São Paulo, segunda-feira, 11 de agosto de 2008

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ENTREVISTA DA 2ª

RICHARD THALER

Cidadão é como Homer e precisa de "empurrãozinho"

Economista guru de Barack Obama defende mão pública para "guiar escolhas"; registro automático a fundo de pensão foi incorporado ao programa do candidato

JANAINA LAGE
DA SUCURSAL DO RIO

O ECONOMISTA norte-americano Richard Thaler, 62, tornou-se um guru informal de Barack Obama, virtual candidato democrata nas eleições presidenciais de novembro nos EUA. Um dos expoentes da chamada economia comportamental, que analisa o impacto de aspectos emocionais no processo de tomada de decisões, Thaler mantém conversas freqüentes com os assessores econômicos do senador de Illinois. Algumas das idéias apresentadas em seu livro mais recente, "Nudge" (algo como empurrãozinho), que será lançado no Brasil até o fim deste ano, chegaram a ser incorporadas ao programa de Obama -uma delas é o cadastramento automático de trabalhadores em fundos de pensão.
Richard Thaler define sua teoria como a tentativa de elaborar e fornecer os estímulos mais apropriados para auxiliar o cidadão comum a fazer as melhores escolhas nos mais variados aspectos de sua vida. "Os economistas inventaram um ser imaginário, que não sofre de qualquer tipo de problema de autocontrole. Mas infelizmente para eles o mundo é repleto de gente real", diz ele. Thaler, que é professor na Universidade de Chicago, concedeu entrevista à Folha por e-mail. Abaixo, os principais trechos.

 

FOLHA - O que significa exatamente esse empurrãozinho ("Nudge")?
RICHARD THALER
- É qualquer característica do ambiente que captura a nossa atenção e altera nosso comportamento.

FOLHA - O sr. menciona muitas vezes a expressão arquiteto da escolha. O que é isso?
THALER
- Um arquiteto da escolha é qualquer um que projete o ambiente no qual fazemos escolhas. Considere o cardápio de um restaurante. Alguém tem de decidir em qual ordem vai apresentar os itens, como agrupá-los e como nomear cada prato. Todas essas características aparentemente irrelevantes atuam como empurrõezinhos, de modo que os arquitetos da escolha influenciam o que nós escolhemos.

FOLHA - O sr. afirma que nós estamos mais próximos do Homer Simpson do que do dr. Spock, de "Jornada nas Estrelas". Somos menos espertos do que os economistas em geral pensam?
THALER
- Os economistas inventaram um ser imaginário, muito parecido com Spock de "Jornada nas Estrelas". No livro nós nos referimos a essa criatura imaginária como "econ" [algo como homem econômico]. Econs são muito espertos e não sofrem de qualquer tipo de problema de autocontrole. Eles podem calcular qual é a melhor hipoteca com facilidade e nunca comem ou bebem demais. Os economistas inventaram os econs porque é fácil escrever modelos matemáticos para essas criaturas. Mas infelizmente para eles [os economistas], o mundo é repleto de gente real, que tem problemas em fazer divisões complexas sem ajuda de uma calculadora e que de vez em quando acorda com enxaqueca. Os economistas comportamentais estão trabalhando na criação de modelos econômicos melhores por meio da incorporação de características humanas nas suas formulações.

FOLHA - Há algum exemplo de sucesso do uso do empurrãozinho?
THALER
- Darei dois exemplos. O primeiro é o do aeroporto de Schiphol, em Amsterdã, onde se gravou a imagem de uma mosca dentro do urinol no banheiro dos homens, bem próximo do escoadouro. Acontece que se você dá aos homens um alvo, eles miram nele e como resultado, o "transbordamento" caiu 80%. Em um aspecto bem mais importante, em muitos países são oferecidos aos trabalhadores fundos de pensão de contribuição definida, que são um bom negócio para os trabalhadores, mas muitos nunca chegam perto de assiná-los. Uma técnica que tem se mostrado de muito sucesso em acelerar o registro é mudar a opção-padrão. No fundo usual, quando um trabalhador se torna elegível a participar do plano, ele recebe primeiro uma série de formulários para preencher. Se ele não preenche os formulários, não é registrado no fundo. A alternativa é chamada "registro automático". Nesse esquema, o trabalhador recebe uma pilha de formulários mas é dito a ele que, se não preenchê-los, ele será registrado com uma determinada estratégia de investimento. Esse plano funciona e está sendo adotado ao redor do mundo. Essa idéia, de registro automático, foi incorporada ao programa de Obama.

FOLHA - O que Barack Obama pode fazer para acalmar o Homer Simpson médio entre os consumidores americanos?
THALER
- Podemos tornar mais fácil para o Homer tomar decisões. Ele nunca chegaria perto de preencher qualquer formulário, mas acharia bom poupar para a aposentadoria, especialmente quando ficar velho.

