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ARTIGO
O 11 de Setembro já está fora de moda
WALTER KIRN
DO "NEW YORK TIMES"
Uma amiga minha disse algo
horrível, recentemente: "Eu já
cansei do 11 de Setembro".
Estávamos assistindo na televisão a um programa fútil de fofocas sobre Hollywood, apresentado por modelos fingindo-se de repórter. Durante um longo intervalo comercial eu apanhei o controle remoto para verificar o que
estava passando nos outros canais
e acabei parando em uma discussão sobre a guerra contra o terrorismo, em um dos canais de TV a
cabo.
Foi quando minha amiga fez
seu comentário, acrescentando:
"Tenho vergonha de mim por isso, mas é verdade. Eu me cansei
completamente".
Disse-lhe que tinha motivo para
sentir vergonha, mas à medida
que nossa noitada diante da televisão se desenrolava, com uma
sucessão de "reality shows" darwinistas e de reportagens picantes
sobre a vida amorosa de Britney
Spears, ocorreu-me que minha
amiga havia simplesmente sido
honesta quanto a um fenômeno
inegável: graças a um certo processo gradual de mumificação
cultural, os ataques realizados três
anos atrás se tornaram um símbolo, um emaranhado de mensagens empalhadas, oficiais, que
agora precisam competir com novas imagens pela atenção e pelo
interesse do país.
Eu não deveria ter me chocado
com o fato de que os atentados e
seus halos iconográficos se tornassem, em tão pouco tempo, tema de listas de "in e out" nas revistas. Na moda: bonés de caminhoneiro Von Dutch. Fora de
moda: camisetas do corpo de
bombeiros de Nova York. Na moda: "Fahrenheit 11 de Setembro".
Fora de moda: o próprio 11 de Setembro.
Relatório oficial
fechou um ciclo
Da mesma forma que a chegada
das fotos oficiais do casamento
representa o encerramento emocional formal do período de celebração, a publicação do relatório
oficial da comissão de inquérito
sobre os ataques encerrou o período aberto em 11 de setembro
de 2001.
Superficialmente, o objetivo do
relatório era descobrir exatamente o que aconteceu naquela sangrenta manhã e oferecer sóbrias
recomendações estratégicas para
impedir ataques semelhantes,
mas, em um nível mais profundo
e sombrio, o objetivo era empacotar e lacrar a grande confusão, de
modo que ela pudesse ser armazenada sem traumas psicológicos.
O relatório se tornou um sucesso
de vendas, suspeito, não porque
as pessoas realmente desejassem
lê-lo, mas porque ansiavam pela
satisfação de ter posse física do
volume, colocá-lo em suas estantes e depois ir para a cozinha, preparar o jantar.
Nos meses que se seguiram aos
ataques, quando o presidente estava incessantemente aconselhando as pessoas a sacudir a
poeira e voltar aos shopping centers, eu cautelosamente resisti à
complacência. Como é alguém
ousava me pedir que voltasse ao
"normal"? Como alguém ousava
me pedir que deixasse de lado minha sensibilidade?
Eu compreendia, evidentemente, que chegaria o dia em que meu
cérebro deixaria de transmitir
imagens dos arranha-céus em
chamas, dos corpos caindo e das
vigas distorcidas, fumegantes,
mas minha esperança era que isso
demorasse muito a acontecer, e
que eu fosse uma das últimas pessoas a esquecer.
A sensação pura de que eu era
uma vítima, que me tomava então
e que não era maculada por nenhuma culpa ou reprovação pessoal, era poderosa, abrangente e
estranhamente embriagante. Eu
suspeitava muito de que sentiria
falta dela, quando passasse.
E passou. Não me lembro exatamente quando, mas creio que a
mudança aconteceu mais ou menos no segundo trimestre deste
ano, depois que John Kerry venceu as primárias democratas, e a
campanha presidencial começou
a tomar impulso verdadeiro. As
memórias viscerais dos edifícios
caindo foram superadas por reflexões sobre a "questão" do terrorismo e sobre o candidato mais
preparado para enfrentar esse
"desafio".
Um pouco mais tarde, quando
Richard Clarke, ex-diretor do
programa de combate ao terrorismo do governo dos Estados Unidos, depôs diante da comissão de
inquérito sobre o 11 de Setembro e
acusou diretamente o governo
Bush de desconsiderar a ameaça
da Al Qaeda, senti uma ponta de
nostalgia pela unidade que sentíamos dois anos atrás, e que se perdeu.
A Guerra do Iraque tornava essa
unidade ainda mais difícil, evidentemente (um dos motivos para que eu a desaprovasse), mas
ainda assim me decepcionei. Gostava mais das coisas quanto estávamos todos chorando juntos e
quando o resto do mundo estava
chorando por nós.
De tragédia a uma questão política. Como isso é triste.
O que mais me magoava, porém, era a minha perda de foco,
minha frivolidade, minha tolice,
minha tendência à distração. Nos
dias que se seguiram aos ataques,
eu tomara uma séria de decisões
sóbrias e sombrias, que tive de admitir, neste ano, não ter nem começado a cumprir.
Não equipei minha casa com
painéis solares, declarando minha
independência do petróleo importado. Não deixei de jantar em
restaurantes caros, doando o dinheiro assim economizado para
um fundo de caridade em benefício dos órfãos do Afeganistão. E, o
mais lastimável, não deixei de assistir à MTV, que de qualquer jeito sou velho demais para acompanhar. Os neurônios em que eu
prometera abrigar os nomes dos
heróis do vôo 93 da United Airlines estão ocupados, agora, pelo
rosto de Jessica Simpson.
Se esse era um processo de cura,
a sensação era pecaminosa. Era
mais como se fosse um processo
de traição, na verdade. Para onde
foi o pesar? Para onde foi a intensidade? Será que minha mente e a
mídia que a alimenta não conseguem preservar um espaço sagrado e duradouro, uma vaga permanente no horário nobre para
essa tragédia?
Políticos mandam
sinais contraditórios
E, para minha surpresa, quando
decidi deixar tudo para trás, os
candidatos à Presidência (um deles, em especial) me solicitaram
que reavivasse a memória. Antes,
meu dever era manter a calma e
reanimar o carrossel da economia; agora, meu dever é voltar a
ficar inconformado, antes de ir às
urnas. O que é mesmo que eu devo fazer? Esquecer? Relembrar?
Os sinais são contraditórios. O
que os políticos desejavam, enfim
concluí, era poder reviver o 11 de
Setembro sempre que quisessem,
sempre que isso servisse aos seus
ambiciosos propósitos. Se pudessem, fariam implantar um chip
11/9 em alguma camada profunda
de meu cérebro e o ativariam via
controle remoto. Superar meus
sentimentos com relação aos ataques é minha maneira de recusar-lhes acesso.
É claro que me sinto culpado a
respeito, mas é assim que tem de
ser. Algumas emoções, algumas
memórias, algumas imagens são
simplesmente inflamáveis demais
para carregar conosco, especialmente quando certas pessoas estão sempre dispostas a acender
um fósforo em minha alma.
É por isso que comecei a enterrar aquela desditosa manhã em
um lugar ao qual só eu tenho acesso, sob camadas e mais camadas
de informações efêmeras quanto
à cultura pop. Eu escavarei para
obter essas imagens quando quiser fazê-lo, mas nunca antes. A
passagem do tempo as tornou
verdadeiramente minhas tanto
para contemplá-las quanto para
deixá-las de lado.
Walter Kirn é colaborador da "New York Times Magazine"
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