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DIPLOMACIA
No mais recente atrito, americano diz que brasileiros devem deixar de ser só "espectadores" da guerra colombiana
Relações entre EUA e Brasil enfrentam crise
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
Recentes atritos comerciais e divergências políticas sobre crises
na América Latina parecem ter
conduzido o diálogo entre os governos do Brasil e dos EUA a seu
pior momento desde a posse do
presidente George W. Bush, em
janeiro de 2001. Nas últimas semanas, críticas mútuas antes feitas discretamente por representantes dos dois governos ganharam a forma pública.
Num depoimento ao Senado
norte-americano, o subsecretário
para assuntos políticos do Departamento de Estado, Marc Grossman, classificou a postura do Brasil com relação à guerra civil na
Colômbia à de um "espectador"
que assiste aos acontecimentos
sem fazer nada. "Precisamos fazer
com que outros países da região
não sejam espectadores. Tive a
chance de ir ao Brasil algumas semanas atrás. Foi uma das coisas
que fizemos, numa longa lista de
consultas com os brasileiros. Eu
insisti, insisti e insisti novamente
na necessidade de eles apoiarem a
Colômbia", declarou Grossman,
no dia 24 de abril, a integrantes da
poderosa comissão de relações
exteriores do Senado.
Grossman explicou por que os
EUA querem intensificar sua colaboração militar com o governo
colombiano e, ao explicitar a crítica ao Brasil, repetiu publicamente
uma insatisfação que os EUA só
manifestavam de forma reservada. "A Colômbia não é só um problema norte-americano."
Antes mesmo de o presidente
Bush assumir o cargo, os EUA já
consideravam que o Brasil negligencia sua posição de líder ao rejeitar ajuda militar e estratégica
para que o presidente Andrés Pastrana combata a guerrilha no país
- guerrilha essa controlada por
grupos que o governo brasileiro
resiste em classificar publicamente como terroristas.
Outro sinal aberto de deterioração das percepções mútuas veio
na semana passada, quando a Folha Online tornou público um artigo apresentado num seminário
pelo embaixador brasileiro em
Havana, Luciano Martins.
O artigo sustenta que o governo
dos EUA atua com "irracionalidade e arrogância" e levanta a possibilidade de a política unilateral e
incisiva do presidente Bush transformar-se numa "atitude coletiva,
assim como ocorreu na Alemanha nazista e agora parece ocorrer
em Israel". O governo brasileiro
classificou o artigo como um "texto acadêmico que não reflete a posição brasileira". Martins não é
um diplomata de carreira, mas
um sociólogo conhecido.
O Departamento de Estado recebeu uma cópia do texto por
meio do "Miami Herald", jornal
com ampla cobertura sobre assuntos ligados a Cuba. "Esse artigo não foi feito pelo governo brasileiro e não reflete o atual estágio
das relações entre os dois países",
disse à Folha Charles Barkley,
porta-voz do Departamento de
Estado. "Existem tensões normais, mas não uma crise", completou, referindo-se também à declaração de Grossman.
Porém diplomatas norte-americanos dizem que, embora o artigo
não afete a relação entre os dois
países, ele teria espelhado, de forma caricata, a opinião do próprio
presidente Fernando Henrique
Cardoso. Esses diplomatas lembram semelhanças de orientação
entre o artigo de Martins e o discurso de FHC à Assembléia Nacional da França, em outubro.
Naquele discurso, o presidente
brasileiro criticou os EUA indiretamente ao dizer que "a barbárie
não é somente a covardia do terrorismo, mas também a intolerância ou a imposição de políticas
unilaterais em escala planetária".
Na ocasião, a Casa Branca aceitou
o argumento de que as críticas,
embora feitas por um chefe de Estado em viagem oficial, tinham
orientação apenas acadêmica.
O embaixador brasileiro nos
EUA, Rubens Barbosa, disse que a
relação entre os dois governos é
"normal e razoável". Segundo ele,
é preciso "ver o relacionamento
com um todo", e não de forma
fragmentada. "Dentro do todo,
ele é positivo", afirma.
Barbosa reconhece que houve
uma piora na parte comercial da
relação, referindo-se às decisões
da Casa Branca de restringir as
importações de produtos siderúrgicos e de elevar os subsídios aos
produtores rurais norte-americanos. No entanto sustenta que a
cooperação entre os dois países
nas áreas de tecnologia e ambiente nunca esteve tão bem.
Indagado sobre a crítica de que
o Brasil estaria agindo como um
"espectador" da crise colombiana, Barbosa disse que a percepção
do subsecretário Grossman é
"equivocada". Segundo ele, o governo FHC já explicou "várias vezes" aos EUA que o Brasil, embora disposto a auxiliar o presidente
Pastrana, não recebeu ainda um
pedido de ajuda do governo da
Colômbia. "A posição brasileira é
de muita preocupação, mas não
vamos interferir na crise colombiana sem sermos chamados."
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