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ENTREVISTA DA 2ª
RICHARD THALER
Cidadão é como Homer e precisa de "empurrãozinho"
Economista guru de Barack Obama defende mão pública para "guiar escolhas"; registro automático a fundo de pensão foi incorporado ao programa do candidato
JANAINA LAGE
DA SUCURSAL DO RIO
O ECONOMISTA norte-americano Richard Thaler, 62, tornou-se um guru
informal de Barack Obama, virtual
candidato democrata nas eleições presidenciais de novembro nos EUA. Um dos expoentes
da chamada economia comportamental, que analisa o
impacto de aspectos emocionais no processo de tomada de decisões, Thaler mantém conversas freqüentes
com os assessores econômicos do senador de Illinois.
Algumas das idéias apresentadas em seu livro mais recente, "Nudge" (algo como empurrãozinho), que será
lançado no Brasil até o fim deste ano, chegaram a ser
incorporadas ao programa de Obama -uma delas é o
cadastramento automático de trabalhadores em fundos de pensão.
Richard Thaler define sua teoria como a tentativa de
elaborar e fornecer os estímulos mais apropriados para auxiliar o cidadão comum a fazer as melhores escolhas nos mais variados aspectos de sua vida. "Os economistas inventaram um ser imaginário, que não
sofre de qualquer tipo de problema de autocontrole.
Mas infelizmente para eles o mundo é repleto de
gente real", diz ele. Thaler, que é professor na Universidade de Chicago, concedeu entrevista à Folha por e-mail. Abaixo, os principais trechos.
FOLHA - O que significa exatamente esse empurrãozinho ("Nudge")?
RICHARD THALER - É qualquer característica do ambiente que
captura a nossa atenção e altera
nosso comportamento.
FOLHA - O sr. menciona muitas vezes a expressão arquiteto da escolha. O que é isso?
THALER - Um arquiteto da escolha é qualquer um que projete o
ambiente no qual fazemos escolhas. Considere o cardápio
de um restaurante. Alguém
tem de decidir em qual ordem
vai apresentar os itens, como
agrupá-los e como nomear cada prato. Todas essas características aparentemente irrelevantes atuam como empurrõezinhos, de modo que os arquitetos da escolha influenciam o
que nós escolhemos.
FOLHA - O sr. afirma que nós estamos mais próximos do Homer Simpson do que do dr. Spock, de "Jornada
nas Estrelas". Somos menos espertos do que os economistas em geral
pensam?
THALER - Os economistas inventaram um ser imaginário,
muito parecido com Spock de
"Jornada nas Estrelas". No livro nós nos referimos a essa
criatura imaginária como
"econ" [algo como homem econômico]. Econs são muito espertos e não sofrem de qualquer tipo de problema de autocontrole. Eles podem calcular
qual é a melhor hipoteca com
facilidade e nunca comem ou
bebem demais.
Os economistas inventaram
os econs porque é fácil escrever
modelos matemáticos para essas criaturas. Mas infelizmente
para eles [os economistas], o
mundo é repleto de gente real,
que tem problemas em fazer
divisões complexas sem ajuda
de uma calculadora e que de
vez em quando acorda com enxaqueca. Os economistas comportamentais estão trabalhando na criação de modelos econômicos melhores por meio da
incorporação de características
humanas nas suas formulações.
FOLHA - Há algum exemplo de sucesso do uso do empurrãozinho?
THALER - Darei dois exemplos.
O primeiro é o do aeroporto de
Schiphol, em Amsterdã, onde
se gravou a imagem de uma
mosca dentro do urinol no banheiro dos homens, bem próximo do escoadouro. Acontece
que se você dá aos homens um
alvo, eles miram nele e como
resultado, o "transbordamento" caiu 80%.
Em um aspecto bem mais
importante, em muitos países
são oferecidos aos trabalhadores fundos de pensão de contribuição definida, que são um
bom negócio para os trabalhadores, mas muitos nunca chegam perto de assiná-los.
Uma técnica que tem se mostrado de muito sucesso em acelerar o registro é mudar a opção-padrão. No fundo usual,
quando um trabalhador se torna elegível a participar do plano, ele recebe primeiro uma série de formulários para preencher. Se ele não preenche os
formulários, não é registrado
no fundo. A alternativa é chamada "registro automático".
Nesse esquema, o trabalhador
recebe uma pilha de formulários mas é dito a ele que, se não
preenchê-los, ele será registrado com uma determinada estratégia de investimento. Esse
plano funciona e está sendo
adotado ao redor do mundo.
Essa idéia, de registro automático, foi incorporada ao programa de Obama.
FOLHA - O que Barack Obama pode
fazer para acalmar o Homer Simpson médio entre os consumidores
americanos?
THALER - Podemos tornar mais
fácil para o Homer tomar decisões. Ele nunca chegaria perto
de preencher qualquer formulário, mas acharia bom poupar
para a aposentadoria, especialmente quando ficar velho.