FOLHA - O senhor defende uma idéia de nome bastante curioso, "paternalismo libertário". O que é isso?
THALER
- A idéia do paternalismo libertário soa como um paradoxo, mas em nossa concepção não é. Por libertário nós nos referimos à liberdade de escolha. Por paternalismo queremos dizer ajudar as pessoas a fazer melhores escolhas, como avaliado por elas mesmas.

FOLHA - Quais são suas expectativas em relação a um eventual governo Obama?
THALER
- É difícil prever como um governo será de fato, mas há sinais de que uma Presidência de Obama será exitosa. Barack gosta de se cercar de pessoas espertas, muitas delas relativamente jovens. Penso que essa é uma coisa boa porque pessoas jovens são normalmente mais receptivas a novas idéias e não insistem em manter as coisas como estão apenas porque essa é a maneira como elas sempre foram.

FOLHA - É comum ouvir que John McCain seria um candidato melhor para a América Latina porque adota posições menos protecionistas. O que o senhor tem a dizer sobre isto?
THALER
- Tudo que vou dizer é que Obama sempre descreve a si mesmo como a favor de acordos, mesmo em particular.

FOLHA - Qual seria a importância do Brasil em um governo Obama?
THALER
- Como suas recentes viagens mostraram, Barack Obama tem potencial para mudar radicalmente a imagem dos EUA ao redor do mundo. Eu esperaria que ele se tornasse enormemente popular no Brasil e no resto da América do Sul.

FOLHA - O que o governo americano pode fazer para elevar a poupança dos cidadãos?
THALER
- Além do registro automático, nós defendemos uma idéia que desenvolvi com outro co-autor, Shlomo Benartzi, chamada "poupe mais amanhã". A idéia é que muitas pessoas querem poupar, mas não pensam que podem fazer isso agora. Dessa forma, é oferecido a elas um plano no qual elas concordam em ter suas porcentagens de poupança elevadas cada vez que recebem um aumento. Na primeira companhia em que a idéia foi adotada, os resultados triplicaram.

FOLHA - O que o governo pode fazer para ajudar o cidadão a fazer escolhas mais saudáveis como parar de fumar ou seguir uma dieta adequada?
THALER
- Uma forma simples de ajudar na questão da obesidade é fornecer às pessoas melhor informação. Em Nova York, foi aprovada uma lei que exige dos restaurantes de fast food que exibam o número exato de calorias ao lado de cada um dos itens mencionados no cardápio do cliente. Isto pode atuar como um empurrãozinho em direção a hábitos alimentares mais responsáveis. As famílias também têm a possibilidade de adotarem seus próprios empurrõezinhos. A melhor maneira de perder peso é comer em pratos menores.

FOLHA - Uma de suas idéias mais curiosas é a de um software para evitar e-mails furiosos. Como isso funcionaria?
THALER
- Todos nós já escrevemos um e-mail colérico do qual nos arrependemos assim que apertamos o botão "enviar". O software que esperamos detectaria e-mails raivosos (não me pergunte como) e enviaria ao usuário a mensagem: "Este e-mail aparece estar cheio de emoção! Tem certeza de que pretende enviá-lo?" A opção-padrão seria mandar o e-mail para um arquivo temporário, talvez chamado purgatório, onde ele permaneceria até que o usuário decidisse enviá-lo.

FOLHA - Como incentivar o consumidor a gastar menos?
THALER
- Na Califórnia, eles experimentaram um invento que se chama Ambient Orb. É uma lâmpada que brilha quando o proprietário está usando muita energia. Colocando este invento nas casas houve uma redução de energia em períodos de pico de até 40%.

FOLHA - Poderia explicar sua visão do casamento?
THALER
- Nossa idéia é eliminar o papel do governo de determinar regras sobre o casamento. Em vez disso, em documentos legais, o termo casamento seria substituído por união civil ou parceria doméstica. Isso seria o único procedimento legal disponível para casais, sejam eles gays ou heterossexuais.
O casamento se tornaria uma questão privada, conduzida pelas religiões ou outras organizações, e o governo não teria controle. Dessa maneira, se uma igreja quer limitar seus casamentos apenas a casais formados por homem e mulher, tudo bem, enquanto outra pode querer limitar os casamentos a casais gays. Acreditamos que isso conseguiria despolitizar completamente esta questão delicada. As igrejas agora se preocupam com a hipótese de serem obrigadas a conduzir casamentos gays, o que não aconteceria com o nosso plano. Ao mesmo tempo, os casais gays teriam os mesmos direitos legais que casais heterossexuais.


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