esperando que ele
me dissesse que era piada. Mas ele
disse que, mesmo que você perca
sua vida, algo ficará: as suas idéias.
Penso que é isso que irrita tantos
muçulmanos. Eu não temo pela
minha vida. Minha mãe teme, minha companheira teme, eu não.
Folha - Muitos muçulmanos com
quem conversei dizem que nada no
Alcorão justifica a violência ou a
violação de direitos humanos. Por
que a sra. pensa que isso acontece?
Manji - Eu discordo. É confortável pensar que isso não tem nada a
ver com a religião e, portanto,
com você. Engraçado que tantos
muçulmanos foram à rua protestar quando a França proibiu o uso
do véu em escolas públicas, mas
foi impossível reunir o mesmo
número de manifestantes contra
a Arábia Saudita, que impõe o
véu. Os muçulmanos não querem
confrontar a realidade. Hipocrisia
é um dos motivos pelo qual você
não vê muçulmanos protestando.
Folha - Não é um problema de interpretação?
Manji -Muita gente vai dizer que
os versos do Alcorão estão sendo
explorados para propósitos políticos, eu concordo. Mas quem
tem uma pauta particular para
matar, ferir e torturar pode se amparar no Alcorão. Como todo livro sagrado, o Alcorão tem versos
que apóiam e que condenam a
violência. Precisamos reconhecer
o lado desagradável do Alcorão.
Folha - A polarização na mídia
não torna mais difícil assumir esse
lado desagradável?
Manji -Com certeza torna, mas
não há outro modo de a mudança
ocorrer. E não-muçulmanos têm
um papel crucial. Uma empresa
fez uma pesquisa na França com
muçulmanas após a proibição do
véu, e a maioria disse que a aprovava. Não porque elas se opunham ao véu, mas porque se opunham à violência e à intimidação
com que eram tratadas. Quando
vem de fora, a pressão incentiva
uma discussão na comunidade.
Folha - E a partir de dentro, o que
pode ser feito?
Manji -Governos e entidades deveriam aumentar o poder das
muçulmanas por meio do microcrédito. Assim, essas mulheres
poderão usar o dinheiro como
bem entenderem, poderão ler o
Alcorão por si mesmas e ver como as passagens são muito mais
abrangentes do que aquilo que
lhes enfiam pela goela. Temos um
estudo que mostra que, quando
as muçulmanas têm seus próprios
ativos, investem em suas famílias,
suas comunidades, suas cidades.
Todos se beneficiam, e o primeiro
benefício é a alfabetização.
Folha - As mulheres são cidadãs
de segunda classe no islã?
Manji -Em muitos casos. No Paquistão, segundo a Anistia Internacional, há dois assassinatos de
mulheres em nome da honra por
dia. No Irã, se você é suspeita de
ser lésbica, você é coberta de
branco, enterrada e apedrejada.
Um relatório da ONU apontou
três grandes problemas no mundo árabe muçulmano: falta poder
para a mulher, liberdade e conhecimento. Se resolvermos a parte
da mulher, resolvemos os outros.
Folha - Então as reformas devem
começar a partir das mulheres?
Manji -Eu acho que sim por uma
razão simples: as mulheres têm
menos a perder. E melhorar as
condições das mulheres significa
melhorar as de muita gente.
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