FOLHA - O senhor defende uma
idéia de nome bastante curioso,
"paternalismo libertário". O que é
isso?
THALER - A idéia do paternalismo libertário soa como um paradoxo, mas em nossa concepção não é. Por libertário nós
nos referimos à liberdade de
escolha. Por paternalismo queremos dizer ajudar as pessoas a
fazer melhores escolhas, como
avaliado por elas mesmas.
FOLHA - Quais são suas expectativas em relação a um eventual governo Obama?
THALER - É difícil prever como
um governo será de fato, mas
há sinais de que uma Presidência de Obama será exitosa. Barack gosta de se cercar de pessoas espertas, muitas delas relativamente jovens. Penso que
essa é uma coisa boa porque
pessoas jovens são normalmente mais receptivas a novas
idéias e não insistem em manter as coisas como estão apenas
porque essa é a maneira como
elas sempre foram.
FOLHA - É comum ouvir que John
McCain seria um candidato melhor
para a América Latina porque adota
posições menos protecionistas. O
que o senhor tem a dizer sobre isto?
THALER - Tudo que vou dizer é
que Obama sempre descreve a
si mesmo como a favor de acordos, mesmo em particular.
FOLHA - Qual seria a importância
do Brasil em um governo Obama?
THALER - Como suas recentes
viagens mostraram, Barack
Obama tem potencial para mudar radicalmente a imagem dos
EUA ao redor do mundo. Eu
esperaria que ele se tornasse
enormemente popular no Brasil e no resto da América do Sul.
FOLHA - O que o governo americano pode fazer para elevar a poupança dos cidadãos?
THALER - Além do registro automático, nós defendemos uma
idéia que desenvolvi com outro
co-autor, Shlomo Benartzi,
chamada "poupe mais amanhã". A idéia é que muitas pessoas querem poupar, mas não
pensam que podem fazer isso
agora. Dessa forma, é oferecido
a elas um plano no qual elas
concordam em ter suas porcentagens de poupança elevadas cada vez que recebem um
aumento. Na primeira companhia em que a idéia foi adotada,
os resultados triplicaram.
FOLHA - O que o governo pode fazer para ajudar o cidadão a fazer escolhas mais saudáveis como parar
de fumar ou seguir uma dieta adequada?
THALER - Uma forma simples
de ajudar na questão da obesidade é fornecer às pessoas melhor informação. Em Nova
York, foi aprovada uma lei que
exige dos restaurantes de fast
food que exibam o número exato de calorias ao lado de cada
um dos itens mencionados no
cardápio do cliente. Isto pode
atuar como um empurrãozinho em direção a hábitos alimentares mais responsáveis.
As famílias também têm a possibilidade de adotarem seus
próprios empurrõezinhos. A
melhor maneira de perder peso
é comer em pratos menores.
FOLHA - Uma de suas idéias mais
curiosas é a de um software para
evitar e-mails furiosos. Como isso
funcionaria?
THALER - Todos nós já escrevemos um e-mail colérico do qual
nos arrependemos assim que
apertamos o botão "enviar". O
software que esperamos detectaria e-mails raivosos (não me
pergunte como) e enviaria ao
usuário a mensagem: "Este e-mail aparece estar cheio de
emoção! Tem certeza de que
pretende enviá-lo?" A opção-padrão seria mandar o e-mail
para um arquivo temporário,
talvez chamado purgatório, onde ele permaneceria até que o
usuário decidisse enviá-lo.
FOLHA - Como incentivar o consumidor a gastar menos?
THALER - Na Califórnia, eles experimentaram um invento que
se chama Ambient Orb. É uma
lâmpada que brilha quando o
proprietário está usando muita
energia. Colocando este invento nas casas houve uma redução de energia em períodos de
pico de até 40%.
FOLHA - Poderia explicar sua visão
do casamento?
THALER - Nossa idéia é eliminar
o papel do governo de determinar regras sobre o casamento.
Em vez disso, em documentos
legais, o termo casamento seria
substituído por união civil ou
parceria doméstica. Isso seria o
único procedimento legal disponível para casais, sejam eles
gays ou heterossexuais.
O casamento se tornaria uma
questão privada, conduzida pelas religiões ou outras organizações, e o governo não teria
controle. Dessa maneira, se
uma igreja quer limitar seus casamentos apenas a casais formados por homem e mulher,
tudo bem, enquanto outra pode querer limitar os casamentos a casais gays. Acreditamos
que isso conseguiria despolitizar completamente esta questão delicada. As igrejas agora se
preocupam com a hipótese de
serem obrigadas a conduzir casamentos gays, o que não aconteceria com o nosso plano. Ao
mesmo tempo, os casais gays
teriam os mesmos direitos legais que casais heterossexuais.
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