|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Gênese de crise está em disputa sobre Carta
DA REDAÇÃO
A radical divisão boliviana
entre os povos indígenas do
empobrecido altiplano, hoje liderados pelo presidente Evo
Morales, e as elites das ricas
terras baixas, reunidas nos Comitês Cívicos, é histórica, mas
vive um acirramento desde a
convocação por Morales de
uma Assembléia Nacional
Constituinte, em 2006.
Simultaneamente à eleição
da Constituinte, os bolivianos
votaram sobre a autonomia dos
departamentos (Estados). Os
departamentos da meia-lua votaram "sim", mas o altiplano
seguiu Morales, que fizera
campanha pelo "não", e manteve o status pelo qual os departamentos não têm Legislativos,
polícias ou impostos próprios.
Na mesma votação, o MAS
(Movimento ao Socialismo),
partido de Morales, conseguiu
maioria na Constituinte, mas
não os dois terços necessários
para validar o texto. O governo
mudou a regra no meio do jogo,
porém, e aprovou a nova Carta
por maioria simples.
A entrada em vigor da nova
Constituição depende ainda de
referendo, mas os governadores da meia-lua e os Comitês
Cívicos repudiam o texto
-principalmente, três itens:
a) embora ele dê aos departamentos a sonhada autonomia,
também concede autonomia a
povos indígenas que vivem
dentro desses departamentos;
b) a Carta limita a extensão
de terras de um mesmo proprietário a uma quantidade de
hectares que ainda deverá ser
definida em um referendo exclusivo sobre o tema;
c) La Paz mantém o controle
sobre os recursos naturais do
país -a maior riqueza está concentrada na meia-lua.
Referendos
Aprovada a Constituinte, os
departamentos oposicionistas
decidiram radicalizar contra
Morales. Santa Cruz, Pando,
Beni e Tarija promoveram, sem
aprovação da Justiça eleitoral,
referendos sobre estatutos autonômicos. O "sim" ganhou em
todos os departamentos, mas,
sem o consentimento de La
Paz, nada mudou na prática.
Sem conseguir destravar o
diálogo com os opositores, Morales apostou em sua força nas
urnas -convocou um referendo revogatório sobre o seu
mandato e o dos governadores.
O resultado não desfez o impasse. Dois terços dos bolivianos votaram para Morales ficar, mas os principais governadores de oposição também foram mantidos.
Após o referendo, os dois lados ensaiaram retomar um diálogo. Mas Morales não cedeu
em um ponto que os oposicionistas consideram fundamental -a restituição do repasse
aos departamentos de um imposto sobre o gás natural, que
La Paz deslocou para o pagamento de pensões a idosos.
Com a nova quebra de diálogo, veio mais radicalização.
Morales anunciou que levaria
adiante unilateralmente os referendos sobre a nova Constituição e marcou a data. Os Comitês Cívicos intensificaram
greves, bloqueios, locautes, tomadas de aeroportos e ataques
a instituições governamentais,
inclusive às instalações do gás
que a Bolívia exporta ao Brasil.
Mais de um líder das ações
contra Morales já confessou
que o objetivo final é derrubar
do governo o líder indígena,
que tem mandato até 2010, mas
pode concorrer à reeleição caso
seja aprovada a nova Carta.
Morales acusa os opositores de
tentarem um "golpe civil".
Comitês e milícias
Os principais artífices da radicalização são justamente os
Comitês Cívicos -que reúnem
a elite política e empresarial
nos departamentos e têm grande capacidade de mobilizar a
população. Sua força deriva
também do fato de que, até
2005, os governadores não
eram eleitos, mas nomeados
por La Paz -firmando-se os comitês como máxima expressão
política departamental.
Além deles, são agentes dos
ataques milícias como a União
Juvenil Cruzenha, de Santa
Cruz. Elas adotam discurso
mais radical e até racista contra
os indígenas. Nos referendos
autonômicos, foram usadas como forças de segurança nos departamentos, embora não esteja claro se possuem ou não armas em quantidade.
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: No Chaco, ir e vir não é direito, mas concessão Índice
|